A Organização Mundial da Saúde (OMS) define parto prematuro como aquele realizado antes de 37 semanas gestacionais completas. Sabe-se que a microbiota intestinal ao nascimento, bem como durante seu desenvolvimento, tem impacto duradouro ao longo da vida, sendo implicada em aumento do risco de doenças crônicas, como diabetes, obesidade e asma na fase adulta. Comparado a recém-nascidos a termo, os prematuros, especialmente aqueles nascidos antes de 32 semanas de gestação, tipicamente possuem maior abundância de anaeróbios facultativos e patógenos oportunistas no início da vida, sendo a microbiota caracterizada pela persistência de Proteobacteria, como Klebsiella e Escherichia. Apesar da riqueza e da diversidade da microbiota intestinal aumentarem à medida que os bebês prematuros crescem, essa taxa é menor do que a de bebês a termo da mesma idade cronológica.1,2
Diversos fatores exercem uma ação negativa na composição da microbiota do recém-nascido prematuro antes mesmo do nascimento, como a exposição a microrganismos patogênicos no contexto de rotura prematura das membranas amnióticas. O parto cesariano, mais frequente no prematuro, permite ainda a colonização do bebê pela microbiota da pele materna, em vez da vaginal, acarretando alterações na composição microbiana3,4. Os desafios seguem após o nascimento, com maiores taxas de internação em unidades de terapia intensiva neonatal, exposição a germes hospitalares, menor contato com a pele materna, altas taxas de infecção nosocomial, culminando no maior uso de antimicrobianos, o que impacta negativamente na microbiota em desenvolvimento5. O aporte nutricional tardio, o jejum prolongado, a supressão ácida e o uso de fórmulas infantis em detrimento da amamentação parecem também fazer parte dos modificadores da composição da microbiota intestinal durante o período neonatal. Somados, a conjunção de fatores ambientais e desregulação do complexo sistema imunológico gastrointestinal prejudicam a formação de uma microbiota saudável3,6.
Fomentar discussões sobre o cuidado com a microbiota dos lactentes é de grande relevância para mitigar consequências em curto e longo prazo. Os recém-nascidos prematuros apresentam altas taxas de mortalidade, septicemia e morbidades gastrointestinais, como enterocolite necrotizante. Por outro lado, a longo prazo podem surgir alergias, obesidade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade3,7. A etiologia exata dessas morbidades é desconhecida, mas incluem a imaturidade intestinal com aumento da permeabilidade e um sistema imunológico imaturo.
O aleitamento materno exclusivo traz grandes benefícios na composição da microbiota intestinal, inclusive para os pacientes prematuros, sendo essa sempre a primeira escolha a ser estimulada. No entanto, a tolerância a dieta enteral é frequentemente reduzida em prematuros, sendo que uma parte significativa requer nutrição parenteral. Atualmente, diversos autores estudam formas de combater a disbiose, minimizando os impactos deletérios de fatores pré e pós-gestacionais na formação da microbiota neonatal. Uma das estratégias mais empregadas é a utilização dos probióticos para modulação da microbiota, resposta imune e melhora da barreira intestinal, a qual deve ser sempre realizada de forma individualizada frente os potenciais riscos e benefícios3,8.
Apesar da necessidade de mais estudos sobre a bacterioterapia na prematuridade, AlFaleh e colaboradores evidenciaram resultados favoráveis em relação à suplementação enteral de probióticos, principalmente a combinação multiespécies com Lactobacillus e Bifidobacterium, na prevenção de enterocolite necrotizante grave e outras causas importantes de mortalidade em prematuros9. Nesse sentido, a diretriz da Associação Americana de Gastroenterologia sugere, em prematuros e recém-nascidos de baixo peso, o uso de uma combinação de Lactobacillus spp e Bifidobacterium spp (L. rhamnosus ATCC 53103 e B longum subsp infantis; ou L. casei e B. breve; ou L. rhamnosus , L. acidophilus, L. casei, B. longum subsp infantis, B. bifidum e B. longum subsp longum; ou L. acidophilus e B. longum subsp infantis; ou L. acidophilus e B. bifidum; ou L. rhamnosus ATCC 53103 e B. longum Reuter ATCC BAA-999 ; ou L. acidophilus, B. bifidum, B. animalis subsp lactis e B. longum subsp longum), ou B. animalis subsp lactis (incluindo DSM 15954), ou L. reuteri (DSM 17938 ou ATCC 55730), ou L. rhamnosus (ATCC 53103 ou ATC A07FA ou LCR 35) para prevenção de enterocolite necrotizante.10 Já a European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) faz uma recomendação condicional de utilização de Lactobacillus rhamnosus GG ATCC53103 ou a combinação de Bifidobacterium infantis Bb-02, Bifidobacterium lactis Bb-12, e Streptococcus thermophilus TH-4 para reduzir as taxas de enterocolite necrotizante graus 2 e 3.11
Outras estratégias seguem em estudo, como a utilização do transplante de microbiota fecal de um doador saudável com objetivo de restaurar a homeostase microbiana do paciente receptor. Cabe ressaltar que existem preocupações sobre a segurança da utilização de probióticos e transplante de microbiota fecal em prematuros, incluindo o risco teórico de infecções sistêmicas, atividades deletérias sobre o metabolismo, estimulação imunológica excessiva e transferência de genes de resistência a antibióticos, o que limita a ampla utilização na prática clínica11,12.
Dessa forma, o uso dos probióticos, como o Lactobacillus rhamnosus GG, sob vigilância médica, surge como uma possibilidade terapêutica adjuvante na prevenção de graves complicações associadas a prematuridade, como a enterocolite necrotizante, embora mais estudos sejam necessários.