Farmacoterapia na constipação idiopática crônica em adultos

A constipação idiopática crônica é caracterizada por alterações do padrão evacuatório, com frequência de dejeções inferior a 3 por semana,

A constipação idiopática crônica (CIC) é uma afecção comum, acometendo aproximadamente uma ou duas a cada dez pessoas, com predomínio no sexo feminino e impacto significativo na qualidade da vida. 

Os critérios de constipação idiopática crônica foram definidos pelo ROMA IV e são caracterizados por alterações do padrão evacuatório, com frequência de dejeções inferior a 3 por semana, aliada a esforço, fezes endurecidas, evacuações incompletas, sensação de obstrução anorretal e demanda por manobras facilitadoras. As características anteriormente mencionadas devem estar presentes em, ao menos, 25% das exonerações. O quadro deve ter sido iniciado há pelo um semestre, com consistência dos sintomas no último trimestre.  

Etiologias orgânicas subjacentes, como hipotireoidismo, doença celíaca, constipação induzida por opioides ou relacionada à malignidade, bem como dissinergismo anorretal e síndrome do intestino irritável, devem ter sido afastadas.  A American Gastroenterological Association (AGA) revisitou o tema em diretriz publicada em 2023, objeto da presente revisão. 

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Método 

A revisão sistemática se baseou em perguntas PICO (população, intervenção, comparação e desfecho) sobre os pontos de interesse definidos por especialistas. A população incluiu adultos com 18 anos ou mais diagnosticados com CIC. 

As intervenções avaliadas incluíram fibras (Psyllium, farelo de trigo, metilcelulose e inulina); laxantes osmóticos ou surfactantes (polietilenoglicol, óxido de magnésio, lactulose e ducosato), estimulantes (bisacodil, senna e picossulfato de sódio), secretagogos (lubiprostona, linaclotida e plecanatida) e agonistas da serotonina do tipo 4 (prucaloprida), incluindo estudos com duração de pelo menos quatro semanas.  

O grupo da comparação foi constituído por placebo, ausência de intervenção ou cuidado padrão.  

Os desfechos críticos analisados se caracterizaram por movimentos intestinais semanais espontâneos completos (MISEC), movimentos intestinais semanais espontâneos (MISE) e eventos adversos graves levando à interrupção do tratamento. 

As recomendações foram redigidas em conformidade com o sistema GRADE e as evidências categorizadas como de certeza alta, moderada, baixa ou muito baixa.   

Recomendações fortes, com moderada certeza da evidência: 

Polietilenoglicol (PEG), um polímero do óxido de etileno, está recomendado na dose inicial de 17 g/dia, diluído em 250 mL de água, após tentativa de suplementação de fibras em pacientes com constipação leve ou em terapia combinada para os casos moderados a graves. Os efeitos colaterais incluem distensão abdominal, incontinência fecal, flatulência e náuseas. 

Bisacodil ou picossulfato de sódio, ambos convertidos no trato gastrointestinal (TGI) por enzimas bacterianas ao metabólito ativo BHPM, estimulam a peristalse e secreção colônica. A dose inicial é de 5 mg/dia, como terapia de resgate ocasional, para se evitar a tolerância e eventos adversos em longo prazo. Dor abdominal, cólicas e diarreia são eventos adversos comuns. As contraindicações incluem íleo, obstrução intestinal, desidratação grave e condições inflamatórias agudas do TGI. 

Prucaloprida, 1 a 2 mg/dia, está indicada para os casos refratários às terapias de primeira linha, como terapia de substituição ou adjuvante. Trata-se de um agonista seletivo e de alta afinidade da 5-hidroxi-triptamina 4, promotor da neurotransmissão em neurônios entéricos, acentuando o reflexo peristáltico, secreção entérica e motilidade do TGI. Logo, incrementa as contrações propagadas colônicas de alta amplitude. Eventos adversos incluem cefaleia, dor abdominal, náuseas e diarreias, em geral amenizados a partir da 2ª semana de uso. Apresenta benefício adicional de alívio da dor abdominal. As contraindicações incluem obstrução ou perfuração intestinal, doença inflamatória intestinal e megacólon tóxico. 

Sugestões condicionais, com baixa certeza da evidência: 

Suplementação de fibras, com alvo diário de ingestão entre 20 e 30 g, como primeira linha de tratamento, em conjunto com adequada hidratação. As evidências mais robustas direcionam para o emprego do Psyllium (Plantago Ovata). Entre os eventos adversos, destacam-se as flatulências. Não há evidências que apontem superioridade entre fibras solúveis (Psyllium, inulina, aveia, frutas, cevada e legumes) e insolúveis (farelo de trigo, metilcelulose, trigo, centeio e outros grãos).  

