Dapagliflozina no paciente com IC e piora importante de função renal

O benefício da dapagliflozina é consistente ao longo de todo o espectro da DRC e o estudo sugere que deve ser mantida mesmo na piora da TFG.

Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) frequentemente tem doença renal crônica (DRC) e a associação das duas doenças aumenta o risco de eventos de forma importante. Ao longo do tempo, pacientes com IC podem ter piora da função renal, levando muitas vezes à interrupção do tratamento da IC, já que há dúvidas quanto à segurança e eficácia de algumas medicações e isso pode levar a piora ainda mais significativa da função renal. 

Os inibidores do SGLT2 são considerados fundamentais no tratamento da IC, tanto com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida quanto preservada. Até o momento, não há evidência que a queda da taxa de filtração glomerular (TFG) que ocorre ao se iniciar a medicação seja deletéria e é seguro iniciá-la quando a TFG se encontra a partir de 25-30 mL/min/1,73m2 

Não há grandes estudos que avaliaram a segurança e eficácia de continuar a medicação em pacientes com IC que tem piora da TFG para níveis menores que o considerado seguro para início da medicação. Baseado nisso, foi feita uma análise dos estudos DAPA-HF e DELIVER no intuito de avaliar esses pacientes. Abaixo, seguem os principais pontos do estudo. 

Saiba mais: Benefício da empagliflozina para crônicos renais e IC independe da gravidade?

Dapagliflozina no paciente com IC e piora importante de função renal

Dapagliflozina no paciente com IC e piora importante de função renal

Métodos

Os dados foram obtidos dos estudos DAPA-HF e DELIVER. Ambos foram randomizados, placebo controlados e duplo cegos e compararam dapagliflozina e placebo. O DAPA-HF incluiu pacientes com pelo menos 18 anos que tinham IC sintomática, FEVE ≤ 40% e peptídeos natriuréticos aumentados. O DELIVER incluiu pacientes com pelo menos 40 anos que tinham IC sintomática, FEVE > 40%, peptídeos natriuréticos aumentados, necessidade de diuréticos e evidência de doença cardíaca estrutural.  

O desfecho primário composto de ambos era piora de IC (internação por IC ou necessidade de medicação endovenosa em atendimento de urgência) ou morte cardiovascular. O protocolo dos estudos não orientava suspender a medicação caso a TFG ficasse menor que os cortes para sua introdução, porém sugeriam que fossem avaliadas causas para piora renal.  

Para a análise da relação entre piora de TFG para níveis menores que 25 mL/min/1,73m2 e a ocorrência de desfechos cardiovasculares e de segurança foram avaliados dados dos pacientes e a TFG no início do estudo e nos meses 1, 4, 12 e 24 meses.  

Resultados 

Do total de 11007 pacientes randomizados, 347 tiveram queda da TFG para níveis menores que 25 mL/min/1,73m2 pelo menos 1 uma vez durante o seguimento, sendo que essa queda ocorreu no primeiro mês após a randomização em 20% dos pacientes. A mediana de tempo para a queda da TFG foi de 121 dias, sem diferença entre os grupos dapagliflozina e placebo. 

Não houve diferença no risco de queda da TFG entre os grupos considerando-se apenas o período posterior a 30 dias da randomização (neste período é esperada queda em decorrência da medicação) e a maioria dos pacientes que teve piora renal mantiveram a medicação. 

Os pacientes com queda da TFG para níveis menores que 25mL/min/1,73m2 pelo menos uma vez no seguimento eram mais velhos, mais frequentemente mulheres com pior TFG basal, tinham maiores níveis de peptídeos natriuréticos e de FEVE, mais comorbidades e eram menos frequentemente tratados para IC. 

Durante o seguimento, o desfecho primário ocorreu em 2010 pacientes, com quase o dobro da incidência em pacientes que tiveram queda da TFG (taxa de incidência: 18,6; IC95% 14,9-23,5/100 pacientes-ano) comparado aos que não tiveram piora renal (taxa de incidência: 10,2; IC95% 14,9-23,5/100 pacientes-ano), sendo o HR 1,87 (IC95% 1,48-2,35; p < 0,001). Os resultados foram semelhantes para a ocorrência de morte cardiovascular, internações por IC e morte por todas as causas. 

A ocorrência do desfecho primário foi menor nos pacientes que usaram dapagliflozina comparado ao placebo, independente de piora renal, sendo que a redução absoluta de risco foi maior nos pacientes com piora renal comparado aos sem piora renal. A taxa de ocorrência de todos os desfechos de segurança, incluindo suspensão da medicação, foram semelhantes entre os grupos, independente da queda da TFG. 

Leia também: ESC 2023: Semaglutida tem benefício na insuficiência cardíaca?

Comentários e conclusão 

Este estudo foi retrospectivo, com dados obtidos de estudos prévios, número pequeno de pacientes (3% do total dos dois estudos tinha queda da TFG) e não tinha dados sobre albuminúria e causa da piora renal. Assim, deve ser considerado gerador de hipóteses.  

Os resultados mostraram que pacientes com IC que tiveram piora renal tiveram risco maior de eventos cardiovasculares e o uso de dapagliflozina foi protetor, com redução de eventos comparado ao placebo, e redução absoluta de risco maior que nos pacientes sem piora renal. 

O benefício da dapagliflozina é consistente ao longo de todo o espectro da DRC e esse estudo sugere que deve ser mantida mesmo quando há piora da TFG para níveis muito baixos e reforça a necessidade de estudos randomizados para avaliar pacientes com DRC mais avançada. Há estudos em andamento para avaliar o início da medicação em pacientes com TFG < 25 mL/min/1,73m2 e em pacientes transplantados renais. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Chatur S, Vaduganathan M, Claggett BL, Mc Causland FR, Desai AS, Jhund PS, de Boer RA, Hernandez AF, Inzucchi SE, Kosiborod MN, Lam CSP, Martinez FA, Shah SJ, Sabatine MS, Kober L, Ponikowski P, Merkely B, Petersson M, Langkilde AM, McMurray JJV, Solomon  SD, Dapagliflozin in Patients with Heart Failure and Deterioration in Estimated Glomerular Filtration Rate to <25ml/min/1.73m2, Journal of the American College of Cardiology (2023), doi: https://doi.org/10.1016/j.jacc.2023.08.026.