O movimento antivacinas e o aumento dos casos de sarampo

Saiba como as fake news permitiram que o Sarampo, antes uma doença controlada, voltasse a preocupar autoridades e profissionais de saúde no Brasil.

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O sarampo é uma doença infecciosa aguda, de alto contágio, causada pelo vírus RNA pertencente ao gênero Morbilivírus da família Paramoxyviridae, sendo o ser humano o seu hospedeiro exclusivo1. Os sintomas são: erupção cutânea com duração mínima de três dias; febre, geralmente acima de 40ºC, por pelo menos um dia e tosse, coriza e/ou conjuntivite.

Até o final da década de 80, o sarampo era uma doença endêmica no território nacional, com epidemias a cada dois ou três anos. Em 1990 houve a última grande epidemia de sarampo no Brasil, com mais de 45 mil casos registrados da doença. Em 1992 deu-se o início ao Plano de Controle e Eliminação do Sarampo que, entre outras estratégias, teve a Campanha Nacional de Vacinação contra o Sarampo, alcançando uma taxa de 96% de adesão da população alvo, uma marca nunca alcançada em territórios tão grandes quanto o brasileiro1,2. Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de erradicação do sarampo, pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS)3.

A imprensa e os boletins oficiais de órgãos governamentais retratam o aumento de casos de sarampo, não só no Brasil, mas como em todo o mundo. No caso brasileiro, o vírus tem penetrado no território nacional principalmente pela região norte, onde ocorre um grande êxodo de venezuelanos para o Brasil. A Venezuela tem registrado epidemias de sarampo desde 2017. Além da crise migratória de venezuelanos para a região norte do Brasil4, temos o crescimento dos movimentos antivacinas em todo o mundo, o que explica o aumento de casos de sarampo não só no país, mas mundialmente. Só conseguiremos reverter o atual panorama do paradigma da vacinação compreendendo o movimento antivacinas, suas origens e estratégia de propagação.

Leia maisSarampo: novo panorama sobre a doença no Brasil

O movimento antivacinas não tem origem bem determinada, entretanto, em meados do século XX, já é possível identificar o termo “vacinose”, utilizado para associar diversas doenças agudas e crônicas a reações vacinais. Esse grupo ganhou ainda mais fôlego em 1998, quando o médico Andrew Wakefield publicou na revista The Lancet o artigo “MMR vaccination and autism” (tríplice viral e autismo, em tradução livre), que associava a vacinação contra o sarampo, caxumba e rubéola à ocorrência de síndrome do espectro autista. Anos depois, esse estudo foi reconhecido como fraudulento e o autor foi expulso da comunidade científica internacional e proibido de exercer a medicina, entretanto os impactos negativos desse trabalho perduram até hoje6,7.

Atualmente as redes sociais têm possibilitado ampla disseminação de conteúdos para a grande massa. Elas democratizaram não só o acesso à informação como universalizaram a produção de conteúdo. Nesse sentido, houve grande evolução do ponto de vista da oportunidade da expressão de opinião, entretanto o mau uso de tal possibilidade para criar ou manipular notícias não enfrenta dispositivos legais e operacionais para a responsabilização e fiscalização do conteúdo produzido e replicado em larga escala. Nesse sentido, observamos o surgimento das fakenews, que ganharam a mídia e têm interferido diretamente no comportamento das pessoas por elas atingidas8.

O movimento antivacinas, que há pouco tempo era formado por seguimentos populacionais com mais recursos, com acesso a terapias auxiliares e alimentação saudável, hoje alcançou segmentos mais populares da sociedade, usando de maneira inteligente e sutil, as redes sociais e penetrando em um público que outrora não conseguiria.

sarampo

O que fazer para vencer a batalha contra fakenews?

Médicos, enfermeiros e todos os outros profissionais de saúde possuem a função social da promoção de saúde. Muito mais do que o trabalho direto com o usuário, nos ambientes tradicionais de assistência à saúde (hospitais, clínicas, consultórios, unidades básicas de saúde) esses profissionais devem utilizar todas as estratégias possíveis para desmistificar notícias falsas, denunciar às plataformas e/ou autoridades competentes e disseminar as informações corretas.

