Um avanço no sistema de saúde foi a inclusão de raça e cor nos sistemas de informação para ajudar na identificação da vulnerabilidade da população negra. A questão se tornou mais séria com a portaria nº 344 do ministério de saúde elaborada em 2017. Durante a pandemia do Covid-19, muitos problemas para identificar o adoecimento da população aconteceram e um desses problemas foi a identificação de raça/cor. Esta não foi elegível para análise nos boletins epidemiológicos iniciais, mas foi incorporado como categoria dos casos confirmados após o posicionamento da Sociedade Brasileira de Médicos de Família e Comunidade, além das instituições de defesa dos direitos das pessoas negras. Mesmo com tal obrigatoriedade, há escassez da informação sendo que fichas de atendimento sem a informação chegam ao dobro daquelas que possuem a informação e isso apresenta o tamanho da invisibilidade dessa temática, principalmente frente ao alcance do principio da equidade.
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Impacto da falta de dados
Podemos compreender que há racismo sistemático, considerando sua multidimensionalidade. Além disso, diminui a possibilidade da realização de estudos que possam objetivar revelar indicadores para facilitar as práticas de cuidado a essa população. Em alguns países há estudos que mostram piores taxas de mortalidade na população negra, indicando a necessidade de atenção aos dados aqui no Brasil. O desrespeito de um dos melhores sistemas de saúde do mundo começa com inobservância governamental dos próprios princípios balizadores do sistema de saúde. O Brasil é alvo de muitas críticas na gestão da atenção à saúde da população em relação a pandemia e dados dessa natureza devem ser melhor compreendidos. Milhares de famílias passaram e passam por dificuldades econômicas durante a pandemia e a população negra é grupo de vulnerabilidade, lembrando que as condições econômicas e sociais alteram a saúde da população.
A associação brasileira de saúde coletiva (ABRASCO), em 29 de setembro de 2021, apresentou manifesto em seu site, de acordo com texto elaborado pelo GT Racismo e Saúde/Abrasco com apoio institucional do UNFPA, sendo publicado originalmente pelo site Carta Capital em 28 de setembro. O manifesto ou artigo, versa sobre a atuação governamental que tem sido marcada pelas tentativas de ocultar a vulnerabilidade da população negra durante a pandemia. Descortinar as desigualdades sistêmicas entre grupos étnico-raciais é necessário, já que durante a pandemia, a informação pelo sistema do governo não vem contribuindo para análise de informações que possam servir para a produção do cuidado. A variável raça/cor é importante, pode gerar dados para cuidado dessa população em questão.
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A falta de dados relativos ao adoecimento da população negra durante a pandemia revela a não realização da obrigação de fazer prevista em lei, prevista também na Política Nacional de Saúde a População Negra- PNSIPN. Dessa forma o planejamento de cuidados a populações que vivem historicamente em situação de vulnerabilidade não acontecerá de forma efetiva, claro se isso for medida de atenção para dado governo, mesmo sabendo que é um plano de Estado e não de governo, o que revela que deveria ser realizado. Outro ponto importante é em relação à vacinação, que para essa população necessita de avaliações criteriosas da equipe de saúde. Existe grande diferença em vacinar uma pessoa com alto nível de escolaridade, que vive em regiões com estrutura e que possua rede de cuidado quando comparamos a vacinar pessoas em condições de vulnerabilidade, com baixa escolaridade, que moram em locais longínquos e em territórios violentos e complexos. Nessa segunda hipótese temos um território com maioria de população negra e pobre. Por isso, devemos compreender que pra se atingir equidade há necessidade de intervenção do Estado.
Mensagem final
A PNSIPN busca complementar a política universal da saúde pública estimulando os instrumentos de gestão para a melhoria das condições da saúde da população negra no Brasil. Precisamos levantar discussões na sociedade durante a pandemia para pensar em ações para melhorar as condição de saúde da população. Essa questão precisa estar em evidência em um plano de cuidados a população negra durante a pandemia pois é esta é mais vulnerável e isso acontece por um processo histórico que pode demorar para ser modificado enquanto o Estado e sociedade não compreender a necessidade de atenção que esta população carece. Ao final, podemos concluir que é difícil saber os impactos da pandemia à população negra sem a devida importância a dados tão importantes. Esperamos ainda que se solidifiquem estratégias para que o levantamento de dados possam ser instrumento de cuidado dos profissionais de saúde.
Referências bibliográficas:
- Santos MPA, et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados [online]. 2020;34(99):225-244. doi: 10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
- ABRASCO – Associação brasileira de Saúde Coletiva. Pandemia: Negligência na coleta de dados potencializa vulnerabilidade da população negra. produção do GT Racismo e Saúde/Abrasco com apoio institucional do UNFPA. Feito originalmente em 29/09/2021. [Acessado 14 Outubro 2021]. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/opiniao/artigo-negligencia-coleta-dados-populacao-negra/62291/
- Faustino DM. A universalização dos direitos e a promoção da equidade: o caso da saúde da população negra. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2017;22(12):3831-3840. doi: 10.1590/1413-812320172212.25292017