Antibioticoprofilaxia previne ITU em lactentes com refluxo vesicoureteral?

A eficácia da antibioticoprofilaxia na prevenção da infecção do trato urinário em lactentes com refluxo vesicoureteral é controversa.

Apesar de a antibioticoprofilaxia ser rotineiramente prescrita para lactentes com refluxo vesicoureteral (RVU) grau III, IV ou V, graus que são frequentemente associados com lesão renal congênita, não está claro se seria benéfica para lactentes sem infecção de trato urinário (ITU) prévia. Os estudos prévios de antibioticoprofilaxia para ITU focavam em crianças principalmente meninas com RVU leve ou ausente, geralmente com disfunção vesical ou intestinal.  

O maior estudo prévio de antibioticoprofilaxia para ITU envolveu crianças com RVU (80% com grau II ou III), sendo que mais de 90% eram meninas e a profilaxia só foi iniciada após o primeiro ou segundo episódio de ITU. Então, para responder essa pergunta, Morello e colaboradores fizeram o estudo clínico PREDICT, cujos resultados foram publicados em setembro de 2023 no New England Journal of Medicine. Neste artigo, destacamos as principais contribuições desse estudo. 

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Antibioticoprofilaxia previne ITU em lactentes com refluxo vesicoureteral?

Antibioticoprofilaxia previne ITU em lactentes com refluxo vesicoureteral?

Metódos 

 O estudo PREDICT foi multicêntrico, randomizado e aberto. Envolveu 39 centros europeus. Incluiu lactentes de 1 a 5 meses de idade com refluxo vesicoureteral (RVU) grau III, IV ou V (diagnosticados por uretrocistografia miccional ou ultrassonografia urinária miccional) e sem infecção de trato urinário (ITU) prévia, com idade gestacional a partir de 35 semanas e taxa de filtração glomerular (TFG) > 15mL/min/1,73m2 pela fórmula de Schwartz.  

No protocolo de avaliação inicial, foi dosada a creatinina sérica, feita análise da urina por EAS e feita cintilografia renal com ácido dimercaptosuccínico (DMSA) de todos os pacientes. 

Foram excluídos os lactentes com ITU prévia, válvula de uretra posterior, bexiga neurogênica ou obstrução da junção ureteropélvica ou da junção ureterovesical.  

Foram divididos em grupo controle, que não recebeu tratamento por 24 meses, e grupo profilaxia, que recebeu antibioticoterapia contínua por 24 meses. A randomização foi feita conforme a presença ou ausência de lesão renal prévia.   

A escolha do antibiótico para a profilaxia contínua era feita pelos médicos pesquisadores do centro de tratamento conforme os padrões locais de resistência da Escherichia coli. As opções de antibioticoprofilaxia em dose única diária incluíam: 

  • nitrofurantoína na dose de 1,5 mg/kg/dia via oral (VO); 
  • amoxicilina-clavulanato na dose de 15 mg/kg/dia VO; 
  • cefixima na dose de 2 mg/kg/dia VO; 
  • sulfametoxazol-trimetoprima na dose de 2,5 mg/kg/dia VO (cálculo pela trimetoprima e prescrita preferencialmente após 3 meses de idade). 

O antibiótico poderia ser trocado se ocorresse efeito colateral inaceitável ou, após uma primeira ITU, conforme a sensibilidade da bactéria isolada aos antibióticos a fim de superar a resistência, respeitando uma das opções de antibioticoprofilaxia do estudo. 

O desfecho primário foi a ocorrência da primeira ITU (sintomática confirmada por urinocultura positiva colhida de jato médio, cateterismo vesical ou punção suprapúbica) durante o período do estudo. Os desfechos secundários incluíram novas cicatrizes renais e a taxa de filtração glomerular estimada (TFG) em 24 meses. 

Um modelo de regressão de Cox tempo até o evento foi usado para incluir dados de todos os participantes submetidos à randomização, a fim de evitar possíveis vieses. Várias análises de sensibilidade foram realizadas para detectar possíveis vieses na análise de intenção de tratar. Os modelos de Cox e de regressão logística incluíram análise de possíveis fatores de confusão e modificadores de efeito. 

Resultados 

Ao todo 292 lactentes foram randomizados (146 por grupo), sendo: aproximadamente 75% meninos, a mediana de idade foi de 3,4 meses, 235 participantes (80,5%) apresentavam RVU grau IV ou V, e 48,3% tinham RVU bilateral. Os participantes dos dois grupos tinham características clínicas semelhantes. 

Quanto à antibioticoprofilaxia usada, 49,3% receberam amoxicilina com clavulanato (n:72), 24% receberam sulfametoxazol-trimetoprim (n:35), 16,4% receberam nitrofuratoína (n: 24) e 10,3% receberam cefixima (n:15).  

 A primeira ITU sintomática ocorreu em 31 participantes (21,2%) no grupo profilaxia e em 52 participantes (35,6%) no grupo controle [com taxa de risco de 0,55 e intervalo de confiança de 95% (IC) de 0,35 a 0,86, P=0,008]; o número necessário para tratar (NNT) durante dois anos para prevenir uma ITU foi de sete crianças (IC 95% de 4 a 29). Não houve diferença significativa no tempo para ter a primeira ITU entre os grupos nem na necessidade de internação hospitalar ou antibioticoterapia venosa. Entre os participantes não tratados, 64,4% não tiveram ITU durante o estudo.  

A incidência de novas cicatrizes renais e a TFG estimada aos 24 meses não diferiu significativamente entre os dois grupos. Espécies de Pseudomonas, outros organismos não-Escherichia coli e resistência a antibióticos foram mais comuns em urinoculturas em vigência de ITU do grupo profilaxia do que no grupo controle (IC 95% de 1,5 a 5,92). Não houve diferença significativa de eventos adversos graves entre os grupos, um lactente do grupo profilaxia morreu por síndrome de morte súbita do lactente. 

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Discussão e conclusão 

Antibioticoprofilaxia preveniu ITU em lactentes com refluxo vesicoureteral grau III, IV e V sem ITU prévia. Entretanto, os próprios autores do estudo PREDICT questionam o benefício clínico da profilaxia contínua nesses lactentes, uma vez que 64,4% dos pacientes do grupo controle não tiveram ITU durante o estudo, o número necessário para tratar foi 7, sem diferença na incidência de novas cicatrizes renais e na TFG estimada aos 24 meses, com piora do perfil de bactérias causadoras de ITU e de sua resistência. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Morello W, Baskin E, Jankauskiene A, Yalcinkaya F, Zurowska A, Puotccio G, Serafinelli J, La Manna A, Krzemień G, Pennesi M, La Scola C, Becherucci F et al., for the PREDICT Study Group. Antibiotic Prophylaxis in Infants with Grade III, IV, or V Vesicoureteral Reflux. The New England Journal of Medicine 2023;389:987-97. DOI: 10.1056/NEJMoa2300161 .