Intubação Orotraqueal na Terapia Intensiva: nova diretriz indica melhor conduta

Ao contrário das cirurgias eletivas, na emergência e na terapia intensiva os pacientes estão mais instáveis e as condições para a intubação orotraqueal são bem piores.

Ao contrário das cirurgias eletivas, na emergência e na terapia intensiva os pacientes estão mais instáveis e as condições para a intubação orotraqueal (IOT) são bem piores. A pré-oxigenação muitas vezes não atinge patamares seguros, o tempo de apneia é menor e frequentemente há instabilidade hemodinâmica associada. Estima-se que a taxa de falha na primeira tentativa chegue a 30% dos casos, com 25% experimentando hipoxemia grave! Por isso, você deve estar treinado e preparado para o evento.

Agora em 2018, diversas sociedades e associações britânicas ligadas à anestesia e terapia intensiva publicaram um documento conjunto com as melhores práticas para intubação orotraqueal. Nós preparamos para vocês aqui um passo a passo para lhes ajudar na prática diária, contemplando as principais novidades desta diretriz.

O primeiro conceito é fundamental:

A PRIORIDADE É MANTER VIA AÉREA PATENTE SEM HIPOXEMIA!

Veja: a IOT é importante, mas um paciente ventilando com oximetria > 90% provavelmente não irá parar da causa respiratória. Já se você ficar tentando intubar sem oxigenar e ventilar → hipóxia → AESP/assistolia. Déjà vu, não foi?

1.Treinamento e divisão de funções

A primeira orientação da diretriz é a presença de uma equipe treinada, na qual cada integrante saiba suas funções. O ideal é um mínimo de 4 pessoas:

  • Líder: orientará as ações e irá monitorar a execução das tarefas por cada membro. Precisa estar com as mãos livres para tomar as melhores decisões, em especial a mudança na técnica entre as tentativas de intubação e a decisão de fazer a crico. Um líder que seja o intubador pode cair no “cognitive overload” e prejudicar sua capacidade de tomada de decisão.
  • “Runner”: como um circulante de centro cirúrgico, é um técnico de enfermagem que traz medicações e devices necessários.
  • Médico: encarregado da intubação.
  • Enfermeiro: encarregado do manuseio dos equipamentos, carrinho de parada/intubação e medicações. O ideal é que conheça a técnica e ajude nas manobras, como “chin lift” e “BURP” – back, up and right position, bem como saiba preparar e auxiliar no uso da cricotireoidostomia (“crico”), se necessário.

2.Preparo do equipamento

É fundamental que haja pelo menos duas técnicas de acesso avançado da via aérea disponíveis. O mais comum é o laringoscópio com lâmina curva e o plano B pode ser um dispositivo extraglótico (ex: máscara laríngea) ou a videolaringoscopia. Um kit de crico percutânea deve sempre estar à mão.

Nesta etapa também é realizada a predição de via aérea difícil. Há várias técnicas, como 3-3-2 e Mallampati, mas na emergência nem sempre funcionam bem. Por isso, prepare-se para a princesa do pica-pau! Você acha que será fácil, mas ao introduzir o laringo cadê a glote?

A diretriz britânica recomenda o escore MACOCHA:

MACOCHA

O escore varia de 0 (fácil) a 12 (muito difícil). Um MACOCHA > 3 indica via aérea difícil. Neste cenário, você deve chamar um segundo médico para te ajudar.

Uma recomendação muito interessante é no paciente com via aérea difícil você já marcar o sítio da crico antes da 1ª tentativa de intubação, seja pelo palpação ou com uso do US. Isso te permitirá ganhar tempo caso a crico seja mesmo necessária.

E lembre: deixe sempre o aspirador pronto na mão! O ideal seria o semi-rígido, mas na maior parte dos hospitais teremos apenas a sonda flexível disponível.

3.Pré-oxigenação

Apesar de controverso, a diretriz recomenda a “snif position” como posição inicial, com inclinação da cabeça para trás (elevação do queixo) e angulação/coxim occipital de modo a nivelar o tragus ao manúbrio esternal.

