Quais os perigos do slime caseiro para as crianças?

O slime caseiro consiste em uma mistura de itens, como cola de polivinil acetato (a cola branca de escola), água e ácido bórico (H3BO3). Entenda os riscos:

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Recentemente, o caso de uma menina de 12 anos internada em São Paulo por intoxicação exógena após brincadeira com slime repercutiu em diferentes noticiários e redes sociais1. A criança estava internada por mais de uma semana com um quadro de gastroenterite associada a um aumento de linfonodos. Os exames complementares não constatavam alterações e o médico, segundo a mãe da criança, desconfiou dos slimes que a menina produzia no quarto do hospital, concluindo que o quadro clínico da criança era atribuído a uma intoxicação por ácido bórico1. Contudo este não é um caso isolado

slime

O que é slime?

Slime é uma palavra inglesa cujo significado mais formal é “lodo”, “lama viscosa” ou “substância gelatinosa”2. Em tradução livre quer dizer “gosma” ou “baba”1. O slime é um modismo atual que se tornou popular entre crianças e adolescentes em diversos países. O preparo do slime caseiro diverte tanto quanto brincar com ele e existem diversos tutoriais disponíveis online para cria-lo com diferentes texturas e aparências3,4. O slime caseiro é semelhante a produtos industrializados (Amoeba®, Geleka®) e é feito à mão por crianças. No entanto, sua preparação é baseada, muitas vezes, em uma mistura de itens, como cola de polivinil acetato (a cola branca de escola), água e ácido bórico (H3BO3), também conhecido como borato de sódio ou bórax.

O bórax age como um “ativador” que se combina com moléculas de cola na água para formar ligações fracas. As moléculas então se movem juntas, mas não endurecem, tornando-se um polímero elástico. A receita básica pode ser aprimorada pela adição de outros compostos para obter variadas densidades e efeitos de cores. Algumas adições comuns são espuma de barbear (que deixa o slime “fofo”), detergentes, soluções para lentes de contato, bem como corantes, esmaltes e glitter3,4,5,6,7. Infelizmente, acidentes durante o preparo caseiro dos slimes, principalmente com o bórax, envolvendo ingestão, inalação ou contato, foram relatados recentemente, e a gravidade varia de acordo com o conteúdo e/ou a quantidade do produto7.

Perigos do Bórax

O bórax é encontrado no ambiente e pode estar presente naturalmente em alimentos (como frutas e legumes) e água potável. No entanto, inúmeros produtos o apresentam em sua composição, não apenas os slimes, mas também pesticidas, produtos de limpeza, materiais de artesanato, cosméticos, produtos químicos para piscinas e medicamentos8.

Relatos de intoxicação infantil pelo bórax eram comuns na literatura médica antes de 1975. No entanto, um declínio no seu uso como agente bacteriostático, juntamente com um aumento no controle regulatório, quase eliminou as intoxicações por ingestão acidental. O Anexo I (Parte I, Item 8) da Hazardous Products Act of Canada (Lei de Produtos Perigosos do Canadá), proclamada no final dos anos 60, seguiu-se à preocupação com o envenenamento acidental e proibiu seu uso em brinquedos. Desde então, o conhecimento científico aumentou e levou a uma reavaliação do perigo associado ao bórax4.

Recente avaliação de risco do bórax pela agência nacional de saúde canadense Health Canada descobriu que a exposição excessiva ao bórax tem o potencial de causar efeitos no desenvolvimento e na saúde reprodutiva. Como os canadenses já estão expostos ao bórax naturalmente por meio de suas dietas e água, a Health Canada recomenda que a exposição por meio de outras fontes seja reduzida o máximo possível, especialmente para crianças e gestantes. A preocupação não é com qualquer produto, mas com múltiplas exposições de uma variedade de fontes. Atualmente, a Health Canada está aconselhando os canadenses a evitar o uso do bórax em projetos de artes e brinquedos, como slimes ou modelagem de argila, e desaconselha a fabricação de pesticidas caseiros com bórax8.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou recente comunicado alertando que o bórax vem sendo usado e vendido inadequadamente como ativador do slime. O uso do bórax com esta finalidade não é regulamentado pela Anvisa, inclusive a agência proibiu, em 2002, a comercialização de um brinquedo conhecido como “Meleca Louca” exatamente devido à presença do bórax.

