Inalação de gases tóxicos: como abordar?

Inalação de gases tóxicos tem se tornado cada vez mais comum. Neste artigo, saiba mais do panorama e como abordar o caso na prática clínica.

A exposição a gases tóxicos é mais provável de acontecer por inalação, contato direto com a pele ou olhos e/ou ingestão direta, onde a inalação é a mais comumente relatada nos casos com fatalidades associadas. Gases e vapores são as substâncias mais inaladas, no entanto, líquidos e sólidos também podem ser inalados na forma de névoas, aerossóis ou partículas finamente divididas.

A inalação de gases tóxicos pode lesar diretamente o epitélio pulmonar em vários níveis do trato respiratório, levando a uma ampla possibilidade de distúrbios, desde uma simples traqueíte e bronquiolite até edema pulmonar com síndrome do desconforto respiratório (SDRA).

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Os gases tóxicos também podem ser absorvidos, resultando em toxicidade sistêmica. Surpreendentemente, em muitas situações de exposição, ambas as vias podem ser comuns, sendo difícil determinar o mecanismo da insuficiência respiratória, seja resultado de lesão direta do trato respiratório ou toxicidade sistêmica.

Assim, é melhor classificar os agentes inalados como irritantes das vias aéreas e toxinas sistêmicas. Por exposição direta à superfície epitelial, os irritantes das vias aéreas muitas vezes levam a sintomas relacionados às vias aéreas superiores, como rinite, irritação ocular e conjuntivite e sintomas respiratórios, como traqueíte, bronquite, bronquiolite e alveolite.

Já no caso das toxinas sistêmicas, são asfixiantes as substâncias que interferem no fornecimento ou utilização de oxigênio, bem como outras toxinas com efeitos primários em sistemas de órgãos distantes. O trato respiratório também pode ser lesado quando o paciente inconsciente ou em convulsão vomita e aspira o conteúdo gástrico para os pulmões devido à diminuição dos reflexos protetores das vias aéreas, o que pode causar mais lesão pulmonar.

Impacto epidemiológico

A inalação de vários gases tóxicos, névoas, aerossóis e fumaças podem causar lesão pulmonar direta, asfixia ou outros efeitos sistêmicos. O uso de produtos químicos industriais com potencial toxicidade vem crescendo.  

Derramamentos acidentais, explosões e incêndios podem resultar em exposições complexas a essas substâncias, cujas consequências para a saúde não são bem conhecidas, como por exemplo a explosão recente (Junho de 2022) na Cisjordânia de um contêiner com gás cloro, muito utilizado atualmente como base para pesticidas e outros produtos domésticos, mas extremamente letal, sendo inclusive uma das primeiras armas químicas a serem usadas na primeira guerra mundial.

Neste texto, falaremos sobre medidas gerais de abordagem da exposição aos gases tóxicos, com ênfase no gás cloro.

Veja mais: Intoxicação aguda por agrotóxicos: como realizar a abordagem adequada (Parte I)

O gás cloro como agente nocivo

O gás cloro é um dos agentes químicos mais comuns em exposições por inalação com acidentes em áreas ocupacionais e ambientais. É produzido em conjunto e sob larga escala, quando o hipoclorito de sódio entra em contato com um ácido, onde sozinho pode danificar gravemente a mucosa das vias aéreas. Sua solubilidade intermediária em água que libera cloreto de hidrogênio (HCl) e radicais livres de oxigênio (hipocloroso, HOCl) e isso consiste no mecanismo que causa danos agudos no trato respiratório superior e inferior 4.

O ácido clorídrico, que é altamente solúvel em água, tem como alvo predominante o epitélio da conjuntiva ocular e as membranas mucosas respiratórias superiores, já o ácido hipocloroso é altamente solúvel em água e tem um padrão de lesão semelhante ao ácido clorídrico, o que pode ser responsável pela toxicidade do cloro elementar e do ácido clorídrico para o corpo humano.

