O que sabemos até o momento sobre a Covid-19 na infância?

Em revisão bibliográfica publicada em setembro são sumarizados alguns conceitos, disponíveis até agora, sobre a Covid-19 na infância.

A partir dos primeiros casos em Wuhan, China, a infecção pelo novo coronavírus de 2019 (SARS-CoV-2) rapidamente se disseminou pelo mundo, afetando indivíduos de todas as faixas etárias. À semelhança dos SARS-CoV e MERS-CoV, outros coronavírus de importância humana que foram responsáveis por surtos em 2002 e 2012, o SARS-CoV-2 (causador da Covid-19) é menos prevalente e cursa com quadros mais brandos na infância, quando comparados aos adultos. Na revisão bibliográfica de De Luca e colaboradores (2020), publicada em setembro na Paediatric Respiratory Reviews são sumarizados alguns conceitos, disponíveis até então, sobre a doença do coronavírus de 2019 (Covid-19) na faixa etária pediátrica.

Revisão tenta compreender como a Covid-19 se comporta na infância

Crianças cursam com menor gravidade, pois possuem elevada quantidade de receptores ACE2 e ativação da resposta inata ao SARS-CoV-2 mais efetiva que adultos  

O SARS-CoV-2 penetra nas células humanas através dos receptores ACE2 (receptor da enzina conversora de angiotensina II), encontrados no pulmão, intestino, coração e rins. Estudos em modelos animal e humano demonstram uma diminuição dos receptores ACE2 com o avançar da idade, sugerindo que a alta expressão desses receptores em crianças possui efeito protetor, o que explicaria a menor gravidade da infecção na infância.

Outra possível explicação possível seria o fato de crianças apresentarem uma ativação da imunidade inata mais efetiva, quando comparadas a adultos. Possivelmente isso ocorreria devido à alta incidência de infecções virais nesta faixa etária e aos esquemas vacinais, potencialmente capazes de gerar imunidade cruzada. Além disso, crianças exibem uma quantidade maior de linfócitos e células Natural Killer. Os estudos anteriores com o SARS-CoV e MERS-CoV e achados iniciais com SARS-CoV-2 demonstram que a gravidade da infecção se relaciona muito mais com uma resposta imune aberrante ao vírus, culminando com a chamada “tempestade de citocinas”, do que por efeito citopático direto. Com isso, ao exibirem uma ativação da resposta inata mais bem orquestrada ao entrarem em contato com o SARS-CoV-2, crianças cursariam menos comumente com estados pró-inflamatórios que estão implicados com maior gravidade.

Crianças são menos acometidas que adultos pelo SARS-CoV-2  

Estudos provenientes dos Centro de Controle de Doenças Europeu (do inglês, European Centre for Disease Prevention and ControlECDC) e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (do inglês, US Centers for Disease Control and Prevention US CDC) demonstraram que menores de 18 anos representam até 3,6% do total de casos de infectados. Além disso, na infância, o risco de morte é muito menor, com taxas de letalidade reportadas pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças variando entre 0 e 0,2%. Em contrapartida, em adultos, dados do Instituto Nacional Italiano de Saúde revelam uma taxa de letalidade de 13,7%.

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Crianças infectadas cursam com manifestações clínicas brandas

Crianças infectadas cursam com sintomas de vias aéreas superiores mais comumente que adultos. De acordo com uma casuística de 171 pacientes com diagnóstico confirmado na China, os sintomas mais prevalentes foram: tosse, hiperemia de orofaringe, taquipneia, rinorreia e congestão nasal. Evolução para hipoxemia, desconforto respiratório, letargia, recusa alimentar e rebaixamento de consciência foram possíveis, porém raros. Os assintomáticos representaram 15,8% do total de casos.

Se crianças assintomáticas são capazes de transmitir o SARS-CoV-2 é um tema que permanece sob forte discussão. Um estudo envolvendo tanto crianças sintomáticas quanto assintomáticas encontrou cargas virais semelhantes entre elas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que, embora menos comum, a transmissão por assintomáticos é possível, sobretudo nos dois primeiros dias precedendo os sintomas. No entanto, mais estudos são necessários para essa avaliação.

Recentemente, uma entidade clínica com características em comum com a Síndrome de Kawasaki e síndrome do choque tóxico tem sido descrita em crianças previamente infectadas. Embora incomum na população geral, pode cursar com gravidade. Mais de 200 casos estão sob investigação nos Estados Unidos e Europa.

Quais as comorbidades mais frequentemente associadas à infecção pelo SARS-CoV-2 na infância?

