Leucemia mieloide crônica: veja as novas recomendações europeias

Este ano, a European LeukemiaNet (ELN) publicou as últimas recomendações para o tratamento da leucemia mieloide crônica (LMC).

Este ano, a European LeukemiaNet (ELN) publicou as últimas recomendações para o tratamento da leucemia mieloide crônica (LMC), desordem mieloproliferativa caracterizada por proliferação desregulada de granulócitos maduros ou em maturação, predominantemente neutrófilos. A doença pode progredir da fase crônica (curso indolente) para a fase acelerada e, posteriormente, para a crise blástica (leucemia aguda).

paciente fazendo quimioterapia para leucemia mieloide crônica

Recomendações para leucemia mieloide crônica

O uso de inibidor de tirosina quinase na fase crônica da LMC permite maiores sobrevidas livre de progressão e global. Atualmente, dispõe-se no Brasil de quatro inibidores, e a escolha do tratamento depende de alguns fatores, incluindo eficácia, tolerabilidade, perfil de toxicidade e custo. A idade é uma importante variável nessa escolha porque impacta na expectativa de vida e na ocorrência de complicações, visto que indivíduos com idade mais avançada tendem a ter outras comorbidades.

A estratificação de risco é uma etapa fundamental no manejo dos portadores de LMC. Utiliza-se muito o escore Sokal, que leva em consideração a idade, o tamanho do baço, a plaquetometria e a contagem de blastos. No entanto, outros fatores também têm impacto prognóstico, com destaque para as anormalidades citogenéticas. Alguns achados à citogenética, como +8, i(17q), +19, -7/7q- e cariótipo complexo, associam-se a maior risco de falha terapêutica com o uso de inibidores de tirosina quinase e de progressão de doença.

Por conta da maior sobrevida, a preocupação com a qualidade de vida dos pacientes é crescente, e muitos autores têm pesquisado formas de reduzir a toxicidade do tratamento em longo prazo. Uma estratégia recentemente estabelecida é a possibilidade de interrupção da terapia em determinados casos. Tal conduta, conhecida como treatment-free remission (TFR), deve ser almejada em qualquer indivíduo, independentemente da faixa etária, porém é claro que pessoas mais jovens se beneficiam mais com a medida.

Monitoramento e alvos terapêuticos

Hemograma deve ser realizado quinzenalmente até que resposta hematológica completa seja atingida (ou mais frequentemente, em caso de toxicidade hematológica). PCR quantitativo para BCR-ABL é recomendado, pelo menos, a cada três meses, mesmo após resposta molecular maior, uma vez que o monitoramento rigoroso da resposta molecular é necessário para avaliar possibilidade de TFR.

Para avaliação de resposta, utiliza-se o resultado de PCR nos terceiro, sexto e décimo segundo meses após início da terapia. Isso determinará se o tratamento em vigor será mantido (ótima resposta), alterado (falha/ resistência) ou monitorado cautelosamente (alerta):

Resposta ótima Alerta Falha
3 meses ≤ 10% > 10% > 10% (confirmar em 1-3 meses)
6 meses ≤1% > 1-10% > 10%
12 meses ≤ 0,1% > 0,1-1% > 1%
Qualquer momento da evolução ≤ 0,1% > 0,1-1% ou perda de ≤ 0,1% > 1%

Primeira linha

Estão aprovados para o uso em primeira linha:

  • Imatinibe: inibidor de tirosina quinase de primeira geração. Dose padrão: 400 mg 1x/dia. Se fase crônica, intolerância à dose de 400 mg/dia e ótima resposta ao tratamento, pode-se reduzir a dose para 300 mg/dia. Pode-se considerar o uso de 400 mg 2x/dia na fase acelerada. Não há contraindicação absoluta para o uso da droga, porém pacientes com insuficiência cardíaca e disfunção renal devem ser acompanhados com maior cautela. Os principais efeitos adversos incluem retenção hídrica, sintomas gastrointestinais, câimbras, artralgias, rash e fadiga. A maioria desses efeitos regride espontaneamente com o passar do tempo ou após rápida e transitória interrupção do tratamento;
  • Dasatinibe: inibidor de tirosina quinase de segunda geração. Dose padrão: 100 mg 1x/dia na fase crônica e 70 mg 2x/dia nas demais fases. Apresenta toxicidade pleuropulmonar; logo desordens pleuropulmonares ou pericárdicas representam contraindicações ao uso da droga. O principal efeito adverso é a ocorrência de derrame pleural; raramente, há desenvolvimento de hipertensão pulmonar secundária ao tratamento. Idade avançada, doença cardíaca ou autoimune concomitante, hipertensão arterial, hipercolesterolemia e fase acelerada da LMC são alguns fatores que aumentam o risco de derrame pleural;
  • Nilotinibe: inibidor de tirosina quinase de segunda geração. Dose padrão: 300 mg 2x/dia na fase crônica e 400 mg 2x/dia nas demais fases. Os principais efeitos adversos graves são cardiovasculares e pancreatite. História de coronariopatia, acidente vascular encefálico, doença arterial obstrutiva periférica e pancreatite são contraindicações ao uso da droga. Pacientes com hipertensão arterial, hipercolesterolemia e diabetes têm maior risco de complicações cardiovasculares. Outros possíveis efeitos adversos incluem aumento de transaminases, hiperglicemia e aumento dos níveis de colesterol.

