Mais de 4 mil profissionais de saúde morreram na pandemia, indica estudo

Estudo feito pelo instituto Lagom Data entre março de 2020 e dezembro de 2021 mostra mortalidade da covid-19.

Mais de 4.500 profissionais da saúde pública e particular vieram a óbito entre março de 2020 e dezembro de 2021, segundo um levantamento feito pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, realizado especialmente para a Public Services International (PSI). A pesquisa, divulgada no dia 13 de outubro, revelou ainda que oito a cada dez entre os que morreram salvando vidas na pandemia eram mulheres. 

O levantamento faz parte de uma campanha documental da PSI que denuncia a situação de quatro países nos momentos mais intensos da pandemia de Covid-19: Brasil, Zimbábue, Paquistão e Tunísia. O Brasil foi escolhido pela entidade pela abordagem negacionista do governo federal durante a crise sanitária.

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“Faltaram equipamentos de proteção, oxigênio, vacinas, medicamentos, sobraram mensagens falsas e desaforadas do governo sobre a Covid-19, chocando o mundo. E até hoje os profissionais da linha de frente seguem desvalorizados no Brasil”, afirmou a secretária-geral da ISP, Rosa Pavanelli. 

A PSI é uma federação sindical global para trabalhadores em serviços públicos, incluindo aqueles que trabalham em serviços sociais, saúde, serviços municipais, governo central e serviços públicos. A entidade atua com o sistema das Nações Unidas em parcerias com a sociedade civil. 

Prona em pacientes com covid-19 e ventilação mecânica: uma coorte brasileira

Como foi realizado o levantamento 

A análise foi realizada a partir do cruzamento de dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados e Registros de profissionais do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). 

Os dados revelam que os óbitos entre os profissionais brasileiros de saúde aumentaram mais rapidamente do que o observado na população geral, especialmente nos meses em que faltaram equipamentos de proteção individual para esses trabalhadores. 

Além disso, o impacto da doença foi maior nas ocupações com menores salários e que estavam mais próximas à linha de frente: auxiliares e técnicos de enfermagem vieram a óbito proporcionalmente mais do que enfermeiros, e estes, proporcionalmente, mais do que os médicos. 

“Apesar de os dados serem incompletos, é possível verificar por meio deles o quanto os profissionais da saúde foram atingidos no começo da pandemia por estarem mais expostos. Com a prioridade na vacinação, os dados também mostram que vaciná-los mais cedo derrubou o número de óbitos antes do restante da população”, comentou o jornalista de dados Marcelo Soares, responsável pela análise. 

Técnicos e auxiliares de enfermagem foram os mais atingidos 

Quanto mais próximos aos pacientes esses profissionais trabalhavam, mais morriam: Cerca de 70% dos mortos trabalhavam como técnicos e auxiliares de enfermagem; em seguida vieram os enfermeiros (25%) e os médicos (5%). 

No total, foram 1.184 enfermeiros mortos, o que pode ter impactado diretamente o atendimento de 21.300 pacientes. Pelas regras do Cofen, cada enfermeiro atende até 18 pacientes e cada atendente, nove doentes. Em Manaus, por exemplo, cada enfermeiro atendeu 40 pacientes com a ajuda de dois atendentes. 

Dois terços dos profissionais de saúde que vieram a óbito durante a pandemia provavelmente não tinham contrato formal de trabalho, de acordo com o cruzamento entre os dados do Ministério da Saúde e informações sobre desligamentos por morte no Novo Caged.   

Tanto nos dados oficiais de emprego formal quanto nos registros dos conselhos profissionais, médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem representavam 61%, 20% e 18% dos profissionais empregados – o que ilustra as desigualdades de exposição ao risco dentro das especialidades da área da saúde. 

Ainda segundo o levantamento, nos primeiros meses da crise sanitária, a curva do excesso de desligamentos por óbito entre os profissionais da saúde era mais elevada do que a da totalidade das ocupações no Brasil. Ou seja, os profissionais da saúde morriam proporcionalmente mais. Em maio de 2020, as mortes excedentes chegaram ao dobro da média anterior. 

Número de óbitos subnotificados 

Para a coordenadora da Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Mental do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Dorisdaia C de Humerez, que também é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutora em enfermagem em saúde mental e psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP), mesmo com o alto número de óbitos, os dados estão subnotificados.  

“O motivo da subnotificação é claro: caso o comunicado do óbito não chegasse ao Coren, esse não seria computado. Isso porque a notificação compulsória não é exigida na profissão”, explicou  Dorisdaia Humerez, em entrevista ao Portal de Notícias da PEBMED.  

Na opinião da porta-voz do Cofen, os principais fatores que contribuíram para a enorme quantidade de óbitos de profissionais de saúde, principalmente técnicos e auxiliares de enfermagem,foram o desconhecimento da doença, o dimensionamento inadequado de profissionais, além da falta de equipamentos de proteção individuais (EPIs) e carga horária exagerada no início da crise sanitária.  

Impacto da vacinação 

É fato que à medida que o país avançou na vacinação prioritária dos profissionais de saúde, a mortalidade entre eles caiu mais rápido do que na população em geral, que demorou mais meses para ser vacinada. Muitos óbitos poderiam ter sido evitados se houvesse zelo ou empenho governamental, conforme a análise da ISP. 

Em março de 2021, com uma confluência de fatores que iam da pressão pela volta precoce das atividades presenciais à lentidão do governo em avançar com a vacinação, os óbitos de Covid-19 explodiram no Brasil inteiro. 

Os profissionais da saúde também sentiram esse impacto, embora por menos tempo, uma vez que o avanço da vacinação prioritária no setor abreviou o pior pico prolongado de óbitos que aconteceu no país durante o período pandêmico. 

Saúde mental 

É indiscutível que a saúde mental dos profissionais de saúde ficou muito afetada desde o período da pandemia. O medo da contaminação e a culpa de contaminar familiares e amigos são apenas dois dos muitos medos que passavam pela mente dos trabalhadores da linha de frente da Covid-19.  

“Para tentar amenizar essa situação, criamos no início da pandemia o Programa Enfermagem Solidária, que atendeu de forma online os profissionais de enfermagem 24 horas por dia, todos os dias da semana. Hoje, no pós-covid, temos visto o aumento do índice de depressão, da síndrome de pânico, da ansiedade generalizada, da síndrome de Burnout e das tentativas de suicidio. Muitos desejam deixar a profissão. Naturalmente que a enfermagem, por conta do tipo de trabalho, têm mais possibilidade de adoecer emocionalmente. Mas, acredito que toda a população está adoecida, com ansiedade e intolerância demasiada”, lamentou a coordenadora da Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Mental do Cofen, Dorisdaia Humerez.  

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