Senna (8,6 e 17,2 mg/dia), combina eficácia e disponibilidade, que a torna uma importante opção para a primeira linha de tratamento. Os compostos senosídios A e B são convertidos pela microbiota intestinal aos metabólitos ativos, reína e reína-antrona, que estimulam a produção de prostaglandina E2 e promovem a secreção de íons cloreto, favorecendo a peristalse e conteúdo líquido luminal colônico. Deve-se evitar em gestantes, pelo fraco potencial de genotoxicidade. Dor abdominal e cólica são eventos adversos comuns e dose-dependentes.  

Lubiprostona (24 mcg de 12/12h) pode ser utilizada como terapia de substituição ou adjuvante. Trata-se de um ácido graxo bicíclico derivado da prostaglandina E1, ativador do canal de cloreto do tipo 2, capaz de acelerar o trânsito do TGI e aumentar o conteúdo luminal de fluidos. A lubiprostona deve ser administrada em conjunto com as refeições, para amenizar eventuais náuseas. Apresenta eficácia na síndrome do intestino irritável, podendo aliviar a dor abdominal. A obstrução mecânica do TGI constitui uma das suas contraindicações.  

Linaclotida (72 a 145 mcg/dia) pode ser utilizada como terapia de substituição ou adjuvante. Trata-se de um agonista da guanilato ciclase C, promovendo a secreção luminal de cloro e bicarbonato.  Apresenta eficácia na síndrome do intestino irritável, podendo aliviar a dor abdominal. Deve ser ingerida em jejum, ao menos 30 minutos antes da primeira refeição do dia. A obstrução mecânica do TGI constitui uma das suas contraindicações. 

Sugestões condicionais, com muito baixa certeza da evidência: 

Lactulose (dose inicial de 15 g/dia, equivalente a aproximadamente 20 mL de solução de 667 mg/mL) é um dissacarídeo sintético, composto por galactose e frutose, não absorvível no intestino delgado e que promove efeito osmótico no cólon. Distensão abdominal e flatulência são comuns e dose-dependentes. Embora amplamente utilizado na prática clínica, as evidências são frágeis. Pode ser utilizada com segurança em pacientes diabéticos do tipo 2 não-insulino requerentes.     

Óxido de magnésio, em doses baixas (250 mg 2 a 4 vezes ao dia), é uma opção atrativa para a primeira linha de tratamento, em virtude de segurança, custo e eficácia.  No lúmen do TGI, o magnésio não absorvido gera um gradiente osmótico, favorecendo a secreção de água e eletrólitos. Deve-se evitar o emprego em doentes renais crônicos avançados, com taxa de filtração glomerular < 20 mL/min/1,73 m². 

 Leia também: Disbiose intestinal: o que é e como evitar?

Conclusão e mensagens práticas 

  • O diagnóstico de constipação idiopática crônica envolve a exclusão de condições orgânicas subjacentes, apontadas pela presença de sinais de alarme, como sangramento gastrointestinal, anemia ou emagrecimento não-intencional, e que devem ser adequadamente investigadas por meio de exames endoscópicos, radiológicos e/ou laboratoriais. 
  • Afastados os diagnósticos diferenciais pertinentes, o primeiro passo é inferir a gravidade da constipação idiopática crônica e realizar o inventário dietético, com objetivo de incentivar a ingestão diária de 20 a 30 g de fibras e estimular a adequada hidratação, com alvo em 20-30 mL/kg/dia. 
  • A primeira linha de tratamento farmacológico consiste nos laxativos osmóticos: polietilenoglicol, óxido de magnésio e lactulose, iniciando-se com doses baixas e titulações sequenciais, conforme a necessidade.   
  • Em pacientes com resposta insatisfatória à primeira linha de tratamento, avalia-se o emprego de laxativos estimulantes como medidas de resgate e por períodos limitados, a exemplo do bisacodil, picossulfato de sódio e senna. 
  • O uso frequente da terapia de resgate deve ser gatilho para a consideração de terapia substitutivas ou adjuvantes, envolvendo os laxativos secretagogos, como a lupibrostona, ou os laxativos procinéticos, como a prucaloprida.    
  • A refratariedade ao tratamento de primeira linha também deve motivar a suspeita de dissinergismo anorretal, condição triada a partir do toque retal com esforço evacuatório simulado. Testes funcionais, como a manometria anorretal, teste de expulsão do balão ou defeco-ressonância, são úteis para a sua definição. Diante de disfunção do assoalho pélvico altamente suspeita ou confirmada, procede-se com fisioterapia pélvica ou biofeedback anorretal.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Lin Chang, William D. Chey, Aamer Imdad, Christopher V. Almario, Adil E. Bharucha, Susan Diem, Katarina B. Greer, Brian Hanson, Lucinda A. Harris, Cynthia Ko, M. Hassan Murad, Amit Patel, Eric D. Shah, Anthony J. Lembo, Shahnaz Sultan. American Gastroenterological Association-American College of Gastroenterology Clinical Practice Guideline: Pharmacological Management of Chronic Idiopathic Constipation. Volume 164, issue 7, P1086-1106, June 2023. DOI: https://doi.org/10.1053/j.gastro.2023.03.214. DOI: 10.1053/j.gastro.2023.03.214