Melhor protocolo para prevenção de recidiva pós-operatória na doença de Crohn?

A doença de Crohn (DC) é uma doença que se caracteriza pela inflamação crônica e progressiva do trato gastrointestinal, a qual pode levar a danos intestinais permanentes e grande prejuízo da qualidade de vida. Apesar do aumento do uso de biológicos nesta última década, a cirurgia ainda é necessária em quase metade dos pacientes durante …

A doença de Crohn (DC) é uma doença que se caracteriza pela inflamação crônica e progressiva do trato gastrointestinal, a qual pode levar a danos intestinais permanentes e grande prejuízo da qualidade de vida. Apesar do aumento do uso de biológicos nesta última década, a cirurgia ainda é necessária em quase metade dos pacientes durante a história natural da doença. Como a ressecção intestinal não é curativa, a recorrência pós-operatória continua sendo uma preocupação importante em pacientes com DC. Em centros de referência, a taxa de recorrência endoscópica é estimada em 75% no primeiro ano após a cirurgia, enquanto o risco de recorrência clínica chega a 25%.

Devido ao alto risco de recorrência, é recomendado o uso de medicações profiláticas para prevenir a recorrência pós-operatória. Rutgeerts e colaboradores demonstraram há mais de 30 anos que a recorrência endoscópica precoce é um preditor confiável de recorrência clínica. Dois protocolos de prevenção de recidiva pós-operatória podem ser empregados. A abordagem “step-up” envolve tratamento com 5-aminossalicilatos (5-ASA) ou tiopurinas ou mesmo se evitar qualquer medicação profilática até que a endoscopia seja realizada em 6 meses. A segunda abordagem, conhecida como “top-down”, é baseada no início da terapia biológica dentro do primeiro mês após a cirurgia para prevenir a recorrência pós-operatória endoscópica.

A melhor estratégia a ser utilizada no pós-operatório de pacientes com DC ainda não foi determinada. Recentemente, Buisson e colaboradores compararam as abordagens “step-up” e “top-down” para prevenir a recorrência pós-operatória endoscópica em 6 meses, recorrência clínica pós-operatória de longo prazo e progressão de danos intestinais em pacientes com DC após ressecção intestinal.

Metodologia

A partir do banco de dados eletrônico do Departamento de Patologia do Hospital Universitário Estaing de Clermont-Ferrand, na França, foram identificados 160 pacientes adultos consecutivos submetidos a ressecção intestinal por DC entre 2014 e 2021. Os pacientes foram considerados elegíveis para participar no estudo se (1) foram submetidos a ressecção ileocólica; (2) todas as lesões macroscópicas foram removidas; (3) a anastomose era acessível por ileocolonoscopia; (4) uma colonoscopia sistemática foi realizada aos 6 meses após a cirurgia; e (5) o seguimento foi maior que 6 meses após a ressecção intestinal. A estratégia (ou seja, step-up ou top-down) foi decidida de acordo com o julgamento do médico.

O manejo step-up foi definido como ausência de uso de biológicos entre a cirurgia e a colonoscopia aos 6 meses. Os pacientes receberam 5-ASA, tiopurinas (2,5 mg/kg/dia) ou nenhum medicamento para prevenir a recorrência pós-operatória endoscópica. Nenhum paciente recebeu metronidazol. Todos os pacientes que receberam um biológico (anti-fator de necrose tumoral alfa [anti-TNF] ou ustequinumabe) dentro do primeiro mês de pós-operatório foram incluídos no grupo top-down. Uma colonoscopia foi realizada sistematicamente aos 6 meses e um índice de Rutgeerts ≥ i2a levou à otimização terapêutica.

Desfechos:

  • Recorrência pós-operatória endoscópica foi definida como índice de Rutgeerts ≥ i2a.
  • Remissão endoscópica completa foi definida como nenhuma lesão (ou seja, índice de Rutgeerts, i0).
  • Recorrência clínica pós-operatória foi definida como a recorrência de sintomas (Índice de Harvey-Bradshaw [HBI]>4) levando à hospitalização ou intensificação terapêutica após a exclusão de outras causas, como diarreia por excesso de sais biliares, supercrescimento bacteriano e obstrução relacionada à aderência.
  • Progressão do dano intestinal foi considerada em caso de nova ressecção intestinal, nova estenose ou fístula, ou piora da estenose pré-existente (aumento da dilatação pré-estenótica em imagem ou ocorrência de sintomas obstrutivos graves) ou fístula (novo abscesso ou novo trajeto de fístula).

