Estamos superutilizando os stents?

Passados mais de 40 anos da primeira angioplastia, houve grande atualização na área, com novas técnicas e tecnologias.

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Passados mais de 40 anos da primeira angioplastia, houve grande atualização na área, com novas técnicas e tecnologias. Inicialmente indicada para tratar a angina estável, a angioplastia teve seu apogeu na doença aguda, principalmente no infarto transmural, no qual o procedimento mostrou se grande redutor de mortalidade e eventos secundários.

Com o advento dos stents coronarianos, a angioplastia manteve um tempo maior de patência dos vasos e como consequência surgiu a complicação da reestenose de stent, até então desconhecida. Para essa última complicação foram desenvolvidos os stents farmacológicos, embebidos em drogas quimioterápicas com o intuito de reduzir a proliferação neointimal exagerada (fator causal da reestenose de stent).

Por um bom tempo e até hoje, os stents, através da angioplastia, vêm sendo usados para tratamento da doença arterial coronariana estável e instável. As lesões consideradas críticas (maior que 50% no tronco da coronária esquerda e maior que 70% nos demais vasos) recebem stent a critério da equipe cardiológica provando aliviar o fluxo sanguíneo no vaso e sintomas, e em alguns casos até a mortalidade.

Até então os estudos que vinham avaliando os stents coronarianos não eram cegos, ou seja, não evitavam o famoso efeito placebo, tão pouco impediam a interferência médica diante de determinados pacientes. Diante disto, os resultados apresentados eram excelentes colocando a angioplastia como importante peça no tratamento da doença arterial coronariana.

O estudo ORBITA indicado em 2013 testou 200 pacientes de forma randomizada e duplo-cego, comparando angioplastia com tratamento clínico anti-anginoso otimizado. Os pacientes foram selecionados e entraram em um período de seis semanas de tratamento anti-anginoso intensivo antes da randomização. O estudo utilizou pacientes com lesão grave angiograficamente em apenas um vaso, e não incluiu pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda ou trivasculares.

Após o período de tratamento intensivo os pacientes foram randomizados e levados a sala de hemodinâmica. Os pacientes do grupo da angioplastia tiveram o FFR e o IFR da lesão medidos e posteriormente a lesão angioplastada. Os pacientes do grupo controle foram para a sala de hemodinâmica, receberam sedação leve, tiveram a artéria cateterizada, porém nenhum procedimento foi executado, após 15 minutos eles eram encaminhados para fora da sala de hemodinâmica.

Mais do autor: ‘Princípios básicos da angioplastia coronariana – um pouco de história e conceitos’

O desfecho primário foi a diferença no tempo de incremento no tempo de exercício entre os dois grupos, o tempo estipulado pelo estudo foi de 30 segundos, um número tímido para os esperados 48 a 55 segundos em média após a angioplastia. Desfechos secundários incluíram questionário de dor, limitação física, frequência de angina, além do pico do VO2 e mudanças no infradesnivelamento de ST no teste ergométrico ou mudança na contratitlidade muscular com o ecocardiograma com dobutamina (os pacientes apresentavam testes funcionais com isquemia antes do estudo).

A análise final foi que não houve diferença entre os grupos, tanto para desfecho primário quanto para secundário.

Os estudos para angioplastia na doença coronariana estável, geralmente, obtinham bons resultados, porém nunca eram duplo-cegos recebendo um importante viés do efeito placebo, seja por uma falsa percepção da melhora da isquemia ou mesmo pela limitação ao exercício pós angioplastia em relação ao tratamento clínico. Os impedimentos para um estudo duplo cego e randomizado advinham da segurança nos resultados da angioplastia e em questões éticas de expor o paciente a uma invasão para não realizar um procedimento, porém o risco de complicações no estudo foi mínimo e não houve mortes.

Outra questão a se avaliar é a doença da microvasculatura, que não melhora com a angioplastia, mas apenas com o tratamento clínico.

Por fim o estudo questiona o fato da angioplastia ser superutilizada na doença arterial crônica perante um tratamento clínico. Entretanto a angioplastia não está de toda excluída do tratamento da doença crônica, pois ela pode produzir efeitos mais imediatos, evitar a polifarmácia antianginosa, além de poder ser da vontade do paciente.

Ademais alguns pontos merecem consideração:

– O estudo avaliou os pacientes até seis semanas;
– Apenas pacientes com lesões criticas em uma artéria foram avaliados, lesões de tronco e multiarteriais forma excluídos;
– O tratamento anti-anginoso foi muito mais intenso, com consultas mais frequentes, o que pode não representar a prática clínica mundo real;
– A avaliação de incremento de exercício levou em conta um incremento de 30 segundos, um número bem conservador para os esperados 48 a 55 segundos;
– A definição de qual artéria seria tratada foi feita por visual (avaliação mais comum na prática clínica, mesmo com softwares para medir com mais precisão);
– Lembrar que a doença microvascular não melhora com a angioplastia.

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Referências:

  • Al-Lamee R, Thompson D, Dehbi HM, Sen S, Tang K, Davies J, Keeble T, Mielewczik M, Kaprielian R, Malik IS, Nijjer SS, Petraco R, Cook C, Ahmad Y, Howard J, Baker C, Sharp A, Gerber R, Talwar S, Assomull R, Mayet J, Wensel R, Collier D, Shun-Shin M, Thom SA, Davies JE, Francis DP; ORBITA investigators. Lancet. 2017 Nov 1. pii: S0140-6736(17)32714-9. doi: 10.1016/S0140-6736(17)32714-9. [Epub ahead of print]

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