Leptospirose: uma doença negligenciada

O curso clínico da leptospirose foi classicamente dividido em uma fase leptospirêmica ou fase aguda, seguida por uma fase imunológica.

A leptospirose é uma doença infecciosa causada por algumas espiroquetas aeróbias do gênero Leptospira. É a doença zoonótica mais prevalente no mundo, afetando anualmente 1 milhão de pessoas, causando cerca de 59 mil óbitos, com letalidade estimada de 5-10%.

No Brasil, em 2023, a doença causou 2.711 infecções com 236 óbitos e o número de mortes pela doença aumentou mais de 70% nos últimos anos. O contato com água de enchentes configura a principal causa de contaminação. A pele e membranas mucosas com abrasões, ainda que pequenas, servem como porta de entrada para a bactéria que está na água contaminada com urina de rato.   

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rato, principal portador da leptospirose, andando sobre folhas

Transmissão 

Ainda que todos os mamíferos possam servir como portadores da doença, abrigando e eliminando a espiroqueta nos túbulos proximais dos rins, o rato é de longe o mais importante na epidemiologia. Isso se deve ao fato deles excretarem concentrações muito elevadas de bactérias, mesmo vários meses após a infecção inicial. Os humanos são hospedeiros acidentais. Vale ressaltar que os animais selvagens constituem reservatórios importantes e reinfectam continuamente animais domésticos.  

A leptospirose humana apresenta diversas manifestações clínicas podendo variar desde uma doença febril aguda leve e autolimitada, até uma condição grave com envolvimento renal e pulmonar. As características clínicas da leptospirose são semelhantes às observadas em outras doenças como dengue, riquetsioses, malária e até mesmo sepse bacteriana, o que muitas vezes posterga o diagnóstico e tratamento adequado.   

Incubação e manifestação 

O período de incubação geralmente é de 7 a 12 dias. O curso clínico da leptospirose foi classicamente dividido em uma fase leptospirêmica ou fase aguda, seguida por uma fase imunológica. A fase aguda dura de três a nove dias e se apresenta como uma doença febril aguda inespecífica. A sufusão conjuntival é um achado característico, desenvolvendo-se do terceiro ao quarto dia e nem sempre está presente. A mialgia pode ser grave e geralmente envolve a panturrilha, o abdômen (imitando abdômen agudo) e os músculos paraespinhais (resultando em meningismo).  

A fase imunológica se caracteriza pelo aparecimento de anticorpos IgM e excreção de bactérias na urina. Dependendo do grau de envolvimento dos órgãos e da virulência do organismo, ocorrem manifestações graves durante essa fase. Na prática, esta diferenciação em fases é arbitrária e muitas vezes elas se sobrepõem. A apresentação clássica com sufusão conjuntival, icterícia e lesão renal aguda constitui a síndrome de Weil. Foi recentemente demonstrado que a hemorragia pulmonar é uma das principais causas de óbito.  

Diagnóstico 

O diagnóstico presuntivo costuma acontecer pelas características clínicas sugestivas juntamente com a história de exposição ao risco. Assim, a leptospirose deve ser suspeitada em pacientes com histórico de exposição e qualquer um dos seguintes sintomas: cefaleia, mialgia, prostração, icterícia, sufusão conjuntival, oligúria, meningismo, hemorragias, insuficiência cardíaca ou arritmias, tosse, dispneia e erupções cutâneas.  

Existem diversos testes confirmatórios para a doença, mas a disponibilidade muitas vezes é limitada. A precisão diagnóstica também é variável, especialmente quando se usa sorologia. Os valores de corte para positividade em uma única amostra dependem da prevalência regional, além de haver reatividade cruzada com outras infecções.

Em termos gerais, os testes são divididos entre aqueles que fornecem evidência direta de infecção (como os PCRs que detectam o DNA bacteriano ou cultura) e testes que fornecem evidência indireta (sorologia). Os anticorpos costumam ser detectável entre o sexto e décimo dia de doença, atingindo pico em três a quatro semanas e a comparação entre as dosagens na fase aguda e convalescente apresenta alta especificidade e sensibilidade.   

Quando internar? 

Pacientes com suspeita ou confirmação de leptospirose, com quadro clínico leve e sem comorbidades, podem ser tratados ambulatorialmente com doxiciclina e acompanhamento regular para identificação precoce de complicações. Pacientes com quadros moderados a graves devem ser internados para início precoce de antibiótico (ceftriaxona ou penicilina cristalina). Os cuidados de suporte e a antibioticoterapia constituem a base do tratamento da leptospirose.   

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Como evitar o agravamento dos quadros 

A prevenção da doença consiste em evitar exposição de risco e na administração de profilaxia com doxiciclina para indivíduos que irão se submeter a uma situação com possível contaminação. Nenhuma vacina humana está atualmente disponível.   

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  •  Rajapakse, Senaka. “Leptospirosis: Clinical Aspects.” Clinical Medicine, vol. 22, no. 1, Jan. 2022, pp. 14–17. 
  • Barbosa, Angela S, et al. Editorial: Leptospirosis: Pathogenesis, Clinical and Epidemiological Aspects. Vol. 13, 1 Jan. 2023, pp. 1210178–1210178.  Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/leptobr.def [Acesso em 09/02/2024].