Manaus atingiu imunidade de rebanho contra o novo coronavírus?

Um estudo preliminar indicou que Manaus pode ter atingido a imunidade de rebanho (coletiva) contra o novo coronavírus.

Um estudo preliminar conduzido por pesquisadores do Brasil, Reino Unido e Estados Unidos indicou que Manaus pode ter atingido a imunidade de rebanho (coletiva) contra o novo coronavírus.

Publicado no site medRxiv, o estudo analisou dados de infecção com modelagem matemática para estimar que 66% da população tinha anticorpos para a Covid-19 em Manaus, onde a passagem da pandemia foi tão rápida quanto brutal.

imunidade de rebanho pelo coronavírus

Imunidade de rebanho em Manaus

Segundo os pesquisadores, estudos populacionais utilizando testes de anticorpos para inferir infecções cumulativas totais podem fornecer evidências empíricas do nível de imunidade da população em áreas gravemente afetadas por uma epidemia.

A transmissão do novo coronavírus em Manaus aumentou rapidamente durante os meses de março e abril, e diminuiu mais lentamente de maio a setembro.

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Em junho, um mês após o pico epidêmico, 44% da população era soropositiva para a doença, o que equivale a uma incidência cumulativa de 52%, após correção para a taxa de falso-negativos dos testes de sorologia.

A soroprevalência caiu em julho e agosto devido ao declínio natural dos anticorpos. Depois de correção por esse fator, o grupo de cientistas estima um tamanho final da epidemia de 66%.

Embora intervenções não farmacêuticas, além de uma mudança no comportamento da população, possam ter ajudado a limitar a transmissão da Covid-19 em Manaus, a taxa de infecção excepcionalmente alta sugere que a imunidade de rebanho desempenhou um papel significativo na determinação do tamanho da epidemia.

Com testagens em diferentes momentos, foi possível corrigir questões como falso-negativos, além de permitir avaliar que, com o passar do tempo, a quantidade de anticorpos varia, sendo que, em aproximadamente 8% dos casos, os anticorpos não conseguem ser detectados nem na fase mais aguda da infecção.

Os autores alertam que ainda não há um consenso sobre qual deve ser o percentual mínimo de pessoas infectadas pelo novo coronavírus para gerar a imunidade de rebanho para a Covid-19. Segundo eles, este parâmetro ainda é desconhecido e diferentes modelos matemáticos têm previsto resultados muito divergentes.

Mais evidências

O grupo coordenado pela biomatemática portuguesa Gabriela Gomes, da University of Strathclyde, na Escócia, que inclui pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), foi um dos primeiros a apontar na direção da imunidade de rebanho no caso de Manaus, com base em projeções realizadas por um modelo matemático que leva em conta o fato de que os indivíduos de uma população têm diferentes graus de suscetibilidade e de exposição ao vírus.

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“Chegamos à conclusão de que essa heterogeneidade pode alterar muito os resultados em um sentido positivo. A pandemia deve ser menor do que o previsto pelos modelos homogêneos (que não consideram os diferentes níveis de suscetibilidade e da exposição entre os indivíduos) e o limiar da imunidade coletiva também deverá ser menor do que aquele que os modelos clássicos indicam”, afirmou Gabriela Gomes durante um seminário on-line realizado em agosto pela Agência FAPESP e o Canal Butantan.

Para o infectologista Júlio Croda, somente a imunidade coletiva poderia explicar por que os estados da região Norte, Nordeste e a cidade do Rio de Janeiro – mesmo sem um distanciamento social efetivo – apresentam hoje uma taxa de contágio inferior a 1.

“Manaus teve o maior excesso de óbitos entre todas as cidades do Brasil, chegou a 500%. Foram registradas neste ano cinco vezes mais óbitos que nos anos anteriores – 90% delas por causas respiratórias. O caso do Amazonas nos permite entender como seria a história natural da doença. Mas não estamos propondo isso como estratégia. É a constatação de uma tragédia. Temos de aprender com os dados reais”, defendeu Croda.

Estratégia para a Covid?

Na opinião da grande maioria dos especialistas, a imunidade coletiva não deve ser interpretada como uma estratégia contra a Covid-19.

“O estudo não deve ser considerado política pública, mas a constatação de uma realidade”, escreveu nas redes sociais o infectologista Júlio Henrique Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

O especialista enfatizou que nenhum sistema de saúde é capaz de ofertar a quantidade de leitos de terapia intensiva necessária para enfrentar a primeira onda da doença sem medidas de mitigação.

Para a infectologista Isabel Cristina Melo Mendes, colunista do Portal PEBMED, os resultados são interessantes, na medida em que podem explicar a dinâmica da infecção no país.

“O esgotamento de suscetíveis e a imunidade de rebanho são fatores que influenciam na redução de transmissibilidade e limitação da dimensão de uma epidemia. Entretanto, como destacado pelos especialistas, alcançar a imunidade de rebanho não pode ser visto como estratégia para controle da Covid-19. Sem medidas de prevenção e controle, a grande quantidade de pessoas doentes ao mesmo tempo pode levar ao colapso do sistema de saúde local, levando a um número expressivo de mortes não só por Covid-19, mas também por outras causas”, esclarece a infectologista.

Isabel Mendes complementa que outra questão a ser considerada é que a duração da imunidade para a Covid-19 ainda é desconhecida e, com isso, o efeito de imunidade de rebanho pode ser temporário, com possibilidade de ocorrência de novas ondas de transmissão em locais onde a epidemia já estava controlada, caso as medidas de controle sejam afrouxadas muito precocemente.

*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED

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