Resultados

Dos 160 pacientes com doença de Crohn submetidos a ressecção intestinal, 115 foram incluídos neste estudo. Os pacientes tinham mais probabilidade de ser tratados de acordo com a abordagem top-down no caso de DC de localização ileocólica (L3 de acordo com a classificação de Montreal; P = 0,014), fenótipo penetrante (B3 de acordo com a classificação de Montreal; P = 0,001), comprimento de ressecção >30 cm (P = 0,047) e maior número de biológicos antes da cirurgia (P = 0,02; Tabela 1). Os pacientes incluídos no grupo top-down apresentaram maior exposição a terapias imunossupressoras (P = 0,007), agentes anti-TNF (P = 0,004) e ustequinumabe (P = 0,014) antes da cirurgia. O tempo mediano de seguimento (terminando no momento da primeira progressão do dano intestinal) foi de 41,9 meses (21,4-76,2).

A taxa de recorrência endoscópica pós-operatória (índice de Rutgeerts ≥ i2a) aos 6 meses foi numericamente mais baixa na abordagem top-down em comparação com a abordagem step-up (44,4% vs 63,9%, P = 0,09). Após análise de escore de propensão ajustada para possíveis fatores de confusão, a estratégia top-down foi associada a um menor risco de recorrência endoscópica aos 6 meses (46,8% vs 65,9%, P = 0,042). A taxa de pacientes com remissão endoscópica completa (definida como índice de Rutgeerts de i0) aos 6 meses foi maior no grupo top-down em comparação com a estratégia step-up (45,1% vs 21,0%; P = 0,006). Após análise de escore de propensão, observou-se uma taxa mais alta de remissão endoscópica completa no grupo top-down em comparação com a estratégia step-up (45,3% vs 19,3%, P = 0,004). Dentre os 24 pacientes sem medicação profilática, 4 apresentaram remissão endoscópica completa aos 6 meses (16,6%).

Em análises de subgrupos, a estratégia top-down foi associada a um menor risco de recorrência endoscópica pós-operatória aos 6 meses do que a estratégia step-up em pacientes com mais de 40 anos (OR, 0,14 [0,03-0,58], P = 0,008), pacientes com ressecção intestinal >30 cm (OR, 0,09 [0,02-0,47], P = 0,005) ou com cirurgia devido à refratariedade à terapia clínica (OR, 0,28 [0,10-0,74], P = 0,011). Nenhum fator foi associado à superioridade da abordagem step-up em relação à taxa de recorrência endoscópica pós-operatória aos 6 meses. No grupo top-down, ter recebido pelo menos 2 terapias com agentes biológicos antes da cirurgia (OR, 1,73 [1,0-3,06], P = 0,05) foi o único fator associado a um risco maior de recorrência pós-operatória endoscópica. Já no grupo step up, a extensão da ressecção se associou a maior risco de recidiva endoscópica (OR, 4,51 [1,29-15,71], P = 0,018).

Nenhuma diferença significativa entre os dois grupos foi demonstrada em relação ao risco de recorrência clínica pós-operatória (HR, 0,86 [0,44-1,66], P = 0,66). No entanto, nos pacientes que apresentaram recorrência pós-operatória endoscópica aos 6 meses, a abordagem top-down foi associada a uma maior probabilidade de recorrência clínica pós-operatória (HR, 1,92 [1,02-3,59], P = 0,042). No grupo top-down, os fatores associados à recorrência clínica pós-operatória foram cirurgia devido à refratariedade à terapia clínica (HR, 7,19 [2,44-21,15], P < 0,001) e pelo menos 2 terapias biológicas antes da cirurgia (HR, 1,67 [1,17-2,38], P = 0,004). Já no grupo step-up, a cirurgia devido à refratariedade à terapia clínica (HR, 2,61 [1,01-6,96], P = 0,048) foi o único fator associado a um aumento do risco de recorrência clínica pós-operatória.

Após realizar a análise de escore de propensão, não se observou diferença significativa da abordagem top-down em relação à abordagem step-up na prevenção da progressão de danos intestinais (HR, 0,81 [0,63-1,06], valor P ajustado = 0,12). Após análise de escore de propensão, no subgrupo de pacientes sem recorrência endoscópica pós-operatória aos 6 meses, o risco de progressão do dano intestinal foi significativamente menor no grupo top-down em comparação com o grupo step-up (HR, 0,73 [0,63-0,83], P <0,001). Por outro lado, o risco de progressão do dano intestinal foi maior no grupo top-down dentre os pacientes que apresentaram recorrência endoscópica pós-operatória aos 6 meses (HR, 1,58 [1,03-2,42], P = 0,035).

Mensagens práticas

Os dados sugerem que a estratégia top-down deve ser preferida em relação à abordagem step-up para prevenir a recorrência pós-operatória endoscópica, clínica e a progressão do dano intestinal na maioria dos pacientes com DC após ressecção intestinal. A estratégia step up pode ser considerada em pacientes sem fatores de mau prognóstico. Somente 16,6% dos pacientes com DC operados não recidivaram no pós-operatório na ausência de tratamento profilático.

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