Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.
A situação de rua é definida como um grupo heterogêneo de pessoas que vivem em pobreza extrema, possuem vínculos familiares fragilizados/interrompidos e que não possuem moradia convencional regular (de forma temporária ou permanente). Infelizmente, esse contexto ainda é muito prevalente em nosso país. Como as pessoas nesta situação tão complexa e particular devem ser cuidadas? Como deve ser a comunicação com as mesmas?
O nosso modelo de ensino médico atual coloca, muitas vezes, o profissional no centro do cuidado e não o próprio indivíduo. Ele também nos ensina a sermos eficientes, rápidos e prontos para o mercado de trabalho. Por isso, as relações humanas médico-pessoa são cada vez mais desencorajadas, e tornam-se cada vez mais escassas e rasas.
No cuidado de pessoas em situação de rua, é perceptível que o mais importante não é seguir grandes “guidelines”, saber fazer a melhor prescrição, realizar um diagnóstico preciso. Mas, muitas vezes, é o toque, o olho no olho, comunicação não-verbal coerente, uma relação de iguais e não hierarquizada que fazem a diferença. Porque é isso que eles esperam de nós, profissionais de saúde. Desta forma, além das abordagens contendo Método Clínico Centrado na Pessoa e Entrevista Motivacional, alguns passos devem ser seguidos sempre, para que se conquiste a confiança da pessoa que está sob nosso cuidado:
- Dirija-se a ele(a) por seu nome;
- Respeite o tempo deles (nós profissionais é que estamos no ambiente deles, e devemos perguntar se eles querem ser ajudados);
- Escute as suas histórias de vida e se mostre interessado pelas mesmas;
- Respeite a dignidade de cada indivíduo;
- Seja persistente – essas pessoas vivem em um ambiente completamente hostil e aprendem, como mecanismo de proteção, a não confiar em outras pessoas, devendo essa barreira ser quebrada aos poucos;
- Oferte esperança, afeto, cuidado, e não só condutas médicas propriamente ditas;
- Não os julgue pelos seus hábitos e vícios – a Redução de Danos é o termo para este cenário;
- Tenha competência cultural – aprenda a linguagem da rua, conheça as suas maiores dificuldades, conheça as drogas, suas apresentações e formas de uso, isso faz com que eles se sintam representados.
Além das atitudes citadas acima, muitas outras podem e devem ser tomadas de acordo com as particularidades de cada situação (por exemplo, utilizando recursos locais, como amigos, líderes das comunidades etc.), buscando sempre o aumento do vínculo médico-pessoa, o que torna o cuidado mais satisfatório. Cabe citar que, geralmente, após a edificação de um vínculo forte, o profissional será sempre a referência daquele paciente, e este o procurará sempre que precisar de algo.
Por fim, merece uma reflexão o acesso restrito que essa população tem aos serviços de saúde. Por exemplo, a necessidade de acompanhantes para internações, endereço e telefone para cadastramento nos sistemas informatizados e para cadastro nas unidades de saúde de atenção primária, pouco ou nenhum treinamento dos profissionais nas particularidades da situação de rua, dificuldade de longitudinalidade do cuidado devido a constantes mudanças de local de moradia e horários de atendimento incompatíveis com os horários para “sobrevivência na rua”, entre outros.
Referências:
- Política Nacional para a População em Situação de Rua http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm
- Camargo BP. Rev Bras Med Fam Comunidade. Rio de Janeiro, 2016 Jan-Dez; 11(38):1-31 Vivência em Consultório na Rua do Rio de Janeiro: a situação de rua sob uma nova perspectiva. Disponível em: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1269/771
Otima reflexão. Só espero que esse seu entusiamo não acabe no decorrer de sua carreira de médico. Na faculdade todos querem mudar o mundo mas ao longo da vida profissional esse entusiamo acaba, chegam os casamentos, filhos, responsabilidades e cobranças e o tempo que você dispunha para ouvir seus pacientes não serão mais respeitados….terá seus filhos cobrando sua presença, sua esposa cobrando sua presença, seu chefe ou seu paciente mais afortunado cobrando exclusividade de sua presença…..
meu desejo é que mais e mais pessoas, mais e mais Universidades, mais e mais chefias e Hospitais cobrem de seus alunos e funcionários, atitudes humanitárias, menos rigidez e mais “pró-ativismo”. Selecionar profissionais para atuar nesse lado mais humano também é uma saída para ambientes hospitalares. Quem sabe um dia a profissão do futuro seja simplesmente aquele cara ou aquela moça carismática, carinhosa, que saiba ouvir e tenha sobretudo empatia pelo próximo… Parabéns pelo seu trabalho e sucesso nas suas conquistas.
Obrigado pelo comentário! Realmente, esfriar durante a faculdade, o exercício da profissão e frente aos problemas da vida é algo esperado, mas devemos lutar contra esse movimento “natural” das coisas, tentando nos lembrar do porque estamos onde estamos e o que as pessoas que cuidamos realmente procuram. Fiz um estágio no Consultório na Rua no Rio de Janeiro, e ali vi uma medicina diferente, na qual você tinha a possibilidade de ouvir, pois havia tempo para isso e o serviço era voltado para um atendimento de qualidade e não de quantidade. Bom seria se em todas as instituições da Rede de Atenção à Saúde fosse assim, mas infelizmente ainda não é possível, porém, seguimos nadando contra a maré, firmes e fortes na nossa luta