Nova declaração da AHA para abordagem em dissecção arterial cervical em adultos

Publicação da American Heart Association abordou o tratamento da dissecção arterial cervical após revisão de literatura

Dissecção arterial é uma causa importante de acidente vascular cerebral, principalmente em jovens. Há dados que reportam que essa condição seja responsável por 2% dos casos de AVC e, em adultos abaixo de 50 anos de idade, essa prevalência fica em torno de 25%.

Geralmente a disseção é atribuída à ruptura do vaso vasorum de uma artéria, gerando trombose intraluminar que, por conseguinte, pode proporcionar formação de estenose, oclusão ou dissecção com formação aneurismática. Embora seja muito associada à trauma, esse evento pode ocorrer em outros contextos clínicos.

A American Heart Association publicou no início desse ano declaração científica acerca do tratamento da dissecção arterial cervical após revisão de literatura realizada com estudos entre janeiro de 1990 e dezembro de 2022.

Nova declaração da AHA para abordagem em dissecção arterial cervical em adultos

Male anatomy of human organs in x-ray view

Qual o fenótipo mais suscetível?

Como mencionado, os acidentes cerebrovasculares ocorridos por dissecção arterial são principalmente em indivíduos abaixo de 50 anos. Portanto, a idade média do diagnóstico dessa condição é de 45 anos, com uma incidência um pouco maior em homens. Interessante que o pico de prevalência de AVC por dissecção varia de acordo com o gênero: em mulheres geralmente a idade é menor (em torno de 30-49 anos) comparada aos homens (50-89 anos).

Qual causa da dissecção?

A patogênese é multifatorial. Pode envolver diversas comorbidades, fatores ambientais, genéticos ou congênitos (incluindo doenças de tecido conjuntivo), fatores anatômicos como processo estiloide alongado (> 30 mm, síndrome de Eagle) ou aumento de tortuosidade vascular.

Em geral, as dissecções carotídeas comumente são originárias da porção distal da carótida interna cervical (2-3 cm acima da bifurcação), enquanto dissecção vertebral majoritariamente ocorre em segmentos de V2 e V3.

Desafios no diagnóstico

  • Desafios clínicos:

A clínica de dissecção arterial cervical geralmente possui natureza inespecífica, tornando a suspeita desafiadora na ausência de déficits neurológicos focais. Na maioria dos casos, os pacientes referem cefaleia, dor cervical, vertigem e presença de tinnitus.

Em dissecção de carótida interna, a dor geralmente é facial, frontal ou temporal; enquanto dissecção de artéria vertebral possui localização da dor mais em região cervical e occipital. Um dado interessante é que pacientes com cefaleia nova ou com piora significativa, na presença de síndrome de Horner parcial, o diagnóstico de dissecção carotídea deve ser suspeitado.

  • Desafios radiológicos e seus achados:

As ferramentas diagnósticas para essa condição consistem em: angiorressonância arterial de crânio, angiotomografia arterial de crânio, ultrassonografia e angiografia cerebral. Historicamente, a angiografia cerebral era exame de referência para demonstrar o conteúdo do lúmen do vaso e delinear achados possíveis para dissecção; porém, recentemente, há evidências de que a angiografia pode trazer informações limitadas da parede do vaso (como o hematoma intramural) e, além disso, possui riscos atrelados ao procedimento.

Em geral, a angio RM e TC possuem boa sensibilidade e especificidade no diagnóstico de dissecção arterial cervical. A angioRM apresenta alta sensibilidade para detectar dissecção carótidea (95%) e menor sensibilidade para dissecção vertebral (60%) ao comparar com a angiografia cerebral. Por outro lado, a angioTC possuem sensibilidade e especificidade similares às medidas de acurácia da angiografia cerebral no diagnóstico de dissecção vertebral.

Ouça também: Highlights AHA – American Heart Association [podcast]

Embora a ultrassonografia seja relatada como possível exame complementar, é importante enfatizar que seu resultado é operador-dependente e apresenta pouca utilidade diagnóstica na abordagem diagnóstica dessa condição, especialmente quando a dissecção ocorre em segmentos cervicais mais altos.

