Hidratação e AINEs em CPRE previne pancreatite aguda?

A pancreatite pós CPRE foi definida como dor abdominal em barra com níveis elevados de amilase, e com internação por mais de dois dias.

A colangiopancreatografia retrógrada (CPRE) é um exame endoscópico realizado para avaliar e tratar algumas patologias de vias biliares. Dentre os exames endoscópicos existentes no momento, é o mais completo e que apresenta maior risco de complicações graves.

Uma dessas complicações é a pancreatite aguda pós procedimento, sendo a mais frequente, com uma incidência variável de 1% a 30% dependendo da gravidade do paciente, e ocorre por conta de diversos fatores mecânicos, térmicos, químicos, hidrostáticos e enzimáticos que acabam levando a diminuição da perfusão da microcirculação local com consequente necrose pancreática e desenvolvimento de um processo inflamatório sistêmico.  

Alguns fatores contribuem para o aparecimento dessa complicação como por exemplo fatores inerentes ao paciente como sexo feminino, idade inferior a 60 anos, níveis séricos de bilirrubina normais e disfunção do esfíncter de Oddi. Outros fatores que estão relacionados a técnica e que podem ser citados são esfincrectomia pancreática e biliar e múltiplas canulações traumáticas da papila, dilatação do ducto biliar sem esfincterectomia prévia, entre outras. 

Essa complicação pode ser potencialmente fatal, porém vários estudos relatam que o uso de uma hidratação vigorosa durante o procedimento concomitante a administração de antinflamatórios não esteroidais por via retal, podem ser considerados procedimentos profiláticos para o aparecimento dessa complicação. 

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Hidratação e AINEs em CPRE previne pancreatite aguda?

Hidratação e AINEs em CPRE previne pancreatite aguda?

Novo estudo 

A Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal recomenda o uso de AINEs em todos os pacientes que irão realizar CPRE de forma rotineira. 

O uso de hidratação vigorosa com ringer lactato para profilaxia, baseia-se na diminuição da acidez do tecido pancreático, prevenindo a ativação de determinadas enzimas e preservando a microcirculação local. 

O estudo em questão visa avaliar a real efetividade do uso de AINEs e hidratação como mecanismos profiláticos da pancreatite aguda pós CPRE. 

Métodos 

O estudo foi realizado com o total de 1896 pacientes, maioria homens com idade média de 73 anos, no período de 2009 a 2018 submetidos a CPRE no Serviço de Aparato Digestivo do Hospital Clínico Universitário de Valladolid na Espanha, realizada por dois especialistas distintos, um com 20 anos de experiência e o outro com 6 anos de experiência. Esses pacientes foram divididos em quatro grupos. O grupo 1 (718 pacientes) correspondeu aos pacientes que se submeteram a CPRE no período de janeiro de 2009 a junho de 2012 e que não receberam nem hidratação vigorosa ou antinflamatórios não esteroidais durante o procedimento. O segundo grupo (630) correspondeu aos pacientes do período de julho de 2012 a dezembro de 2015, no qual foi administrado apenas 100 mg de diclofenaco por via retal, seguindo o protocolo Europeu. O terceiro grupo (227) de pacientes, avaliado durante o período de janeiro de 2016 a janeiro de 2017, recebeu hidratação com ringer lactato na dose de 200 ml/h durante o procedimento e por quatro horas seguintes ao procedimento. Nesse grupo, os pacientes que foi realizado canulação pancreática receberam hidratação extra de 500 ml de ringer lactato 30 minutos após o procedimento. E o quarto grupo (414) avaliado de 2017 a 2018 recebeu ambas as profilaxias. 

A pancreatite pós CPRE foi definida como dor abdominal em barra com níveis elevados de amilase, três vezes acima dos valores de referência e com internação hospitalar por mais de dois dias. O grau de severidade foi determinado pelo tempo de estadia hospitalar, sendo leve com menos de 3 dias, moderada de 4 a 10 dias e severa acima de 10 dias ou com desenvolvimento de pseudocisto ou necrose com necessidade de drenagem. 

