Maternidade e Carreira Médica

Como as profissionais da medicina se preparam e lidam com os desafios inerentes à maternidade sem abdicar da profissão

Quando a escolha pela carreira profissional é a medicina, é indiscutível que o planejamento para a dedicação exclusiva aos estudos seja rigoroso. Isso porque só a jornada inicial da graduação leva cerca de seis anos. Se contarmos com a fase da Residência, que demanda ainda mais empenho para o ingresso na especialização, essa jornada de estudo pode chegar a pelo menos oito anos. Já quando o assunto é conciliar maternidade e carreira médica, o planejamento precisa ser ainda maior, visto que cada gestação, além de ser uma experiência singular e intrasferível, também conta com cenários imprevistos, como intercorrências no parto, que podem afetar aspectos psíquico-emocionais das mães médicas, além de impactar na retomada das atividades após o nascimento da criança.

Para a cirurgiã, Vanessa do Nascimento, que priorizou sua jornada profissional, até passar pelo Fellow, mesmo com o planejamento da maternidade em uma fase da carreira mais consolidada, com cargo público – que favorecesse economicamente sua decisão junto ao marido, companheiro desde a fase da graduação -, vivenciou uma gravidez gemelar de risco, que a fez recalcular a rota. “Meu planejamento era trabalhar até a última semana, porém, devido a gravidez de risco e às complicações, trabalhei de forma intermitente durante todo o período”, relata. A gestão de clínicas e o manejo da agenda de pacientes, nos casos de médicas que mantêm seu próprio consultório, também é um fator a ser considerado no momento desse planejamento. “O atendimento no consultório foi a primeira atividade que eu tive que parar e a última a retornar”, conta.

Apesar de não ter tido uma gravidez de risco, a ginecologista e obstetra, Caroline Oliveira, que também planejou as duas gestações, precisou gerenciar sua carreira, abrindo mão de um dos empregos públicos. “Pedi demissão de um hospital, mas como também trabalho em consultório particular, a gente só recebe se trabalhar. Com um mês de vida da minha filha precisei retornar para alguns atendimentos, mas com a vantagem de morar próximo ao consultório”, explica.

Maternidade

Licença Maternidade e direitos trabalhistas

Um fator que pode ser nocivo na decisão de mulheres médicas se tornarem mães é a perda da garantia dos direitos trabalhistas durante o período da licença-maternidade. “A fragilidade dos vínculos empregatícios é algo que me preocupa. Quando a mulher é PJ, precisa se planejar financeiramente para que ela possa viver essa gestação e conseguir tentar se afastar no período da licença, mas ela não tem direito por não ser contratada via CLT”, explica a pediatra Renata Carneiro da Cruz. O que significa que nos casos em que a gravidez não é planejada, as mães médicas não têm um tempo hábil de se organizarem financeiramente. A especialista em Clínica Médica, Dayanna Quintanilha, reforça a importância da construção de uma cultura de apoio à mãe médica, sobretudo em ambientes hospitalares. “No hospital que eu trabalho, não apenas recebi pelo período de Licença Maternidade, mesmo atuando como PJ, como tive uma sala exclusiva de amamentação, construída pela chefia, ao retornar da licença”, conta.

Colapso materno e rede de apoio às mães médicas

Historicamente, mulheres acumulam mais funções na sociedade. Uma pesquisa recente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indica que mulheres trabalham aproximadamente 7,5 horas por semana a mais que os homens. Considerando que as tarefas entendidas como domésticas, são atribuídas às mulheres e os cuidados do bebê, igualmente, é preciso um olhar atento da sociedade no que diz respeito ao colapso materno, em especial no caso das mães médicas. “O que eu não tinha noção era que o período de licença maternidade é a fase que a gente trabalha mais do que se estivesse trabalhando”, desabafa Renata. “Ouvi relatos de colegas  médicas que só conseguiam descansar no plantão, mas não porque faltasse atividade, mas porque durante o plantão, a função é dividida com outros profissionais de saúde”, explica. Para a pediatra, a sociedade ainda é muito primitiva nesse aspecto e precisa evoluir em relação à rede de apoio para as mães, de um modo geral.

É importante destacar que em determinados lares, a casa é uma extensão do ambiente de trabalho de muitas mulheres, que após uma jornada laboral exaustiva, ainda precisam dar conta de demandas da esfera doméstica, como o cuidado dos filhos e no caso de mães médicas esse trabalho dobra. A ginecologista e obstetra, Caroline Oliveira, alerta para essa sobrecarga e reitera a importância de oferecer apoio às mães médicas. “A gente se vê numa situação tão vulnerável, que nem consegue ‘ficar pedindo ajuda’. É importante que as pessoas ao redor dessa mãe médica ofereçam apoio, ajuda. Depois que fui mãe e passei a receber mensagens me perguntando se eu precisava de algo, até cheguei a me culpar por não perguntar a algumas amigas se elas estavam precisando de alguma coisa durante esse período”, desabafa. Na opinião da ginecologista, as mães, que não são da área da medicina, não apenas têm mais facilidade em pedir algum tipo de ajuda, como acabam recebendo mais apoio, porque há um senso comum que acredita que por serem médicas, as mulheres dão conta.

A rede de apoio e/ou afeto de mães médicas é primordial para que seja possível equilibrar a carreira com a vida doméstica. “Hoje os homens são casados com mulheres que estão no mercado de trabalho, o que exige deles uma presença ainda maior. Eu só consigo ser a mãe médica que sou hoje, porque eu tenho um marido que é pai, que acorda na madrugada”, conta a médica Dayanna. A pediatra Dolores Henriques, também mãe de duas crianças, também reforça sobre esse amparo: “Quando tive o primeiro filho, ainda não atuava em consultório. Já no segundo, quando retornei da licença, meu marido ficava com meu filho na sala de espera para eu amamentar no intervalo entre as consultas”.

Leia também: O conceito de mommy brain e baby brain

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