Tempo de leitura: 4 min.
De acordo com o relatório “Global Burden of Diseases”, publicado no The Lancet em 2020, sabemos que em 2019 o Brasil apresentou como principais causas de morte as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Tratando-se de um país que ainda não atingiu a maturidade de sua transição demográfica, ainda é esperado um aumento ainda maior na incidência dessas doenças. Dentre os principais fatores de risco para eventos cardiovasculares, encontra-se o elevado nível de colesterol LDL. O uso de estatinas se consolidou como terapia farmacológica de escolha tanto na prevenção primária, quanto secundária. O uso prolongado dessa classe medicamentosa (principalmente a partir do segundo ano de uso) reduz a incidência de eventos vasculares. No entanto, pouco se sabe sobre a segurança do uso prolongado e quando devemos suspender a medicação.
Leia também: O uso de estatinas está associado à progressão do diabetes?
Durante o cuidado de pacientes em cuidados paliativos alguns fatores devem ser sempre ponderados: multimorbidade, polifarmácia, insuficiências orgânicas, alterações metabólicas, interação medicamentosa, e custo financeiro. Assim, será que é seguro suspender as estatinas nos pacientes com doença que limite a sobrevida a curto prazo?
Publicado em maio de 2015 no JAMA Internal Medicine, o estudo “Safety and Benefit of Discontinuing Statin Therapy in the Setting of Advanced, Life-Limiting Illness: A Randomized Clinical Trial” se propõe a avaliar essa discussão. Seu objetivo foi avaliar a segurança, impacto clínico e financeiro da descontinuidade das estatinas no paciente em cuidados paliativos.
Foi elaborado um ensaio clínico randomizado multicêntrico, sem cegamento. Os pacientes foram randomizados em dois grupos: continuar versus descontinuar o uso da estatina, com acompanhamento pelo período de junho/2011 a maio/2013. Foram incluídos 381 pacientes, sendo 189 para descontinuidade e 192 para manutenção da terapia. A randomização foi estratificada para a localidade e história de doença cardiovascular prévia.
Foram incluídos pacientes acima de 18 anos que atendessem aos seguintes critérios:
Foram excluídos do trabalho pacientes onde:
Nos pacientes incluídos no grupo intervenção, a estatina era suspensa, enquanto a medicação era mantida no grupo controle. Algumas características dos pacientes devem ser ressaltadas: a média de idade foi 74 anos, 22% possuíam déficit cognitivo, 48,8% apresentavam câncer como diagnóstico primário, 58% tinham doença cardiovascular prévia, 69% usavam estatina há mais de 5 anos, e 36% estavam internados em instituição de longa permanência ao início do estudo.
O desfecho primário avaliado foi a proporção de mortes em 60 dias. Desfechos secundários importantes avaliados foram a sobrevida, e o tempo até o primeiro evento cardiovascular. Uma análise de custo do tratamento com estatinas também foi incluída no protocolo.
Não houve diferença estatisticamente significativa na mortalidade em 60 dias entre os grupos (23,8% versus 20,3%; IC90%, −3,5% a 10,5%; p=0,36). A sobrevida média dos pacientes foi de 7 meses. A qualidade de vida (QOL) autorreportada pelos pacientes foi superior no grupo onde a estatina foi descontinuada (média do escore McGill de QOL: 7,07 versus 6,74; p=0,03). No grupo onde a medicação foi suspensa, a redução média de custos foi de $3,37 dólares por dia, e $716 dólares por paciente.
Saiba mais: Cultivando a noção prognóstica em cuidados paliativos
Não houve diferença significativa na incidência de eventos cardiovasculares entre os grupos (13 eventos no grupos onde a estatina foi suspensa, e 11 eventos no grupo onde a medicação foi mantida). Não houve diferença significativa em sintomas relacionados às estatinas, como mialgia, astenia, cefaleia ou febre (7,0 versus 7,2; p=0,71).
O número total de medicações (não estatinas) usadas pelos pacientes, foi significativamente menor no grupo onde a medicação foi suspensa (redução absoluta de 0,7 medicações; IC95% 10,1 versus 10,8; p=0,03).
Baseando-se nos resultados apresentados pelo estudo, é bastante razoável discutir a suspensão das estatinas nos pacientes em cuidados paliativos, quando é esperada uma sobrevida menor que 12 meses. Essa intervenção parece não aumentar o risco de morte ou eventos cardiovasculares, além de promover melhor qualidade de vida, menor polifarmácia, e menor custo mensal.
Assim, conforme as diretivas de cuidado transicionam para a priorização da qualidade de vida, essa discussão deve ser introduzida junto com o paciente. Para tal, é fundamental a manutenção de um bom vínculo entre médico-paciente, assim como entender as expectativas do paciente em relação às estatinas.
Referências bibliográficas:
As terapias triplas baseadas em inibidores de bomba de prótons reduziu as taxas de erradicação…
A vacinação contra covid-19 em grávidas pode diminuir as chances de manifestação da doença em…
O risco de hipofluxo placentário parece ser mais frequente em casos de placenta lateral, podendo…
A conferência europeia da Organização Mundial de Médicos de Família (WONCA 2022) acontece em Londres…
Em 1907, James Ramsay Hunt descreveu diversos casos médicos que hoje configuram a Síndrome de…
O uso de anti-TNF está relacionado ao aumento no risco de infecções e reações, além…