Exames adicionais na abordagem

Pacientes com histórico de dissecção de artéria cervical apresentam maior associação com dilatação de raiz da aorta comparado a controles em estudos. Portanto, a investigação de imagem de aorta pode ser considerada (angiotomografia, angiorressonância ou ecocardiograma) a fim de avaliar tais anormalidades.

Um fator predisponente para desenvolvimento de dissecção arterial cervical são distúrbios do tecido conjuntivo, em virtude de serem um dos principais componentes da parede vascular arterial.

A displasia fibromuscular, uma vasculopatia não inflamatória e não aterosclerótica, em 19% dos casos pode complicar com dissecção arterial cervical. Em casos de pacientes com dissecção arterial cervical e evidência de displasia fibromuscular, o encaminhamento para angiologista com expertise nessa área deve ser considerado. Ademais, em pacientes com histórico de hipertensão (especialmente àqueles com múltiplas dissecções cervicais ou recorrência de dissecção cervical ou evidência de displasia fibromuscular em segmento de artéria não dissecante), deve ser considerado doppler renovascular para hipertensão renovascular.

Além disso, há estudos que demonstram aumento na prevalência de aneurismas cerebrais saculares não relacionados à dissecção nessa população, aproximadamente em 5,5% dos casos com tamanho do aneurisma menor que 5 mm em aproximadamente 2/3 desses pacientes. Dessa forma, deve ser considerado screening de aneurisma cerebral com angioRM ou TC.

Saiba mais: Recomendações para o uso de exames de imagem nas vasculites de grandes vasos

Por fim, outra recomendação é mensurar o comprimento do processo estiloide nesses pacientes com dissecção arterial cervical em virtude dessa variação contribuir, de forma anatômica, para o desenvolvimento dessa condição.

Tratamento na fase aguda do AVC

Trombólise venosa, de acordo com as evidências, aparenta ser terapia elegível para pacientes com acidente cerebrovascular por dissecção arterial cervical em virtude da eficácia desse procedimento e de desfechos relativamente seguros nessa população. Estudos observacionais demonstraram que essa população apresenta evento de transformação hemorrágica com a terapia de trombólise venosa similar ao comparar com indivíduos com AVC sem dissecção arterial cervical. Contudo, vale ressaltar que, para pacientes com AVC por dissecção cervical com extensão para artérias intracranianas, o risco-benefício de trombólise venosa não é bem estabelecido.

A trombectomia mecânica apresenta evidências de que os pacientes com AVC por dissecção arterial cervical possuem desfechos funcionais favoráveis ao comparar com terapia medicamentosa, não apresentando desfechos de segurança comprometedores. Quanto aos indivíduos com AVC por dissecção arterial cervical com oclusões em tandem, a melhor abordagem permanece em debate.

As abordagens incluem: via anterógrada (recanalização primeiro da dissecção extracraniana e depois da oclusão intracraniana) e via retrógrada (recanalização inicial da oclusão intracraniana de grande vaso com abordagem seguinte da dissecção extracraniana). Aparentemente a recanalização pelas duas abordagens aparentam possuir taxas de recanalização e de transformação hemorrágica similares.

Prevenção secundária e indicação de outros tratamentos

A maioria dos acidentes cerebrovasculares por dissecção arterial cervical (em torno de 85%) são resultantes de embolização arteroarterial. Portanto, início de terapia antitrombótica auxilia na redução de risco para embolização futura ou nova formação de trombo. Nesse quesito, antiplaquetários e anticoagulantes são drogas utilizadas para prevenção de AVC na dissecção arterial cervical.

Os estudos CADISS e TREAT-CAD são ensaios clínicos que investigaram a efetividade e a segurança de anticoagulação versus antiplaquetário como terapias para dissecção arterial cervical. No CADISS trial, após 3 meses de intervenção e 12 meses de follow-up, não houve diferenças significativas entre os grupos para recorrrência de acidente cerebrovascular, enquanto na avaliação de desfechos de segurança houve apenas 1 relato de hemorragia subaracnoidea em paciente do grupo de anticoagulação que apresentava dissecção vertebral extracraniana com extensão intracraniana. Já no TREAT-CAD trial, após 3 meses de intervenção, não foi possível provar não inferioridade da aspirina em comparação com antagonista de vitamina K.

