Em resposta ao desmonte da Rede Cegonha, considerada a mais bem-sucedida política pública de assistência ao pré-natal, parto e puerpério no Brasil, o Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem publicou uma nota pública em repúdio à Portaria MS 715/2022.
Segundo a nota, o Ministério da Saúde (MS) teria ignorado “dispositivos legais, evidências científicas e apelos ao diálogo ao instituir de maneira tendenciosa a Rede Materno e Infantil (RAMI), que dá ênfase à atuação do médico obstetra sem contemplar a assistência às crianças e excluindo as enfermeiras obstétricas”.
A Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (ABENFO Nacional), também publicou uma nota pública repudiando a decisão unilateral.
Vale ressaltar que a atuação qualificada da enfermagem obstétrica é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como essencial para a redução da mortalidade materno-infantil, contribuindo para evitar, identificar e tratar precocemente complicações, com o devido encaminhamento, quando necessária.
Rede Cegonha
Criada em 2011, a Rede Cegonha priorizava a humanização do atendimento às gestantes na rede pública, valorizando a atuação de enfermeiras obstétricas e parteiras.
E com a criação do dia para a noite da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami), programa criado pela secretaria de Atenção à Saúde Primária do Ministério da Saúde, essas categorias foram sumariamente excluídas com o claro objetivo de devolver aos médicos obstetras o protagonismo, negligenciando o atendimento às crianças e iniciativas como o parto humanizado e a luta contra a violência obstétrica.
Faltou diálogo
“A gestão do SUS é tripartite e o Ministério da Saúde não poderia jamais ter tomado uma decisão dessas em desfavor do país. O Congresso Nacional precisa reverter esse quadro urgentemente. A atuação da enfermagem obstétrica é reconhecida no Brasil e no mundo pela OMS como um instrumento fundamental para a qualidade de vida das crianças e para a redução da mortalidade materno-infantil. As evidências são indiscutíveis e precisamos restabelecer a normalidade”, disse a presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Betânia Santos.
A especialista também destacou que, além de não consultar gestores, estados e municípios, não foi realizada nenhuma consulta pública à sociedade.
Risco à saúde pública
A enfermeira Isabelle Gaspar, mestre em enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery (UFRJ), com residência em Saúde da Mulher (HESFA/UFRJ) e especialista em Gênero e Sexualidade (IMS/UERJ), também demonstrou grande preocupação com o desmonte da Rede Cegonha.
“Essa é uma situação que não foi discutida e traz sérias consequências, como o retorno de uma visão hospitalocêntrica, centrada no profissional médico e excluindo a atuação do enfermeiro obstetra. Não há referências aos centros de partos normais na política e nem aos cuidados de promoção à saúde das mulheres e dos bebês, feito pelos enfermeiros. É preciso levar em consideração que a atuação multidisciplinar só traz ganhos para as usuárias, que podem ter os atendimentos com vista a garantir a integralidade da assistência, além de contribuir para a redução da mortalidade materna, que é um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU)”, afirmou a enfermeira Isabelle Gaspar, que também é colunista do Portal de Notícias da PEBMED.
O coordenador da Comissão Nacional de Saúde da Mulher do Conselho Federal de Enfermagem, Herdy Alves, enfatizou que a portaria representa um risco à saúde pública, em especial à vida reprodutiva.
“Essa é uma situação muito séria. A Rede Cegonha vinha garantindo força de interação qualificada e segura no campo da saúde reprodutiva. A gente precisa reduzir a morte materna, mas o Brasil não consegue alcançar esse objetivo. Estamos em uma transição onde as mulheres morrem na pandemia. O Brasil é campeão em mortes em fase reprodutiva. Perdemos mulheres e não há, por exemplo, uma discussão que garanta ampliar o apoio a essas mulheres e uma assistência segura”, avaliou Herdy Alves.
O senador Humberto Costa (PT-PE) protocolou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) n.º 80/2022, que susta os efeitos da Portaria MS 715/2022.
“(…) O Governo Federal vem sistematicamente promovendo desmontes nas políticas de saúde do nosso país. Não podemos permitir mais esse retrocesso. Especialmente em um momento em que o país inteiro ainda luta para superar a pandemia é fundamental que sejam promovidas melhorias estruturais e reconhecimentos ao esforço e dedicação de todos os profissionais da saúde. E é exatamente no sentido contrário que a Presidência da República e o Ministério da Saúde caminham, ao publicar a portaria 715, atacando diretamente os enfermeiros e enfermeiras do Brasil. Por tudo exposto, contamos com o apoio dos nobres pares para aprovação do presente Projeto de Decreto Legislativo com o objetivo de sustar essa portaria, extremamente nociva para a categoria da enfermagem e para as políticas públicas de saúde do país”, diz o trecho final do documento.
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O projeto de decreto está em tramitação na Câmara dos Deputados desde o dia 11 de abril aguardando votação. Caso aprovado, seguirá para o Senado Federal.