Os cânceres gastrintestinais representam um grande problema de saúde pública, acometendo diversos órgãos como esôfago, estômago, intestinos, fígado e pâncreas. Apesar dos importantes avanços diagnósticos e terapêuticos, eles são responsáveis por sintomas com grande impacto nutricional e de alta morbimortalidade por gerarem disabsorção, disfagia, alterações de motilidade ou até mesmo metabólicas de acordo sítio do trato gastrointestinal (TGI) acometido1.
Nos últimos anos, a compreensão de que a microbiota intestinal desempenha um importante papel na saúde humana tem se tornado cada vez mais clara, sendo vista por alguns pesquisadores como um dos elementos-chave relacionados à gênese dos cânceres gastrointestinais, valendo também ressaltar a implicação da microbiota na prevenção e tratamento do câncer1,2.
Diversos estudos evidenciam múltiplas vias que contribuem para a susceptibilidade ao câncer decorrente de uma disbiose intestinal2. Acredita-se que uma microbiota intestinal alterada promova e aumente o desenvolvimento do câncer por mecanismos diversos, como: produção de metabólitos tóxicos, resposta inflamatória crônica, biossíntese de compostos genotóxicos interferindo no controle do ciclo celular ou causando um dano direto ao DNA através do metabolismo de aminas heterocíclicas da dieta, etc6. Além da disbiose, outros fatores de risco estão relacionados aos cânceres do TGI, como a conhecida relação entre a infecção pelo H. pylori e o câncer gástrico. Essa infecção potencializa a disbiose gástrica, sendo essa uma possível via envolvida na carcinogênese por estar relacionada a lesões gástricas já avançadas, como gastrite atrófica crônica e metaplasia e/ou displasia intestinal2,3.
Em relação ao câncer colorretal, prevalente em nosso meio, há também uma diferença entre a composição da microbiota quando comparada com a dos pacientes não acometidos. Através do sequenciamento do microbioma, foi possível estudar as comunidades microbianas que colonizam segmentos acometidos por tumores, assim como locais não tumorais do cólon, avaliando de forma individualizada possíveis efeitos oncogênicos relacionados à microbiota4. Nesse contexto, a refratariedade aos tratamentos quimioterápicos e a presença de efeitos colaterais incentivaram a busca por novas terapias adjuvantes como tentativa de modulação da resposta imune.
Owens e colaboradores evidenciaram que a administração de Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) em camundongos resulta em mudanças no cenário imunológico do intestino, atuando na regulação dos níveis de interleucina (IL)10 e promovendo melhor atividade das células T reguladoras. Ademais, a capacidade de modulação da resposta pró-inflamatória pelo LGG, por meio dos estímulos aos macrófagos, pelo aumento da produção de anticorpos e pela modulação da atividade de células dendríticas, levanta hipóteses de que componentes do microbioma intestinal possam ser promissores com terapia adjuvante para modulação da resposta imune e antitumorais colônicas5.
Diversos estudos utilizaram diferentes abordagens para modular a microbiota, com objetivo de induzir o aumento da infiltração de células T CD8+ em tumores e, consequentemente, diminuir a carga tumoral do sítio em questão, porém, essa é uma via não tão clara e que necessita ser explorada mais profundamente. Recentemente, foi avaliado até que ponto o LGG, poderia modular as respostas das células T CD8+. Os resultados da suplementação de camundongos com LGG mostraram um aumento na prevalência de células T CD8+ na mucosa do cólon, o que pode sugerir uma possível via de ação antitumoral5. Interessantemente, células de câncer de cólon metastático, tratadas com sobrenadantes de culturas de LGG, apresentaram o ganho de ZO-1 e a diminuição de MMP-9, o que poderia reduzir a propriedade de infiltração das células tumorais e o potencial invasivo e metastático das células cancerígenas7.
Apesar das evidências apresentadas, a compreensão sobre a interação entre fatores genéticos, epigenéticos e imunológicos, dieta e idade do paciente, devem ser consideradas para que haja uma indicação de modulação da microbiota intestinal. Estudos clínicos bem delineados, randomizados, duplo-cegos, controlados por placebo, utilizando probióticos, como o LGG, por ser um dos mais estudados e com fortes evidências, e/ou prebióticos, com seguimento adequado, são necessários para formular direções de prevenção e terapias adjuvantes1,5. Até o momento, o efeito mais importante do LGG observado em pacientes com câncer, segue ligado à redução da diarreia aguda ou crônica associada à quimioterapia e radioterapia.8,9,10