Covid-19: ventilação mecânica pode provocar infecções respiratórias?

Relação entre Covid-19 e incidência de infecções do trato respiratório inferior associado à ventilação mecânica.

Estima-se que na Europa cerca de 10% dos pacientes internados com Covid-19 evoluíram com necessidade de intubação orotraqueal. Dessa forma, se espera que a incidência de pneumonia e traqueobronquites associados à ventilação mecânica aumentem. Consequências diretas disso são: maior tempo de ventilação mecânica e permanência na UTI, aumento da mortalidade, e dos custos da internação.

Estima-se que pacientes com infecção grave por SARS-CoV-2, que evoluem com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), possam apresentar maior risco de adquirir essas infecções, em função do tempo prolongado em ventilação mecânica. 

No entanto, desde o início da pandemia, nenhum estudo abordou especificamente o impacto da infecção por SARS-CoV-2 na incidência de infecções do trato respiratório inferior associados à ventilação mecânica  (ITR-VM). Este termo inclui tanto a pneumonia, como a traqueobronquite. Um estudo, publicado no Intensive Care Medicine em janeiro de 2021, avaliou 36 unidades de terapia intensiva (UTI) europeias e teve justamente esse objetivo. 

Ventilação mecânica

Infecções do trato respiratório inferior associado à ventilação mecânica

O objetivo do estudo é avaliar a incidência de infecções do trato respiratório inferior associado à ventilação mecânica, em pacientes admitidos por SARS-CoV-2, em comparação com aqueles com pneumonia por influenza ou sem infecção viral na admissão. O desfecho secundário foi avaliar a etiologia das ITR-VM.

Metodologia

  • Estudo multicêntrico, observacional, retrospectivo, em 36 centros europeus de 2016 até 2020. Amostra calculada de 1071 pacientes para obter poder estatístico de 80% 
  • Amostra separada em 03 grupos de admissão à UTI: Covid-19, Influenza A/B, e ventilação mecânica por outras causas.
  • Diagnóstico confirmado por método de reação em cadeia da polimerase (PCR) de uma amostra de secreção nasofaríngea ou respiratória.
  • Critérios de inclusão
    • > 18 anos
    • Ventilação mecânica > 48h
    • Pelo menos um dos seguintes: 1) pneumonia por SARS-CoV-2, (2) pneumonia por influenza (A ou B), ou (3) nenhuma infecção viral. 
  • Critérios diagnósticos de ITR-VM

O diagnóstico de ITR-VM foi baseado na presença de pelo menos dois dos seguintes critérios: temperatura corporal maior que  38,5 °C ou menor que 36,5 ° C, contagem de leucócitos superior a 12.000 ou inferior a 4.000 células por μL, e  secreção traqueal purulenta. Associado a isso, era obrigatória a confirmação microbiológica, com isolamento no aspirado endotraqueal de pelo menos 100.000 unidades formadoras de colônias (UFC) por mL, ou no lavado broncoalveolar de pelo menos 10.000 UFC por mL. A traqueobronquite foi definida com os critérios acima mencionados, no entanto, sem presença de sinais radiográficos de pneumonia. A pneumonia foi definida com os mesmos critérios, associada a presença de infiltrados novos ou progressivos na radiografia de tórax.

Resultados

No total, 1.576 pacientes foram incluídos (de março de 2016 a maio de 2020) nos 36 centros participantes (568 no grupo de pneumonia SARS-CoV-2, 482 no grupo de pneumonia por influenza e 526 no grupo sem infecção viral).

  • Incidência de ITR-VM

Foi observada maior incidência de ITR-VM nos pacientes com infecção por  SARS-CoV-2, em relação aqueles com influenza (OR  1.6, IC 95%  1.26 – 2.04),  e aqueles sem infecção viral (OR 1.70, IC95% 1.20 – 2.39). Essa diferença permaneceu significativa mesmo após ajuste para fatores de confusão pré-especificados. 

  • Resultados microbiológicos

Bacilos gram-negativos foram os responsáveis pela maioria dos episódios de ITR-VM nos três grupos do estudo. Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter spp., e Klebsiella spp., foram as bactérias mais comumente identificadas. A taxa de pacientes com infecções relacionadas a bactérias multirresistentes (MDR) foi menor no grupo de pacientes infectados por SARS-CoV-2, em comparação com os outros dois grupos.

Discussão

A principal informação fornecida pelo estudo é que a incidência de ITR-VM é significativamente maior em pacientes com pneumonia por SARS-CoV-2 (50,5%), em comparação a pacientes com pneumonia por influenza (30,3%)  ou sem infecção viral na admissão na UTI (25,3%). O isolamento de bactérias MDR foi menos comum em pacientes com Covid-19, em comparação com os outros grupos.

Várias explicações potenciais podem ser fornecidas para a alta incidência de infecção relacionada à ventilação mecânica em pacientes com pneumonia por SARS-CoV-2. Em primeiro lugar, os pacientes necessitaram de mais tempo em ventilação mecânica, e apresentaram maior incidência de SDRA do que os demais grupos. Alguns tratamentos imunossupressores comumente prescritos para pacientes com Covid-19, como os corticosteróides, também podem ter aumentado o risco de ITR-VM. No entanto, outros grandes estudos que avaliaram esse desfecho, como o brasileiro CODEX, demonstraram que o uso de corticosteróides, nas doses utilizadas na infecção por SARS-CoV-2, não aumentaram as taxas de infecção nosocomial. 

Limitações do estudo

  1. O estudo foi retrospectivo. 
  2. Não foram coletados dados sobre medidas preventivas específicas nos pacientes do estudo, como adesão à higiene das mãos e medidas de isolamento de contato. Também não foram avaliados dados acerca do uso de sedação ou  bloqueadores neuromusculares.
  3. Todos os centros estão localizados na Europa ocidental, principalmente na França, de modo que os resultados não podem ser generalizados para outras regiões do mundo.
  4. Foram comparados dados de períodos pré-pandemia versus pandemia. Assim, todos os vieses de um estudo do tipo “antes / depois” podem estar presentes nessa situação.

Conclusão

A incidência de infecções relacionadas à ventilação mecânica foi significativamente maior em pacientes com Covid-19 em comparação aos pacientes com pneumonia por influenza ou sem infecção viral admitidos na UTI. Essa associação merece ser investigada mais a fundo, com intuito de compreender melhor a fisiopatologia do processo, e assim, estudarmos medidas preventivas nessa população.

Referência bibliográfica:

  • Rouzé A, Martin-Loeches I, Povoa P, et al. Relationship between SARS-CoV-2 infection and the incidence of ventilator-associated lower respiratory tract infections: a European multicenter cohort study [published online ahead of print, 2021 Jan 3]. Intensive Care Med. 2021;1-11. doi:10.1007/s00134-020-06323-9

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