Leia também: Leucemia mieloide crônica atípica: como diferenciar das doenças mieloproliferativas Philadelphia-negativo?

Segunda linha

Em caso de falha/ resistência à terapia de primeira linha, deve-se mudar o protocolo e, preferencialmente, pesquisar mutações associadas à resistência. Por outro lado, se houver intolerância ou complicações relacionadas ao tratamento inicial, a decisão entre manter ou mudar o inibidor deve ser individualizada.

Na ausência de mutações que resultam em resistência a determinados inibidores de tirosina quinase, as duas drogas de segunda geração representam opções de tratamento de segunda linha:

  • Dasatinibe: dose padrão: 100 mg 1x/dia;
  • Nilotinibe: dose padrão: 400 mg 2x/dia.

O monitoramento e os alvos terapêuticos são semelhantes aos do tratamento de primeira linha.

Terceira linha em diante

Para a escolha da terceira linha, leva-se em consideração características do paciente (ex.: idade, comorbidades) e da doença (ex.: respostas prévias, anormalidades citogenéticas). Na ocorrência de falha/ resistência a duas ou mais linhas de tratamento, deve-se considerar transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas, sempre que possível.

O ponatinibe, inibidor de tirosina quinase de terceira geração, está indicado na presença da mutação T315I e para doença resistente a, pelo menos, dois tratamentos prévios. Dose padrão: 45 mg 1x/dia. Deve-se ter cautela com o risco de cardiotoxicidade. A fim de reduzir tal risco, é importante o controle de outros fatores (ex.: hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes, tabagismo). Indivíduos com menores graus de resistência ou intolerância às terapias anteriores podem iniciar a droga em doses mais baixas (ex.: 15 mg, 30 mg), particularmente se houver alto risco cardiovascular. No entanto, a conduta não é recomendada para pacientes com mutação T315I, citogenética de alto risco ou em fase acelerada.

Remissão livre de tratamento (TFR)

Na tentativa de reduzir a toxicidade e o custo do tratamento, alguns estudos avaliaram a possibilidade de interrupção da terapia e as consequências de tal conduta. Notou-se que a medida é segura em determinados centros e que nem todos os pacientes são candidatos ao TFR.

Critérios obrigatórios para TFR pela ELN:

  • Fase crônica, sem história de fase acalerada ou crise blástica;
  • Consentimento do paciente;
  • Acesso a métodos de avaliação molecular de alta qualidade;
  • Aceitação do paciente em ser submetido a avaliações mais frequentes (mensalmente nos primeiros seis meses, a cada dois meses nos seis meses seguintes e a cada três meses posteriormente).

Veja mais: Tratamento da leucemia mieloide aguda em idosos: diretriz norte-americana

Critérios mínimos pela ELN:

  • Primeira linha de tratamento;
  • Segunda linha de tratamento se o motivo da mudança de protocolo tiver sido intolerância (ausência de falha terapêutica prévia);
  • Transcritos típicos e13a2 ou e14a2;
  • Duração do tratamento > 5 anos se imatinibe ou > 4 anos se dasatinibe ou nilotinibe;
  • Duração de resposta molecular profunda (BCR-ABL ≤ 0,01%) > 2 anos.

Critérios ótimos pela ELN:

  • Duração do tratamento > 5 anos;
  • Duração de resposta molecular com BCR-ABL ≤ 0,01% > 3 anos;
  • Duração de resposta molecular com BCR-ABL ≤ 0,0032% > 2 anos.

Vale ressaltar que alguns pacientes candidatos ao TFR preferem manter o tratamento, com receio de progressão de doença. É dever do médico expor os riscos e benefícios da terapia contínua e do TFR.

Em cerca de 20-30% dos casos, há relato de polimialgia e/ou artralgia nas primeiras semanas ou primeiros meses após descontinuação do tratamento. Na maioria das vezes, os sintomas são leves e autolimitados, sendo rara a necessidade de tratamento farmacológico.

Mais de 80% das recorrências ocorreram nos primeiros 6-8 meses após interrupção do uso do inibidor de tirosina quinase, o que demonstra a necessidade de monitoramento adequado e rigoroso no início. A perda de RMM é infrequente após um ano de TFR; no entanto, o monitoramento deve ser contínuo, visto que o seguimento dos estudos apresentados foi menor que dez anos.

A perda de resposta molecular maior (BCR-ABL > 0,1%) indica a reintrodução do tratamento. Não é necessária a confirmação da perda de resposta molecular (RMM) para não atrasar o reinício da terapia. A grande maioria dos portadores de LMC atinge novamente resposta molecular maior após retorno de inibidor de tirosina quinase. Em geral, opta-se pela mesma droga interrompida anteriormente, a menos que efeitos adversos prévios indiquem mudança de protocolo.

Referência bibliográfica:

  • Hochhaus, A., et al. “European LeukemiaNet 2020 recommendations for treating chronic myeloid leukemia.” Leukemia 34.4 (2020): 966-984.

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