Intervenção coronária percutânea: veja os keypoints da nova diretriz brasileira

Após quase uma década, foi publicado recentemente pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), a atualização do consenso de intervenção coronária percutânea (ICP).

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Após quase uma década, foi publicado recentemente pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), em conjunto com a Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI), a atualização do consenso de intervenção coronária percutânea (ICP). Documento este que fora redigido há cerca de 2 anos e acabou sofrendo as atualizações imperativas pela literatura neste período.

Como de se esperar, muitas modificações, que vão desde a via de acesso, passando pelos tipos de stents, revascularização ad hoc (completa x incompleta), lesão de tronco (TCE), novas abordagens para oclusões totais crônicas e novos métodos. Importante ressaltar como as indicações e nível de evidência devem se interpretados (tabelas 1 e 2).

Quadro retirado do documento da SBC
Quadro retirado do documento da SBC

Os keypoints da nova diretriz:

1) Vias de acesso: a via de acesso radial adquiriu indicação classe IA, haja vista, o marcante benefício sobre a diminuição de complicações hemorrágicas frente ao uso do acesso femoral, conforme demonstrado em estudos como o RIVAL, principalmente na era de “novos” anti-agregantes plaquetários mais potentes e nos infartos agudos do miocárdio (IAM), na qual o benefício é marcante. Importante ressaltar a necessidade de experiência dos centros para este tipo de acesso, haja vista, uma curva de aprendizado mais lenta que na femoral devido à presença de estruturas vasculares de menor calibre e maior propensão ao vasoespasmo em até 15% dos casos.

2) DES: aspecto já sacramentado pelos consensos europeu (ESC) e norte-americano (ACC/AHA), os stents farmacológicos de segunda geração (DES) adquiriram indicação classe I em todos os cenários angiográficos e clínicos, incluindo uso concomitante de anticoagulante oral, enxertos venosos de safena e no IAM com supradesnível de segmento ST, haja vista taxas de trombose igual e/ou menores que os stents não farmacológicos (BMS). Deve-se levar em conta que a recente publicação do estudo NORSTENT, com bons resultados tardios para os BMS (seguimento médio de 6 anos) em termos de nova revascularização em vasos com diâmetro > 3.0mm, comparando com os DES (12.4% BMS x 11.7% DES), ressalta a importância desta tecnologia para os locais desprovidos de maiores insumos para poder contar com a tecnologia dos DES de forma irrestrita como o nosso SUS.

3) Revascularização: termo muito discutido nos últimos 2 anos, a revascularização completa ad hoc x estagiada x tratamento clínico também foi debatida após as publicações do PRAMI e CULPRIT, estudos ingleses que mostraram benefício da revascularização completa na mesma internação da síndrome coronariana aguda (SCA), ainda que a polêmica sobre o melhor timing para esta (ad hoc x estagiada intra-hospitalar) só deva ser elucidada com o estudo COMPLETE, que deve ser apresentado em 2018. Para SCA sem supra, a revascularização completa (de uma segunda lesão não culpada) ad hoc, ou seja, no momento do exame diagnóstico, ganhou status I/nível de evidência A, enquanto no cenário das síndromes com supra esta passou a ser IIb/ nível de evidência A, indicações bem mais permissivas que o nível III do consenso de 2008, que se baseava quase que exclusivamente no estudo SHOCK I e algumas metanálises.

Mais do autor: ‘Qual é o melhor parceiro do AAS? Dupla anti-agregação plaquetária em foco’

4) Abordagem das lesões: talvez a área de ICP que mais tenha progredido na última década diga respeito à abordagem das lesões de TCE e doença multiarterial, territórios de abordagem classicamente cirúrgicos. Vale lembrar que a segunda lesão coronariana tratada com sucesso pelo pioneiro Dr Elias Gruntzig (in memorian) com um balão confeccionado na cozinha de um hospital na Suíça foi um TCE há exatos 40 anos. As publicações simultâneas dos conflitantes estudos EXCEL e NOBLE, além dos conhecidos FREEDOM e SYNTAX (score Syntax I e II), trouxeram mais luz sobre este tema, evidenciando os bons resultados da ICP no TCE com os DES de segunda geração, no cenário de escore angiográfico Syntax de baixo a intermediário risco (< 33 pontos), principalmente nas lesões de óstio e corpo do TCE, sem envolvimento da bifurcação distal. Ressaltado a importância da utilização de métodos de imagem intravascular como o ultrassom intracoronariano (USIC) guiando o implante ótimo DES e, assim, diminuindo a chance de má-aposição das hastes do stent, além de permitir a escolha do tamanho adequado desta endoprótese.