A promoção da saúde, além das ações governamentais, se dá por um compartilhamento de uma postagem como essa, em uma conversa informal com amigos entre tantas outras formas que muitas vezes não identificamos como ambiente propício para a promoção da saúde8. Se os propagadores de fakenews conseguem utilizar as mais diversas oportunidades para a disseminação de falsas notícias, por que não conseguimos espalhar saúde através de informações relevantes para a saúde da coletividade8?

Combatendo fakenews

  • E de fato, quais são as contraindicações reais da tríplice viral?9
  • Anafilaxia a dose anterior da vacina.
  • Gravidez
  • Pessoas com imunodeficiências congênitas ou adquiridas (em casos de surto avaliar custo/benefício de maneira individualizada).
  • Pessoas em uso de corticosteroides em doses imunossupressoras por, pelo menos, 1 mês após o término do tratamento
  • Pessoas em uso de quimioterapia imunossupressora (vacinar após, pelo menos, 3 meses do término do tratamento)
  • Transplantados de medula óssea (vacinar 2 anos após o transplante)

Eventos adversos reais

São incomuns, mas podem ocorrer as seguintes reações locais:
por edema e/ou vermelhidão extensos, limitação de movimentos acentuada e duradoura. Podem ocorrer

  • Ardência de curta duração,
  • Eritema
  • Hiperestesia
  • Enduração
  • Linfadenopatia regional.
  • Nódulo ou pápula com rubor (sugestivo de hipersensibilidade aos componentes da vacina)
  • Reações sistêmicas:
  • Febre alta, entre o 5º e o 12º dia
  • Cefaleia, irritabilidade, conjuntivite e/ou manifestações catarrais, entre o 5º e o 12º dia
  • Exantema entre o 7º e o 14º dia (pode ocorrer em até 5% dos vacinados pela primeira vez)
  • Linfadenopatia entre o 7º e o 21º dia, pode ocorrer em 1% dos vacinados pela primeira vez.

Conduta: notificação, investigação (para descartar outros motivos além da vacinação) e tratamento sintomático. IMPORTANTE: A presença de qualquer um desses sintomas não contraindica vacinação posterior.9

Conheça o sarampo

As manifestações clínicas do sarampo são febre alta (alguns autores relatam acima de 38,5ºC e outros acima de 40ºC), exantema máculo-papular generalizado, tosse, coriza, conjuntivite e manchas de Koplik. O exantema ocorre geralmente 14 dias após a exposição ao vírus, e o contágio de quatro dias antes a até quatro dias após o aparecimento das lesões cutâneas10,11.

A evolução clínica é divida em 4 etapas:

  • incubação (ou infecção),
  • prodômico,
  • toxêmico e
  • remissão 11,12 .

–> Período de incubação: três dias após o contágio. É importante para identificar qual o possível local de infecção;
–> Período prodrômico: com duração de dois a quatro dias, é o período de surgimento dos principais sintomas como febre, tosse produtiva, coriza, conjuntivite com fotofobia, lacrimejamento e edema palpebral. No último a três últimos dias desse período, é possível perceber na mucosa oral, palato, conjuntiva e/ou mucosa vaginal, as manchas de Koplik (manchas com 2 a 3mm de diâmetro, branco-azuladas), com duração de um a três dias10-12.
–> Período exantemático: subsequente ao período prodrômico, é caracterizado pelo surgimento de exantema maculopapular não pruriginoso, inicialmente retroauricular e posteriormente espalhando-se por todo o corpo de maneira descendente, raramente atingindo planta dos pés e palma das mãos. Até 48h depois do aparecimento do exantema, os sintomas tendem a regredir10,12.

No 4º dia surge o exantema (exantema cutâneo máculopapular de coloração vermelha, iniciando na região retroauricular, de caráter descendente), que em três dias atinge todo o corpo, concomitante com a piora do quadro de prostração10,12.

  • Período toxêmico: nessa fase, a ocorrência de superinfecção viral ou bacteriana é facilitada pelo comprometimento da resistência do hospedeiro à doença. São frequentes as complicações, principalmente nas crianças até os dois anos de idade, especialmente as desnutridas e os adultos jovens10-12.
  • Período de remissão: Em torno de quatro dias após o aparecimento do exantema, a pele vai tomando tons mais acastanhados, seguido de descamação e desaparecimento dos exantemas, na mesma ordem do surgimento. A febre tende a cessar concomitantemente ao desaparecimento do exantema. A tosse pode se prolongar por várias semanas10-12.