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Portanto, seu uso deve ser restrito aos fins autorizados (como na composição de fertilizantes, produtos de limpeza e determinados medicamentos) e nas doses recomendadas pelas autoridades competentes. Trata-se de um produto químico, não devendo ser manipulado por crianças. Se inalado ou ingerido, pode causar intoxicação e levar às seguintes manifestações clínicas: náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarreia com coloração esverdeada/azulada, cianose de extremidades ou central, hipotensão, perda de consciência e choque cardiovascular9.

Além disso, o contato manual com esses ingredientes utilizados para o preparo do slime caseiro e/ou produto final pode causar reações adversas na pele, como dermatite de contato. A gravidade pode variar de acordo com o produto manipulado e a duração da exposição7. Alergênicos e irritantes são mais propensos a causar dermatite em concentrações mais altas, com uso prolongado ou quando a barreira cutânea está comprometida. As manifestações clínicas incluem eritema, descamação, vesículas e, em casos mais crônicos, distrofia ungueal, incluindo onicomadese4.

Com o contato repetido, pode haver sintomas persistentes de edema, sensação de formigamento e vermelhidão. O bórax tem um pH de 9,0, portanto, pode causar uma queimadura alcalina5. Além disso, a cola contém acetato de polivinila, um plástico incompleto, e pode conter metilcloroisotiazolinona e metilisotiazolinona, dois alérgenos de contato bastante conhecidos3. Outros alérgenos de contato conhecidos também são encontrados na espuma de barbear, nas soluções para lentes de contato e em detergentes líquidos usados no preparo dos slimes, como o lauril sulfato de sódio, miristamidopropil dimetilamina e propilenoglicol3.

Precauções

Algumas precauções devem ser tomadas pelos pais no intuito de evitar complicações relacionadas ao bórax em crianças8:

  • Usar receitas caseiras para slime que não contenham o bórax;
  • Verificar o rótulo de produtos para termos como “bórax” e “ácido bórico”. Você também pode entrar em contato com o fabricante para saber se seus produtos contêm ácido bórico;
  • Seguir todas as instruções sobre produtos de limpeza. Armazenar os produtos de limpeza fora da visão e do alcance das crianças;
  • Descarte os produtos químicos corretamente com base nas instruções do fabricante8.

A Anvisa recomenda as seguintes medidas em caso de suspeita de intoxicação pelo bórax9:

  • Não provocar vômitos;
  • Não ingerir água, leite ou qualquer outro líquido.
  • Contactar o Centro de Informações Toxicológicas (CIT) local. Se recomendado pelo atendente do centro, procurar atendimento médico com urgência9.

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Referências:

  1. G1. Mãe diz que filha foi internada em SP após brincar com “slime” e ficar intoxicada. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/23/mae-diz-que-filha-foi-internada-apos-brincar-com-slime-e-ficar-intoxicada.ghtml. Acesso em: 25 de maio 2019.
  2.  MERRIAM WEBSTER DICTIONARY. Slime. 2019. Disponível em: https://www.merriam-webster.com/. Acesso em: 25 de maio 2019.
  3. GITTLER, J. K.; GARZON, M. C.; LAUREN, C. T. “Slime” May Not be so Benign: A Cause of Hand Dermatitis. Journal of Pediatric, v.200, p.288, 2018.
  4. CRAAN, A. G.; MYRES, A. W.; GREE, D. W. Hazard assessment of boric acid in toys. Regulatory Toxicology and Pharmacology, v.26, n.3, p.271-280, 1997.
  5. ASHER, C.; DALAN, R.; ALY, M. I. “Home-made slim”: A novel cause for paediatric burns referrals; do we need to raise awareness? Burns, v.44, n.6, p.1613, 2018.
  6. ZHANG, A. J. et al. Allergic contact dermatitis to slime: The epidemic of isothiazolinone allergy encompasses school glue. Pediatric Dermatology, v.36, n.1, p.e37-e38, 2019.
  7. PIAZZA, C. D.; CESTARI, S. C. P. Contact dermatitis from Do-It-Yourself slime. Anais Brasileiros de Dermatologia, v.93, n.6, p.944, 2018.
  8. HEALTH CANADA. Information Update – Health Canada advises Canadians to avoid homemade craft and pesticide recipes using boric acid, 2016. Disponível em: http://healthycanadians.gc.ca/recall-alert-rappel-avis/hc-sc/2016/59514a-eng.php#you-vous. Acesso em: 26 de maio 2019.
  9. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Ingrediente de slime pode causar intoxicação. 2019. http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/geleca-caseira-pode-conter-substancia-prejudicial/219201?fbclid=IwAR0NC2MibDJEeLRz52IKFw9ur-DgVTb9_EYDXM4VRXcwKxp4IopzPf4s47Q. Acesso em: 26 de maio 2019.

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