O ideal seria usar uma máscara facial com 10-15 litros por minuto por 3 minutos, porém muitos pacientes críticos podem se beneficiar do CPAP antes da intubação. A diretriz sugere evitar pressões inspiratórias > 20 cmH2O para minimizar distensão gástrica. Também é encorajado a manutenção de um cateter nasal de oxigênio a fim de aumentar o seu tempo de apneia. Se o paciente estiver agitado, uma dose baixa de sedativo hipnótico, como quetamina (ketamina) pode ajudar, desde que não cause depressão respiratória.

4.Pré-tratamento

O ponto mais enfatizado na diretriz é antecipação à instabilidade hemodinâmica. O método universal é o uso de solução cristalóide, 10-20 ml/kg. Em pacientes com hipotensão pré-IOT, pode ser necessário o uso de aminas, e a infusão de nora deve já estar preparada para uso. A ketamina e o etomidato são os agentes hipnóticos mais indicados neste cenário, apesar que esta diretriz prefere a ketamina ao etomidato.

Ao contrário de textos anteriores, não há ênfase para o uso de lidocaína como pré-tratamento, preferindo o reforço à hipnose e bloqueio neuromuscular.

O esvaziamento gástrico por sonda em pacientes de estômago cheio e o uso de pressão cricoide são colocados como opcionais.

5.Paralisia com indução

Dos hipnóticos disponíveis, a ketamina ganha espaço, pelo seu poder de sedação sem instabilidade hemodinâmica, podendo ser associada a uma dose baixa de fentanil. A principal contraindicação é o paciente coronariopata, pois pode aumentar o duplo produto. Outras opções são etomidato, midazolam e propofol.

6.Posicionamento do TOT com confirmação

A diretriz recomenda que você tenha, além das lâminas tradicionais de laringoscopia, pelo menos um método alternativo, além do dispositivo para crico. Manobras como BURP e o uso do boogie são recomendados como adjuvantes à laringoscopia. Quanto ao uso do vídeo, é feito uma ressalva, que é sua menor eficácia em pacientes secretivos, um dos grandes “clientes” da terapia intensiva.

A capnografia é o método padrão-ouro para confirmar posição do TOT, apesar que no Brasil usamos muito a ausculta com radiografia a posteriori.

Um aspecto interessante é a recomendação de um “mini-recrutamento” após a IOT em pacientes com hipoxemia persistente, fazendo um pausa respiratória com 30-40 cmH2O por 25-30 segundos!

E o que fazer se não conseguirmos intubar de primeira? O primeiro passo é ventilar e oxigenar. Neste momento, há duas possibilidades:

  • O paciente ventila e a oximetria sobe: mude a técnica e parta para 2ª tentativa. Se for a 3ª, passe ao outro médico para te ajudar.
  • O paciente não ventila e não oxigena: é uma emergência! Faça a crico imediatamente. Se não estiver à mão, pode tentar um dispositivo extraglótico (DEG) enquanto a crico é preparada. A diretriz recomenda também um máximo de 3 tentativas de passagem do DEG.

Se após 3 tentativas a IOT não for possível, também é uma via aérea falha e recomenda-se a crico!!

Intubação Orotraqueal

7.Pós-Intubação

A prioridade é a estabilização dos sinais vitais. Confira se o TOT está posicionado (ausculta, capnografia e radiografia de tórax), ventilando e oxigenando. Esteja atento a sinais de alarme:

  • Vazamento ar peri-cuff
  • Enfisema subcutâneo
  • Alarme de pressão inspiratória elevada
  • Volume corrente baixo
  • A sonda de aspiração não consegue ultrapassar o tubo

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Referências:

  • Guidelines for the management of tracheal intubation in critically ill adults. Higgs, A. et al. British Journal of Anaesthesia , Volume 120 , Issue 2 , 323 – 352

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