No primeiro dia do congresso do American College of Physicians (ACP 2023), nada mais “clínico” do que uma palestra avaliando as evidências por trás dos dados do exame físico, certo?
O palestrante foi o Dr. Daniel Dresslier, que, com base em alguns casos clínicos, conseguiu transmitir a importância do exame físico, sobretudo quando bem empregado e bem interpretado – o que nem sempre acaba acontecendo. O exame físico é essencial para elaborarmos hipóteses diagnósticas corretas.
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Porém como qualquer outra ferramenta utilizada para esse propósito, também tem o poder de nos enviesar e atrapalhar o raciocínio clínico, sobretudo quando nos prendemos em uma informação que não nos acrescenta maior probabilidade de assertividade ou então quando atribuímos um valor indevido à alguma informação. Por tal motivo, entendermos o likelyhood ratio (LR) – a famosa razão de verossimilhança – é fundamental.
Antes de falarmos sobre a palestra em si, essa pequena introdução é mister (tentaremos tornar o menos doloroso possível). O LR nada mais é do que um cálculo:
LR positivo = sensibilidade / 1 – especificidade
LR negativo = 1 – sensibilidade/especificidade
Muito mais importante que saber fazer essa conta é saber como utilizar a informação. Com base em normogramas ou mesmo com cálculos, se soubermos a probabilidade pré teste (ou seja, a prevalência da doença dentro daquela população e situação específica) e soubermos o LR daquele teste, teremos o resultado pós teste. O uso do normograma pode facilitar a visualização, onde devemos traçar uma linha iniciando da probabilidade pré teste e que cruze o LR do teste, que nos informará qual a probabilidade pós teste, ou seja, qual a probabilidade daquele diagnóstico frente a um resultado positivo (ou negativo) de um teste.
Para tanto, cada exame físico tem seu LR positivo e negativo determinados. O Dr Dressler recomenda referências como o “Jama Evidence” (link ao final) para consultas.
É importante ressaltar que um teste pode ter um “bom” LR positivo – ou seja, se aquele dado estiver presente ao exame físico aumentamos muito a chance daquele diagnóstico – com um baixo LR negativo, ou seja, caso o exame não esteja alterado, não impacta de forma significativa na probabilidade pós teste, não afastando portando a possibilidade diagnóstica.
Feita esta pequena revisão, vamos para os highlights da palestra!
Por que devemos examinar os pacientes internados
O Dr. Dressler começou ressaltando, baseado em alguns estudos observacionais, a importância do exame físico diário em pacientes internados. Não existe um padrão ou guidelines que recomendem uma rotina mínima ou máxima, mas na opinião do especialista, é sempre fundamental que avaliemos no mínimo os dados que são relevantes para a doença e evolução do paciente. Ele destaca alguns benefícios do exame diário como:
- Evolução do próprio médico – Dados advindos de estudos com alunos e residentes de cardiologia mostram, como esperado, que há uma curva de crescimento na acurácia do exame físico conforme se aumenta a frequência dos exames. Ao aprender a detectar o normal com frequência, entendemos de forma mais rápida quando há algo alterado
- Identificação de dados fundamentais – Outro estudo observacional identificou que dados do exame físico alteram em cerca de 26% uma suspeita diagnóstica ou são capazes de alterar a conduta frente a um paciente internado. Ainda, em 7% dos casos é identificado algo que não foi possível nem pela história clínica nem por exames complementares.
- Reconhecimento precoce de complicações e evolução da doença
- Relação médico paciente.
Exame físico baseado em evidências
Na segunda parte da aula, o Dr. Dressler trouxe alguns casos clínicos para ilustrar a importância de conhecermos pelo menos o valor de alguns dados de exame físico que sejam relevantes na nossa prática clínica. De uma forma geral:
- LR positivos próximos ou maiores que 10 são realmente bons, aumentando a chance do diagnóstico em cerca de 45%, enquanto que um LR negativo de 0,1 pode reduzir a chance de diagnóstico em 45%.
- LR de 5 são decentes e nos ajudam razoavelmente, enquanto um LR de 1 significa que aquele dado não ajuda em nada – não vai alterar a probabilidade pós teste.
Caso 1: Avaliação de hipovolemia no pronto atendimento
O primeiro exemplo trazido na palestra foi um caso de paciente com 45 anos, em avaliação no pronto atendimento com quadro de fezes escurecidas e tontura. Considera-se que a probabilidade pré teste de um sangramento grave seja de 20%. Nesse caso, alguns dados de exame físico poderiam ajudar:
– Avaliação da coloração das mucosas
– Avaliação postural
Para a detecção de uma Hb < 11,0 mg/dL, a palidez da conjuntiva (de toda a conjuntiva bulbar) pode trazer um LR positivo de 16! No entanto, não encontrar esse achado não muda nada e não descarta, uma vez que o LR negativo é baixo (vale lembrar que é de toda a mucosa e não apenas a porção inicial mais próxima a conjuntiva bulbar!)
Já a avaliação ortostática, considerando-se apenas a elevação da frequência cardíaca ao permanecer em posição supina tem um LR de 30 para perdas moderadas e até 98 para perdas importantes. Ou seja, aumenta-se MUITO a chance de encontrarmos de fato uma perda volêmica.
No entanto, para a pesquisa de hipovolemia, a presença de mucosas secas trazem um LR de apenas 2,8. Ajuda, mas não podemos concluir um diagnóstico por sua presença e nem nos ancoramos nesse dado.
Caso 2: Dispneia no Pronto Atendimento
O segundo caso ilustra ainda mais o quanto podemos falsamente nos ancorar em achados populares mas cujo LR positivo ou negativo é baixo e o quanto esquecemos ou deixamos de lado dados que podem ser mais relevantes. O caso é de um paciente de 50 e poucos anos, tabagista 20 anos/maço, HAS, com obesidade que vem por dispnéia e tosse. A tosse piora à noite e tanto a tosse como a dispneia pioram ao deitar. Ao exame físico, PA 110/80, FC 110, edema bilateral de membros inferiores e sem estertores crepitantes. E aí, qual a melhor hipótese e como o exame físico pode ajudar? Será que esse paciente tem insuficiência cardíaca?
- A primeira informação que normalmente perguntaríamos seria sobre a ausculta pulmonar. Mas observem a tabela:
Achado clínico | LR + | LR- |
Crepitações | 2,8 | 0,51 |
Edema periférico | – | – |
B3 | 11 | 0,88 |
Turgência jugular palpável | 5,1 | 0,66 |
Desvio do ictus para esquerda com impulso apical (predizendo IC FE reduzida) | 10,3 | 0,7 |
- Mesmo na ausência de crepitações e edema periférico, não há grandes alterações na probabilidade pós teste do paciente apresentar uma IC. Edema periférico não aumenta o LR positivo nem negativo.
- Contudo, ao encontrarmos achados como B3 ou turgência jugular palpável, a probabilidade pós teste pode aumentar muito.
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Conclusão
Utilizar tais dados parecem dar uma “forma numérica” a algo que já fazemos, que é a soma de fatores que nos direciona a pensar em um diagnóstico. Contudo, devemos ser cautelosos ao supervalorizar achados que podem não contribuir ou mesmo desprezar achados fundamentais para nossas hipóteses diagnósticas.