Diante disso, a tomada de decisão entre prescrição de anticoagulação ou de antiplaquetário, após uma dissecção aguda da artéria cervical, deve ser realizada de forma personalizada, considerando o risco (principalmente sangramentos) e o potencial benefício (prevenir acidente cerebrovascular diante de características da dissecção que indiquem alto risco para tal complicação, como: oclusão grave e presença de trombo intraluminal).

Portanto, um paciente com características radiológicas de alto risco para AVC após a dissecção com um histórico clínico de baixo risco para sangramento pode se beneficiar de anticoagulação; enquanto, por outro lado, um paciente sem a presença dessas características radiográficas e com elevado risco de hemorragias pode se beneficiar melhor de antiplaquetários em monoterapia ou em rápido curso de terapia dupla (entre 21 e 90 dias para pacientes com AVC minor ou AIT).

Não há dados concretos sobre a duração ótima de terapia antitrombótica. Sabe-se que o risco de recorrência de isquemia atribuída à dissecção arterial cervical possui pico nas primeiras 2-4 semanas após diagnóstico. De acordo com evidências de estudo prospectivo observacional com 1390 participantes, o risco de recorrência de AVC/AIT é baixo (em torno de 1,4%) em 6 meses do diagnóstico e, após esse período de 6 meses, permaneceu baixo (em torno de 3,4%) da amostra valendo ressaltar que, entre os 25 participantes que apresentaram AVC, apenas 1 de fato apresentou relação de recorrência com dissecção arterial cervical.

Preditores na recorrência de dissecção

Os riscos de recorrência após uma dissecção cervical arterial são evidências limitadas na literatura em virtude de estudos heterogêneos quando à duração de follow-up das amostras e da variabilidade do uso de rotina de neuroimagem (que possibilita detecção de recorrência assintomática).

Fatores como idade jovem, displasia fibromuscular e migrânea foram citados como possíveis preditores em alguns estudos citados nessa publicação da Stroke.

O que deve ser orientado ao paciente para evitar recorrências

Atividades diárias que envolvem pequeno trauma em região cranioencefálica possuem associação como fatores de risco para dissecção em 40% dos casos e são eventos mais comuns encontrados na história pregressa de indivíduos acometidos com dissecção arterial cervical. Tais atividades envolvem manipulação cervical (massagem, quiropraxia, yoga), movimentos extremos de pescoço e postura (como hiperextensão), prática de levantamento de peso e atividades esportivas (ski, esportes de contato, golf). É incerto a evidência de que evitar tais atividades associadas à trauma cervical irão reduzir o risco de piora ou recorrência da dissecção.

Acompanhamento com neuroimagem

Um terço dos pacientes com dissecção arterial cervical que apresentam oclusão possuem resolução da neuroimagem com tempo médio de 4 meses em follow-up. Há evidências de que o processo de cura pode continuar até 12 meses do ictus da dissecção, de forma que, após esse período, uma recanalização adicional é rara.

Uma consequência comum da dissecção é o surgimento de aneurisma dissecante cervical. Geralmente essa complicação apresenta maior risco em pacientes com múltiplas dissecções e, geralmente, a presença desse aneurisma não está associado com aumento do risco de recorrência de acidente cerebrovascular ou ruptura. Embora tais aneurismas dissecantes possam possuir crescimento ao longo do tempo, raramente causam sintomas compressivos (como disfagia, roquidão, compressão de estruturas locais como cordas vocais). Em casos de efeito de massa desses aneurismas, pode ser requerido o tratamento com coiling assistido por stent ou stent diversor de fluxo.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Yaghi S, et al. Treatment and Outcomes of Cervical Artery Dissection in Adults: A Scientific Statement From the American Heart Association. Stroke. 2024;0. DOI: 10.1161/STR.0000000000000457