Recomendaçōes

Classe

Nível de evidência

Lesão TCE/ Syntax 22

I

A

Lesão TCE/ Syntax 23-32

I

A

Lesão TCE/ Syntax ≥ 33

III

B

USIC guiar ICP em TCE

II

A

5) CTOs: o tratamento de oclusão total crônica (CTO), vaso ocluído com fluxo TIMI 0 a pelo menos 3 meses, foi tida por muito tempo como desnecessário caso houvesse a presença de circulação colateral à angiografia. Conceito errôneo e muito propagado, já que análises de fluxo coronariano demonstram que, por melhor que seja o aspecto desta microcirculação, esta equivaleria a uma lesão anterógrada de 90%. As CTOs estão presentes em média em 20% dos cateterismos cardíacos e são a principal razão para revascularização incompleta (percutânea ou cirúrgica) conforme demonstrado no estudo Syntax. O tema ganhou grande espaço na literatura nos últimos anos, haja vista o crescente número de novos dispositivos desenhados para abordagem deste tipo de lesão, com os centros de expertise (> 50 ICPs CTO/ano) tendo taxas de sucesso > 85%, números bem distintos das taxas de sucesso histórico para estas lesões (± 69%). Porém, neste cenário, é imperativo que se indique a ICP na presença de sintomas e/ou evidência de isquemia/viabilidade no território da artéria ocluída (classe IIa/nível de evidência B).

6) IFR e OCT: com a publicação dos estudos DEFINE-FLAIR e SWEDEHEART, o IFR, método que à semelhança da FFR (reserva fracionada de fluxo), mede a relação entre a pressão distal à estenose e a pressão medida na ponta do cateter-guia, porém sob condições de repouso, em uma janela de tempo específica da diástole, quando a transmissão de ondas de pulso é ausente (wave-free period) e o fluxo coronário tem sua velocidade mais alta, ganhou indicação classe I/nível de evidência A, assim como a FFR na avaliação de lesões moderadas e para guiar o procedimeto de ICP em doença multiarterial com estenoses de 50-90%. Diferente da FFR, o IFR (Instantaneous Wave-Free Ratio), não se utiliza do estímulo da hiperemia farmacológica, tornando este tipo de procedimento mais rápido e menos custoso.

Outra nova ferramenta abordada pelo consenso é a OCT (tomografia de coerência óptica), uma modalidade de imagem invasiva, de alta resolução, que processa imagens por meio de feixes ópticos com bandas próximas ao espectro infravermelho. Essas propriedades conferem resolução axial de 10-15 μm, cerca de 10 vezes mais em comparação com a resolução alcançada pela USIC (100-250 μm), possibilitando visualizar a microestrutura vascular em nível praticamente histológico, porém com menos poder de penetração tecidual (até 3mm). A sua indicação é similar à do USIC, guiar o implante de stents metálicos em anatomias complexas e na detecção dos mecanismos de falência dos stents (reestenose e/ou trombose) – IIa/nível de evidência B).

7) BVS: por fim, os stents/plataformas bioabsorvíveis (BVS), ou a sua primeira geração, o dispositivo ABSORB/Abbott™ composto de ácido polilático (PLLA) e hastes espessas (150 μm) eluidor de everolimus que é completamente reabsorvido após 2-3 anos, não teve seu uso recomendado pela consenso, apesar do número substancial de pacientes estudos na série de estudos ABSORB. Haja vista a maior razão de chance de trombose (2.2x) que os DES, principalmente sub-aguda e em vasos de fino calibre < 2.5mm. Importante ressaltar que esta não é uma tecnologia que deva ser esquecida, já que existem diferentes dispositivos bioabsorvíveis em fase avançada de estudo e com hastes menos espessas que podem impactar sua indicação em atualizações consensuais futuramente.

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Referências:

  • Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileirade Cardiologia Intervencionista sobre Intervenção Coronária Percutânea. Feres F, Costa RA, Siqueira D, Costa Jr JR, Chamié D, Staico R, Chaves AJ, Abizaid A, Marin-Neto JA, Rassi Jr A, Botelho R, Alves CMR, Saad JA, Mangione JA, Lemos PA, Quadros AS, Queiroga MAC, Cantarelli MJC, Figueira HR. http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2017/03_DIRETRIZ_SBHCI.pdf

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