Inibidor de renina-angiotensina-aldosterona na doença renal crônica (DRC) avançada

Doença renal crônica (DRC) é uma condição muito prevalente, podendo atingir entre 8 a 16% da população adulta no mundo, segundo estimativas.

O uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e dos bloqueadores de receptor da angiotensina (BRA) é um dos pilares no tratamento da hipertensão arterial sistêmica e da doença renal crônica em estágios iniciais. Neste contexto, vários estudos evidenciam uma redução na pressão arterial sistêmica e nas artérias renais, redução da velocidade de declínio da taxa de filtração glomerular (TFG), diminuição da proteinúria e retardo do desenvolvimento de doença renal crônica (DRC) estágio terminal com necessidade de terapia renal substitutiva (TRS).

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No entanto, pouco se sabe sobre a relevância dessas medicações no tratamento de pacientes diagnosticados com DRC em estadiamento avançado (estágio IV ou V) com necessidade ou não de TRS. Ahmed e colaboradores, em estudo observacional prévio, sugeriu que a interrupção dessas drogas no cenário previamente exposto seria benéfica. Motivados pela constatação, pesquisadores ingleses da Universidade de Birmingham e outros centros de relevância do Reino Unido desenvolveram um estudo e publicaram seus resultados no periódico The New England Journal of Medicine em novembro de 2022, os quais detalharemos a seguir.

Inibidor de renina-angiotensina-aldosterona na doença renal crônica (DRC) avançada

Métodos

Classificamos a pesquisa como sendo um estudo clínico randomizado (proporção 1:1), multicêntrico, open-label, que avaliou 411 pacientes adultos ≥ 18 anos com DRC e taxa de filtração glomerular < 30 mL por minuto por 1,73 m² de superfície corpórea (estágios IV e V) alocando-os em um grupo que interromperia o uso dos IECA e/ou BRA enquanto o outro grupo permaneceria em uso das referidas medicações. O processo de minimização foi utilizado para garantir uma alocação balanceada no baseline entre os grupos. As variáveis utilizadas neste processo foram: idade (< 65 anos ou ≥ 65 anos), TFG (< 15 ou ≥ 15 mL/min/1,73m2), diabetes (tipo 1, tipo 2, ou ausência da doença), pressão arterial média (< 100 ou ≥ 100 mmHg) e proteinúria [relação proteína(mg)/creatinina(g) < 885 ou ≥ 885). Pacientes dialíticos ou transplantados renais não foram inclusos. A mediana de idade da amostra foi de 63 anos, com 68% dos participantes sendo do sexo masculino e apenas 15% foram declarados “não brancos”. Aproximadamente 30% dos pacientes estavam no estágio V da DRC; 37% dos pacientes eram diabéticos e apenas 21% tinham nefropatia diabética e 17% nefropatia hipertensiva.

Todos os pacientes alocados deveriam ter recebido terapia com IECA ou BRA nos seis meses antecedentes ao início da randomização. O cálculo da TFG foi feito utilizando-se a calculadora do MDRD study atualizada em 2005. Como critérios de exclusão podemos citar: hipertensão arterial sistêmica descontrolada; IAM ou AVC nos três meses antecedentes à randomização. O alvo de pressão arterial para ambos os grupos era ≤ 140x85mmHg e outras drogas em diversas combinações ou monoterapia poderiam ser utilizadas dependendo do grupo de alocação.

O seguimento foi feito a cada três meses durante três anos. O desfecho primário selecionado foi a TFG em 03 anos. Desfechos secundários avaliados foram: (1) tempo até desenvolvimento de doença renal estágio terminal; (2) desfecho composto que compreendia uma redução de 50% na TFG ou início de TRS; (3) hospitalização; (4) pressão arterial; (5) capacidade do exercício (teste da caminhada de 6 minutos); (6) qualidade de vida; (7) número de eventos cardiovasculares seguidos de morte.

Com relação à análise estatística: o cálculo amostral foi para 410 pacientes com um poder de 80% para encontrar uma diferença clinicamente relevante entre os grupos (nível de significância de 5%). Foi estimado uma perda de seguimento possível de até 20% (o que não ocorreu). As análises foram feitas por intenção de tratar. A média dos mínimos quadráticos foi utilizada na regressão linear para determinação do desfecho primário enquanto variável contínua. Variáveis categóricas foram avaliadas utilizando-se a regressão de Poisson.

Resultados

O braço que interrompeu o uso das medicações teve uma TFG média de 12,6 ± 0,7 mL/min/1,73 m² enquanto o braço comparador teve uma TFG média de 13,3±0,6mL/min/1,73m². Isso confere um Hazard Ratio (HR) de –0,7 [95% Intervalo de Confiança (IC), −2,5 a 1,0; p =0,42], o que não demonstra uma significância estatística no achado. Tampouco podemos falar de significância clínica. Não foi possível ainda determinar uma diferença significativa entre qualquer um dos desfechos secundários, com desenvolvimento de DRC estágio terminal ou início de TRS atingindo a ordem de 62% dos pacientes no primeiro grupo e 56% dos pacientes no segundo grupo (HR 1,28; 95% IC, 0,99 a 1,65). Os eventos adversos graves foram também semelhantes nos dois grupos. Não foi possível ainda observar qualquer diferença quando os subgrupos foram analisados, ainda que o estudo não tivesse poder suficiente para determinar pequenas variações.

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Conclusão

O estudo desenvolvido teve vários pontos fortes, com um desenho robusto, o que traz confiança nos resultados encontrados. Interessante descrever que, na discussão, os autores comentam o fato de 02 outros ensaios clínicos prévios terem encontrado um aumento na mortalidade de pacientes com doença renal crônica (DRC) que descontinuavam IECA ou BRA, o que não foi demonstrado no presente trabalho. Devemos levar em consideração que o estudo não foi desenvolvido com essa finalidade e que, frente à ausência de benefício na suspensão de IECA ou BRA, tal conduta deve ser desencorajada. Uma grande limitação do estudo encontra-se no fato de que 85% dos participantes analisados eram considerados brancos, não sendo possível generalizar os resultados para outros grupos étnicos e com grande miscigenação como encontramos no Brasil.

Mensagem prática

A aderência ao tratamento e o viés de aferição podem ter impactado também os resultados levando em consideração a característica de estudo não cego (open label). Ainda, pacientes com proteinúrias nefróticas ou subnefróticas foram a minoria, com pouca influência de nefropatia diabética, pacientes nos quais o efeito antiproteinúrico dos IECA/BRA pode ser mais relevante. Portanto, a conclusão sumária e de base prática é que se sugere manter essas medicações no contexto relatado.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Bhandari S, Mehta S, Khwaja A, et al. Renin-Angiotensin System Inhibition in Advanced Chronic Kidney Disease [published online ahead of print, 2022 Nov 3]. N Engl J Med. 2022. DOI: 10.1056/NEJMoa2210639