Exposição pré-natal a antidepressivos e trajetória morfológica cerebral

A exposição pré-natal a antidepressivos foi associada à redução do volume global de substância cinzenta e branca em crianças.

Durante a gestação entre 7-20% das mulheres apresentam sintomas ansiosos e depressivos e nos EUA e 10% das gestantes fazem uso de antidepressivos, principalmente Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS).  

Em diversos momentos o uso de antidepressivos já foi considerado associado a desfechos negativos de neurodesenvolvimento, mas os estudos que apontam a associação frequentemente sofrem de limitações metodológicas que não permitem o adequado controle de variáveis confundidoras, como gravidade do transtorno mental para o qual o ISRS foi indicado e suas implicações na maternagem.  

Em estudos animais mostrou-se que a serotonina é responsável por regular a proliferação neuronal, diferenciação, migração e sinaptogênese. Além disso, em modelos animais com ratos mimetizando a exposição pré-natal a ISRS ocorreram alterações no córtex somatossensorial e circuitos límbicos.   

O estudo conduzido por Koc et al. examinou a associação entre a exposição pré-natal a antidepressivos ou sintomas depressivos maternos com volumes globais cerebrais, incluindo substância cinzenta e branca total, e volumes do hipocampo e da amígdala. Nas análises secundárias, foram examinadas estruturas frontolímbicas e áreas somatossensoriais e visuais de ordem superior. 

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Exposição pré-natal a antidepressivos e trajetória morfológica cerebral

Exposição pré-natal a antidepressivos e trajetória morfológica cerebral

Métodos 

O estudo foi uma coorte prospectiva de base populacional na Holanda avaliando a associação entre exposição pré-natal a ISRS e sintomas depressivos maternos pré e pós-natal com a morfometria dos filhos entre 7-15 anos.  

Gestantes com a data de parto entre 01 de abril de 2002 e 31 de janeiro de 2006 vivendo em Roterdã e cujos filhos passaram por ao menos uma avaliação de neuroimagem foram convidadas a participar. A hipótese do trabalho é que a exposição pré-natal a ISRS alteraria o desenvolvimento morfológico cerebral, particularmente em circuitos corticolímbicos e somatossensorial. Também era esperado diferenças volumétricas em menor grau em crianças expostas a sintomas depressivos maternos pré-natais e pós-natais. 

As informações sobre uso de ISRS foram coletadas com as pacientes incluindo avaliação de uso antes da gravidez e uso interrompido no momento que soube da gestação, tendo sido confirmadas usando os dados de dispensa das medicações na farmácia. 

As informações sobre psicopatologia materna foram coletadas na 20ª semana de gestação, 2 e 6 meses após o parto com o Inventário Breve de Sintomas (BSI). Baseado nas informações, as gestantes foram classificadas em 5 grupos: o grupo controle, com pessoas com baixa pontuação de sintomas depressivos e que não estavam usando antidepressivos, um grupo com pessoas expostas ao ISRS durante a gestação com e sem sintomas depressivos, outro grupo que incluía pessoas com uso de ISRS antes da gestação com e sem sintomas depressivos, um grupo com pessoas sem uso de ISRS antes ou durante a gestação, mas com sintomas depressivos clinicamente significativos durante a gestação e um último grupo, sem uso de ISRS antes ou durante a gestação e com sintomas depressivos clinicamente significativos somente no período pós-natal.  

As seguintes variáveis confundidoras foram escolhidas conforme a literatura: idade materna, origem nacional, nível educacional, status marital, uso de substância (álcool, tabaco e maconha), uso de benzodiazepínicos durante a gestação, renda familiar e sexo da criança.  

Resultados 

A amostra final incluiu 3645 mães-filhos. A idade média das mães foi 31,1 anos e todas se identificavam como o gênero feminino. Das crianças, 1670 eram do sexo feminino (52,2%) e 1528 do sexo masculino (47,8%). 41 participantes fizeram uso de ISRS durante a gestação, 77 tinham uso de ISRS antes da gestação, 257 apresentavam sintomas depressivos pré-natal sem uso de ISRS, 74 possuíam sintomas depressivos pós-natal somente e 2749 foram do grupo controle.  

Comparado com o grupo controle, os participantes que usaram ISRS durante a gestação tinham menor renda, consumiam menos álcool e eram mais prováveis de usar tabaco e benzodiazepínicos. Participantes com sintomas pré-natais eram mais jovens, com menos anos de escolaridade e mais prováveis de serem não-alemãs. Mulheres com depressão pós-natal eram mais jovens, com menos anos de escolaridade e menor renda.  

Comparados com não-expostos, a exposição pré-natal aos ISRS foi associada a menor volume de substância cinzenta cerebral, particularmente do circuito corticolímbico, persistindo até os 15 anos de idade, bem como a menor volume de substância branca e amígdala entre 9-12 anos de idade, mas as diferenças se atenuaram com a idade. A exposição ao ISRS não foi associada ao volume e trajetória de crescimento do hipocampo. Não houve associação entre a exposição a sintomas depressivos ou uso de ISRS antes da gestação e os desfechos primários cerebrais. A exposição pré-natal a sintomas depressivos foi associada a um aumento mais acentuado no volume da substância branca cerebral. O sexo da criança não interferiu nas associações observadas. 

A exposição pré-natal aos ISRS foi associada a menor volume, variando de 5% a 10%, no córtex frontal, cingulado e temporal ao longo das idades. No giro fusiforme, a diferença foi idade dependente, diminuindo com o envelhecimento.  

Não houve associação entre o uso de ISRS antes da gestação e volume cortical. Exposição a sintomas depressivos pré-natal foi associada com redução de volume no córtex cingulado anterior rostral, em menor grau. 

Discussão 

A exposição pré-natal aos ISRS foi associada à redução do volume global de substância cinzenta e branca em crianças de 7 a 15 anos de idade, mas houve uma recuperação do crescimento da substância branca, amígdala e do giro fusiforme no início da adolescência.  

Crianças expostas a sintomas depressivos pré-natal tiveram giro cingulado anterior rostral menor e aquelas expostas a sintomas depressivos pós-natal tiveram menor giro fusiforme.  

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Limitações 

Disparidade entre as características dos grupos: mulheres usando ISRS pré-natal possuíam maiores escores de depressão e mais uso de benzodiazepínicos, sugerindo quadros depressivos mais graves.  

Amostra pequena com uso de ISRS pré-natal (41 mulheres).  

Dada a pequena prevalência de uso de ISRS, não foi possível avaliar os efeitos em cada trimestre ou avaliar os tipos específicos de ISRS. 

A implicação funcional das alterações morfológicas precisa ainda ser estudadas. 

Fatores confundidores residuais não puderam ser excluídos (fatores genéticos, nutrição, estresse e outras condições médicas na gestação). 

Confusão por indicação é difícil de descartar em um estudo observacional. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Koc D, Tiemeier H, Stricker BH, Muetzel RL, Hillegers M, El Marroun H. Prenatal Antidepressant Exposure and Offspring Brain Morphologic Trajectory. JAMA Psychiatry. 2023 Aug 30:e233161. doi: 10.1001/jamapsychiatry.2023.3161. DOI: 10.1001/jamapsychiatry.2023.3161