Complicações: febre por mais de três dias após o aparecimento do exantema é um sinal de alerta e pode indicar o aparecimento de complicações, sendo mais comuns em crianças abaixo de cinco anos, pessoas desnutridas, com imunodeficiência, gestantes e adultos acima de 20 anos. As complicações mais comuns são infecções secundárias como infecções respiratórias, otites, doenças diarreicas e neurológicas, mas também podem ocorrer laringite, encefalite aguda do sarampo, panencefalite esclerosante subaguda, cegueira, hepatite, apendicite, ileocolite e adenite mesentérica10-12.

Recomenda-se manter a criança hidratada, controlar a febre e tratamento sintomático, o único tratamento específico recomendado pela OMS é a suplementação de Vitamina A imediatamente ao diagnóstico em crianças para prevenção da cegueira nas seguintes doses:

  • Crianças menores de seis meses de idade: 50mil UI dois dias seguidos;
  • Entre seis e 12 meses de idade – 100 mil U.I dois dias seguidos;
  • Maiores de 12 meses de idade – 200 mil U.I dois dias seguidos10-13.

Referências:

  1. VERAS, RP., et al., orgs. Epidemiologia: contextos e pluralidade [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1998. 172 p. EpidemioLógica series, n°4. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/p5z3b/pdf/veras-9788575412633-12.pdf>. Acessado em 17/03/2019.
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Imunizações 30 anos/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2003. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro_30_anos_pni.pdf>. Acessado em 15/03/2019.
  3. Mendes, A. Agência Saúde – Ministério da Saúde. 27 de setembro de 2016. Disponível em: <http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/25846-brasil-recebe-certificado-de-eliminacao-do-sarampo> Acessado em 15/03/2019.
  4. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Situação dos Casos de Sarampo nos Estados de Roraima e Amazonas – 2018. Informe Nº 6| 2017/2018 2. Disponível em: <http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/maio/07/Boletim-n6-Sarampo.pdf>. Acessado em 17/03/2019
  5. Comunidade antivacina está por trás do maior surto de catapora em décadas em Estado americano, aponta investigação. BBC. 20 de novembro de 2018. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/geral-46272988 >. Acessado em: 1/03/2019.
  6. LEVI. G. Recusa de vacinas: causas e conseqüências. São Paulo: Segmento Farma, 2013
  7. Wakefield, A.J. ( 1999). MMR vaccination and autism. Lancet, 354, 949– 950
  8. Sanches, S., & Cavalcanti, A. (2018). Direito à Saúde na Sociedade da Informação: A Questão das Fake News e seus Impactos na Vacinação. Revista Jurídica, 53(4), 448 – 466. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/3227>. Acessado em 15/03/2019
  9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de vigilância epidemiológica de eventos adversos pós-vacinação / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2008. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_pos-vacinacao.pdf> Acessado em 17/03/2019.
  10. Bentley, J; Rouse, J; Pinfield, J. Measles: pathology, management and public health issues. Nursing Standard. 2014. 28, 38, 51-58.
  11. Mello, JN; Haddad, DAR; Camara, GNPA; Carvalho, MS; Abrahão, NM; Procaci, VR. Panorama atual do sarampo no mundo Risco de surtos nos grandes eventos no Brasil. JBM. jan./fev., 2014. v. 102. n. 1. Disponível em: <http://files.bvs.br/upload/S/0047-2077/2014/v102n1/a4023.pdf> Acessado em: 15/03/2019
  12. Lemos Junior, HP; Lemos, ALA. Vitamina A. Diagn Tratamento. 2010;15(3):122-4. Disponível em: <http://files.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n3/a1534.pdf>. Acessado em 15/03/2019
  13. Darlow BA, Graham PJ. Vitamin A supplementation to prevent mortality and short and long-term morbidity in very low birthweight infants. Cochrane Database Syst Rev. 2007;(4):CD000501.

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