A inflamação aguda da conjuntiva, nariz, faringe, laringe, traqueia e brônquios são alguns dos efeitos imediatos da toxicidade do gás cloro, tendo o edema local secundário devido à irritação da mucosa das vias aéreas, levando ao extravasamento de plasma e preenchendo os alvéolos com líquido do edema, resultando em congestão pulmonar e lesão celular epitelial dose-dependente.  

À medida que os níveis de exposição aumentam, a nasofaringe e a laringe são feridas e o edema pulmonar se desenvolve normalmente dentro de 6 a 24 horas após exposições mais altas, sendo esse o sinal mais importante de lesão pulmonar associada à toxicidade do cloro. Alguns casos evoluem com dano importante, marcado por SDRA grave e óbito por hipoxemia refratária. 

Os beta-agonistas inalatórios, que devem ser considerados um agente de primeira linha no contexto de exposição ao gás cloro e sintomas ou sinais respiratórios, têm sido amplamente utilizados para o manejo clínico de suporte dos sintomas respiratórios na exposição ao gás cloro. Apesar do exame físico e dos exames laboratoriais negativos, os indivíduos sintomáticos devem ser observados por pelo menos 6 horas, pois sempre existe a possibilidade de atraso no início de toxicidade significativa das vias aéreas. Os corticosteróides podem melhorar os sintomas em casos mais graves.

Leia também: Como realizar a abordagem adequada em intoxicações agudas por agrotóxicos (Parte V): Medidas de eliminação

O que fazer diante de uma intoxicação por gases inalatórios

A melhor forma de manejar é prevenindo, devendo-se ter o máximo de cuidado para evitar a exposição ao manusear gases e produtos químicos, usando máscaras de gás com suprimento de ar próprio disponível em caso de derramamento acidental em locais de trabalho. Deve-se ter em mente que vítimas com pele ou roupas muito contaminadas com vapor condensado podem contaminar os profissionais de saúde pelo vapor liberado e causar lesões graves. Ao atender pacientes neste perfil, roupas de proteção adequadas que cubram toda a pele, óculos de proteção total e máscaras com filtro especial para gases são essenciais. 

A lesão pulmonar aguda induzida por irritantes requer tratamento de suporte em grande parte dos casos, que segue a abordagem básica de ressuscitação com foco na proteção das vias aéreas, suporte à respiração e manutenção da circulação. Juntamente com a abordagem inicial de estabilização, remover a fonte com a retirada das roupas contaminadas e lavagem da pele total, aplicação de oxigênio a 100%, umidificação para sintomas irritantes e broncodilatadores inalatórios para broncoespasmo constituem o manejo geral dos pacientes com lesão tóxica por inalação. 

Na presença de sintomas do trato respiratório superior e história de exposição apenas a agentes altamente solúveis, os pacientes devem ser observados por aproximadamente 6 horas, a menos que os sintomas sejam graves. A lesão laríngea grave pode indicar a necessidade de intubação precoce. Alguns agentes são perigosos por causar edema pulmonar de início tardio (por exemplo, fosgênio e óxidos de nitrogênio, como óxido nítrico e dióxido de nitrogênio), sendo pouco solúveis em água.

Assim, eles produzem um início lento de irritação das vias aéreas ou desconforto respiratório ao contrário de irritantes solúveis, como amônia ou cloreto de hidrogênio, que agem rapidamente. Como o edema pulmonar não cardiogênico de início tardio pode se desenvolver até 12 a 72 horas depois, um período de observação mais longo tem sido recomendado para pessoas com exposição significativa a agentes de baixa solubilidade. 

O oxigênio é a base do tratamento em casos de lesão por inalação. Quando os pulmões estão gravemente danificados, o paciente pode precisar de ventilação mecânica. Se houver necessidade de intubação, a ventilação deve ser realizada com volumes correntes de 6 mL/kg, visando proteger os pulmões, seguindo os mesmos princípios do manejo ventilatório de SDRA.

Conclusão

O manejo de casos de intoxicação por gases tem crescido ao longo dos anos, sobretudo através de acidentes ocupacionais. Medidas rigorosas de proteção devem ser reforçadas e um atendimento rápido com protocolos de manejo e proteção dos profissionais deve ser almejado nos serviços que potencialmente podem atender esse perfil de pacientes.

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