Lamotrigina ou levetiracetam para epilepsia generalizada idiopática em mulheres?

Estudo comparou essas duas drogas, lamotrigina e levetiracetam, a fim de investigar efetividade e segurança dessas drogas.

A epilepsia generalizada idiopática (EGI) é um grupo que pode apresentar quatro distintas síndromes epilépticas, como: epilepsia de ausência da infância (CAE), epilepsia de ausência juvenil (JAE), epilepsia mioclônica juvenil (JME) e epilepsia generalizada idiopática com crise tônico-clônica generalizada única (GTCA). Geralmente, essas quatro síndromes compartilham um background genético com uma resposta relativamente favorável à terapia antiepiléptica.

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Além disso, o grupo das epilepsias generalizadas idiopáticas geralmente representam um quinto da demanda de ambulatórios de epilepsia, tanto na população infantil quanto adulta. Uma droga antiepiléptica geralmente utilizada para esse grupo de epilepsias é o valproato de sódio. Contudo, em mulheres de idade fértil, o seu uso não é recomendado em virtude de seu potencial teratogênico.

Nessa conjuntura, a JAMA Neurology publica, em outubro de 2023, estudo observacional retrospectivo que compara duas drogas alternativas com baixo efeito teratogênico (lamotrigina versus levetiracetam) nessa população, a fim de investigar efetividade e segurança dessas drogas.

Lamotrigina ou levetiracetam para epilepsia generalizada idiopática em mulheres

Métodos do estudo sobre lamotrigina e levetiracetam

Trata-se de estudo observacional, retrospectivo, multicêntrico, com objetivo de comparar a efetividade e segurança de levetiracetam e lamotrigina como monoterapia inicial em pacientes mulheres em idade fértil com epilepsia generalizada idiopática.

Foram realizados, de forma retrospectiva, recrutamento de participantes entre janeiro de 1994 e janeiro de 2022 em 22 centros de epilepsia.

Os critérios de inclusão foram: sexo feminino, período de idade fértil (entre 10 a 50 anos), prescrição de lamotrigina (LMT) ou levetiracetam (LVT) como terapia inicial para EGI e follow-up da participante em pelo menos 12 meses após a prescrição — a não ser que a falha terapêutica tenha ocorrido antes. Os dados demográficos e clínicos foram coletados por prontuário médico.

O desfecho primário estudado foi o tempo entre a prescrição da droga antiepiléptica (DAE) até a falha terapêutica (definido seja por necessidade de introduzir outra droga por persistência de crises ou surgimento de efeitos adversos). Já os desfechos secundários avaliados foram: tempo para falha terapêutica considerada inefetividade da droga no controle de crises, tempo para suspensão da droga devido ao surgimento de efeitos adversos, taxa livre de crises epilépticas após 12 meses do follow-up. O desfecho para tolerabilidade e para segurança foi avaliado através da ocorrência de efeitos adversos de cada droga.

Resultados da lamotrigina e levetiracetam em pacientes com epilepsia

Foram recrutados inicialmente 566 participantes com preenchimento dos critérios de inclusão. Dessas mulheres em idade fértil, 23 participantes foram excluídas (4,1%) da análise por follow-up insuficiente após a prescrição da droga antiepiléptica. Portanto, a amostra analisada consistiu em 543 participantes com mediana de idade no ato da prescrição da droga antiepiléptica (LVT ou LMT) de 17 anos e mediana de duração de acompanhamento nos centros em torno de 60 meses.

Nessa amostra, 312 mulheres (57,5%) receberam prescrição de levetiracetam, enquanto 231 (42,5%) de lamotrigina. Outra informação na estatística descritiva é que 109 participantes (20,1%) apresentaram epilepsia de ausência (2 casos de CAE e 107 de JAE), 259 (47,7%) com epilepsia mioclônica juvenil e 175 (32,2%) com diagnóstico de GTCA.

Para análise do desfecho primário, foi avaliado a falha terapêutica entre ambos os grupos e aplicado Modelo de Cox Multivariável a fim de corrigir variáveis que poderiam influenciar nesse resultado. A partir desse método, foi observado que o grupo com monoterapia de levetiracetam teve associação com redução de risco de falha terapêutica em comparação à lamotrigina (HR-ajustado para IPTW 0,77; IC95% 0,59-0,99; p = 0,04).

Ao estratificar os participantes que apresentaram esse desfecho primário a partir dos subtipos de síndromes de EGI, foi observado que o levetiracetam apresentou uma alta taxa de efetividade apenas nos pacientes com epilepsia mioclônica juvenil, (HR ajustado-IPTW 0,47; IC95% 0,32-0,68; p < 0,001). Essa efetividade, por sua vez, não foi observada nos outros subtipos, como epilepsias de ausência (CAE ou JAE) e GTCA.

Informações sobre efeitos adversos após introdução dessas drogas antiepilépticas foram descritas em 466/543 participantes (85,8%). O grupo com monoterapia de levetiracetam (88/312; 28,2%) experimentou mais efeitos adversos do que comparado àqueles com monoterapia de lamotrigina (42/231; 18,1%). Ainda assim, ambos os grupos apresentaram taxa similar de retenção do tratamento durante o follow-up (HR ajustado para IPTW 0,91; IC95% 0,65-1,23; p = 0,6).

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Discussão

Em ensaios clínicos randomizados envolvendo terapias padrão e novas potenciais drogas (SANAD), o valproato de sódio sempre apresentou uma melhor efetividade no tratamento de epilepsia generalizada idiopática quando comparada a outras como levetiracetam, lamotrigina e topiramato. Ainda assim, para casos em que é necessário alternativas ao VPA, como no caso de mulheres em idade fértil, há lacunas sobre qual melhor opção a ser iniciada como monoterapia nessa população.

Nos resultados desse estudo observacional da JAMA, a droga levetiracetam apresentou ser uma monoterapia mais tolerável do que a lamotrigina para epilepsia mioclônica juvenil; embora, por outro lado, não tenha sido estabelecido uma diferença entre lamotrigina e levetiracetam para as outras síndromes epilépticas.

O estudo tem diversas limitações para considerar diante desses resultados. Em primeiro lugar, o desenho do estudo foi retrospectivo em que é implicado a possibilidade de viés de seleção e de análise, além de uma possível tendência de maior prescrição de levetiracetam pelos clínicos na época diante de pacientes com maiores eventos de mioclonias. Em segundo, a distribuição heterogênea dos subtipos de epilepsias generalizadas idiopáticas pode ter contribuído para uma análise menos robusta na avaliação por estratificação desses subtipos. Por último, o desenho retrospectivo possui a limitação de se basear em relatos descritos nas visitas clínicas e não em questionários padronizados durante a coleta de eventos adversos das drogas, o que pode ter subestimado sua verdadeira prevalência.

Mensagem final

As mulheres em idade fértil, neste estudo, que apresentaram epilepsia mioclônica juvenil, apresentaram em follow-up melhor efetividade do seu tratamento com levetiracetam comparado à lamotrigina. Ainda assim, o resultado deve estudo deve ser interpretado com cautela diante das limitações de um desenho de estudo observacional e retrospectivo.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Cerulli Irelli E, Cocchi E, Morano A, et al. Levetiracetam vs Lamotrigine as First-Line Antiseizure Medication in Female Patients With Idiopathic Generalized Epilepsy. JAMA Neurol. Published online October 02, 2023. DOI: 10.1001/jamaneurol.2023.3400