De acordo com dados de base populacional do US CDC, as comorbidades mais frequentemente associadas à infecção pelo SARS-CoV-2 na infância foram doença pulmonar crônica (11,6%), doença cardiovascular (7,2%) e imunossupressão (2,9%). Os dados da Covid-19 em pacientes com condições subjacentes são limitados e pouco se tem disponível até o momento sobre fatores de risco para piores desfechos.

Crianças exibem achados laboratoriais inespecíficos e podem exibir alterações na tomografia de tórax

O diagnóstico microbiológico do SARS-CoV-2 é semelhante entre crianças e adultos. Quanto às alterações laboratoriais, crianças podem cursar com linfocitopenia em casos graves, porém apresentam laboratório normal na maioria dos casos. Marcadores inflamatórios como proteína C-reativa e procalcitonina podem estar normais ou elevadas. Crianças, assim como adultos, podem exibir alterações na tomografia de tórax mesmo em estágios precoces da infecção, sendo as mais comum as opacidades em vidro fosco. Um achado típico nos pacientes pediátricos é a consolidação pulmonar circundada por um halo de opacidade em vidro fosco (sinal do halo). Zonas de fibrose residual podem estar presentes no período de convalescença.

Saiba mais: Covid-19 também pode ser considerada também uma doença vascular?

Evidências disponíveis sobre possibilidade de transmissão vertical, amamentação e infecção congênita

A possibilidade de transmissão vertical do SARS-CoV-2 segue em investigação. Até o momento da publicação da presente revisão, existem poucos dados que evidenciem esta via de transmissão. No entanto, é importante ressaltar que Vivanti e colaboradores (2020) demonstraram a presença do vírus no sangue, swab nasofaríngeo e swab vaginal de gestante com infecção periparto e sintomática. O vírus também foi isolado no líquido amniótico antes da ruptura de membranas ovulares. Após o nascimento por via cesariana, foi confirmada a presença do SARS-CoV-2 na placenta em grande quantidade; no sangue e no lavado broncoalveolar do recém-nascido. Os swabs nasofaríngeo e retal do neonato foram coletados com 1 hora, 3 e 18 dias de vida e todos foram positivos para SARS-CoV-2. Tais achados sugerem possibilidade de transmissão vertical, ainda que incomum. Além disso, embora não exista evidência de transmissão do SARS-CoV-2 através da amamentação, o material genético do vírus já foi detectado no leite humano (GROSS et al., 2020). Mais estudos são necessários, porém até o momento, tanto o parto vaginal quanto a amamentação são recomendados.

Quanto à possibilidade de infecção congênita, um estudo investigou 33 neonatos nascidos de mães com infecção pelo SAR-CoV-2 no momento do parto. Destes, 3 apresentaram RT-PCR positivo em amostras de secreção faríngea e retal e alterações na radiografia de tórax sugestivas de pneumonia. Um deles evoluiu com quadro pulmonar grave, explicado por outras causas como prematuridade, asfixia perinatal e sepse, dificultando o nexo causal com a infecção pelo SARS-CoV-2. Outro trabalho envolvendo 10 recém-nascidos evidenciou que a infecção materna pode cursar com sofrimento fetal, trabalho de parto prematuro, desconforto respiratório, plaquetopenia e até morte. No entanto, não houve confirmação microbiológica da infecção neonatal.

Lacunas de conhecimento

Embora atualmente possamos afirmar que crianças são menos acometidas e, que uma vez infectadas pelo SARS-CoV-2 evoluem com menor gravidade quando comparadas a adultos, persistem muitas lacunas de conhecimento a respeito da infecção na faixa etária pediátrica.

  • É urgente compreender melhor o real impacto das crianças assintomáticas na dinâmica de transmissão.
  • Neonatos nascidos de mães com história de infecção por SARS-CoV-2 precisam ser cuidadosamente monitorados para investigar potenciais manifestações clínicas no período neonatal.
  • Estudos clínicos e pré-clínicos focados na transmissão, patogênese e resposta imune são necessários.

Referências bibliográficas:

  • De Luca CD, Eesposito E, Cristiani L, et al. Covid-19 in children: A brief overview after three months experience. Paediatric Respiratory Reviews. 2020;35:9-14. doi: 10.1016/j.prrv.2020.05.006
  • Vivanti AJ, Vauloup-Fellous C, Prevot S, et al. Transplacental transmission of SARS-CoV-2 infection. Nature Communications. 2020;11(1):3572, 2020.
  • Gross R, Cconzelmann C, Müller JA, et al. Detection of SARS-CoV-2 in human breastmilk. Lancet (London, England), 2020.

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