Resultados 

Do total dos pacientes analisados nesse estudo, 65 pacientes evoluíram com pancreatite aguda pós procedimento, sendo 21 pacientes pertencentes ao grupo 1 (2,9%), 18 pacientes pertencentes ao grupo 2 (3,4%), 8 pacientes do grupo 3 (3,5%) e 18 pacientes do grupo 4 (4,3%).  

Apenas 10 pacientes tiveram suspeita de disfunção do esfíncter de Oddi, sendo 2 pacientes do grupo 1, quatro pacientes no grupo 2, um paciente no grupo 3 e três pacientes no grupo 4. 

O quadro de pancreatite foi de leve a moderado em 52 pacientes (79,3%), sendo os mais leves pertencentes ao grupo 2 e 4. Cinco pacientes evoluíram para óbito após o desenvolvimento de pancreatite aguda no período de 30 dias que se sucederam ao procedimento, sendo 2 no grupo 1, dois no grupo 2 e um paciente no grupo 4. 

Em relação ao procedimento, evidenciou-se que canulação do ducto pancreático com duração maior que 10 minutos, realização de esfincterectomia pancreática e biliar e dilatação biliar sem esfincterectomia, aumentaram o risco para o desenvolvimento de pancreatite pós CPRE. Por outro lado, esfincterectomia prévia e presença de coledocolitíase apresentaram um efeito protetivo.  

Em relação a presença de fatores de alto risco para o desenvolvimento de pancreatite pós CPRE, no grupo 1 havia 34,9% de pacientes de alto risco, 37,2% no grupo 2, 44% no grupo 3 e 43% no grupo 4.E houve um total de 39 casos de pancreatite dentre esses pacientes de risco, não havendo diferença significativa entre os grupos. 

Conclusão 

Nesse presente estudo analisando as variáveis, puderam concluir que nenhum dos recursos utilizados, nem o uso de AINEs por via retal, nem o uso de hidratação com ringer lactato, tanto de forma conjunta como isolada, no período per e pós procedimento, proporcionaram proteção para o desenvolvimento de pancreatite aguda pós CPRE. Da mesma forma que fatores relacionados ao paciente como história pregressa de pancreatite, pancreatite crônica e presença de estenose de vias biliares não apresentaram interferências no aparecimento dessa complicação. 

Dois outros estudos que foram avaliados em comparação a esse, mas realizados com um número bem menor de pacientes e com o uso de Indometacina por via retal e ringer lactato em maior volume (1 litro de solução duas horas antes da CPRE e 2 l nas 16 horas subsequentes), apresentaram maior proteção para casos de pancreatite pós CPRE do que nos grupos placebos. 

O estudo em questão utilizou um volume de hidratação bem menor, em torno de apenas 200 ml/h de ringer lactato durante o período operatório e até 4 horas após o procedimento, ou seja, uma hidratação pouco agressiva, o que difere dos outros estudos devido ao fato da maioria dos pacientes terem uma idade avançada e múltiplas comorbidades. 

Outro fator para ser levado em consideração foi o número bem menor de pacientes nos grupos 3 e 4 que realizaram a profilaxia, o que pode ter limitado o valor estatístico. 

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Mensagem prática 

Portanto, maiores estudos devem ser realizados para uma conclusão mais assertiva em relação a profilaxia com AINEs e hidratação vigorosa em pacientes submetidos a CPRE. Enquanto isso, o protocolo medicamentoso deve ser realizado principalmente em pacientes de alto risco, uma vez que essa complicação pode evoluir para óbito e aumentar o tempo de recuperação e alta hospitalar. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Martinez MLO, et all. Hydration with lactated Ringer’s solution combined with rectal diclofenac in the prevention of pancreatitis after endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Elsevier. Gastroenterology and Hepatology. Vol 44. Issue 1. Pages 20-26. Jan 2021.DOI: 10.1016/j.gastrohep.2020.03.014