Quais são os tratamentos atuais da retinopatia da prematuridade?

A retinopatia da prematuridade é uma doença vasoproliferativa que ocorre exclusivamente em prematuros. Saiba mais sobre os tratamentos.

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A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença vasoproliferativa que ocorre exclusivamente em prematuros, sendo importante causa mundial de cegueira tratável nessa população1,2. Consiste em um distúrbio do desenvolvimento da vasculatura imatura3, em que o quadro clínico é mutável ao longo dos períodos neo e pós-neonatal4.

Patogênese

A patogênese da ROP ainda não está bem elucidada5. A ROP pode ocorrer devido a uma interrupção da vasculogênese natural da retina consequente à prematuridade durante a embriogênese ocular. A vascularização da retina nasal é finalizada por volta da 32ª semana de idade gestacional (IG), quando as alterações na vascularização retiniana são provocadas pela supressão do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) induzida pela hiperoxigenação artificial. Já a vascularização da retina temporal termina, aproximadamente, na 40ª semana depois da concepção, ou logo após o nascimento do recém-nascido (RN) a termo, quando a retina avascular desencadeia um aumento patológico nos níveis de VEGF, levando à proliferação aberrante de vasos retinianos. Vários biomarcadores, como metabólitos, citocinas, fatores de crescimento, RNAs não codificantes, microbiota intestinal ou marcadores de estresse oxidativo, foram propostos para o diagnóstico ou previsão de ROP. Por fim, trombocitopenia, volume médio de plaquetas e índice de massa plaquetária provaram ser biomarcadores promissores para ROP em diversos estudos5,6.

Fatores de risco

A etiologia da ROP é multifatorial. Os fatores de risco mais citados na literatura são parto prematuro, baixo peso ao nascer (PN) e hiperóxia. Entretanto, outros fatores, incluindo hiperglicemia, fatores genéticos, sepse, displasia broncopulmonar e hemorragia intraventricular, têm sido também associados ao seu desenvolvimento6. Embora a capacidade das Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) se expanda em países de baixa e média renda, muitos desses locais carecem dos recursos necessários para monitorar e prevenir a ROP. Esses fatores resultam em uma população cada vez maior em risco, bem como em um risco relativo maior para um determinado PN e IG7.

Epidemiologia

A incidência de cegueira relacionada à ROP está aumentando em todo o mundo, particularmente em países de baixa e média renda7. No Brasil, supõe-se que mais de 15 mil RN prematuros sobreviventes anualmente fazem parte do grupo de risco para o aparecimento da ROP (PN ≤1.500 gramas e/ou IG ≤32 semanas), o que leva a uma probabilidade de cegueira pela condição entre 500 e 1.500 pacientes por ano no país5.

Complicações

A ROP pode levar ao descolamento de retina e consequente comprometimento visual grave ou, até mesmo, cegueira. Outras possíveis complicações oculares da ROP incluem glaucoma, estrabismo, miopia e ambliopia2.

Triagem e diagnóstico

A triagem é realizada por um oftalmologista pediátrico ou especialista em retina por meio de oftalmoscopia binocular indireta juntamente com indentação escleral concomitante para avaliação da periferia retiniana8. No Brasil, os critérios para rastreio são:

  • PN ≤1.500 gramas e/ou IG ≤32 semanas;
  • Considerar o exame em RN com fatores de risco: síndrome do desconforto respiratório; sepse; transfusões sanguíneas; gestação múltipla; hemorragia intraventricular.

O primeiro exame deve ser feito entre a 4ª e a 6ª semana de vida9. O acompanhamento do paciente deve ser continuado mesmo após a alta hospitalar10.

Recentemente, os métodos de exame da retina tornaram-se mais numerosos e as técnicas de imagem digital têm oferecido novas perspectivas no diagnóstico e monitoramento da ROP. Um exemplo é o RetCam, um sistema computadorizado de imagem da retina de grande angular comumente utilizado em países desenvolvidos para avaliar RN prematuros com risco de desenvolver ROP8.

Classificação

A ICROP3 é a Classificação Internacional da Retinopatia da Prematuridade que deve ser utilizada para o diagnóstico de ROP. Existem cinco estágios da doença, começando com uma linha e progredindo através de uma crista elevada, uma crista vascularizada e, finalmente, descolamento parcial e total da retina nos estágios 4 e 5, respectivamente6: Estágio 0: retinas imaturas, sem ROP; Estágio 1: linha de demarcação entre retina vascular e avascular; Estágio 2: crista de tecido surgindo na linha de demarcação que se estende acima do plano da retina; Estágio 3: proliferação fibrovascular extrarretiniana (neovascularização), estendendo-se da crista para a cavidade vítrea; Estágio 4: descolamento parcial da retina (4a denota um descolamento extrafoveal parcial e 4b denota envolvimento da fóvea); Estágio 5: descolamento total da retina (geralmente tracional)1.

A ROP também pode ser classificada segundo a sua localização: Zona I: é definida por um círculo com raio duas vezes a distância estimada do centro do disco óptico ao centro da fóvea; Zona II: forma um círculo periférico à zona I com um raio do nervo óptico à ora serrata nasal; Zona posterior II: região que começa na margem entre a zona I e a zona II e se estende até a zona II por 2 diâmetros de disco; Zona III: o crescente temporal residual da retina anterior à zona II. Por convenção, as zonas II e III são consideradas mutuamente exclusivas1.

Tratamento

A maioria dos casos de ROP é leve e regride espontaneamente. Contudo, casos moderados a graves necessitam de terapia adequada para evitar o descolamento da retina e suas complicações11.

Fotocoagulação a laser da retina avascular

É o tratamento padrão devido à sua eficácia12. O objetivo é remover a fonte de estímulo angiogênico excessivo proveniente da retina periférica avascular6,11. Durante o tratamento a laser para ROP, toda a área da retina avascular é ablacionada para reduzir o impulso para a neovascularização. Infelizmente, por sua natureza destrutiva de tecidos, esse procedimento tem sido associado a sequelas negativas, incluindo inflamação, perda irreversível do campo visual, formação de cicatrizes e miopia6,11,13. O procedimento pode ser realizado em sala de cirurgia ou em UTIN sob anestesia geral ou sedação14. Os pontos a laser são aplicados em toda a área avascular da retina entre a borda anterior da crista retiniana e a ora serrata. São geralmente utilizados spots de 200 µm, com potência entre 100 e 300 mW e duração de 200 ms8.

Agentes anti-VEGF

Aflibercepte, ranibizumabe e bevacizumabe (uso off-label) têm sido progressivamente utilizados para regular, negativamente, a via de sinalização hiperativa durante a fase proliferativa inicial da ROP6. O tratamento com anti-VEGF é de mais fácil administração, comparado a outros fármacos, permitindo um melhor desenvolvimento da vasculatura retiniana, possibilitando menos miopia que a fotocoagulação com laser. Seu uso pode ser mais benéfico em casos de ROP zona I e nos mais agressivos, preservando mais as estruturas retinianas em comparação ao tratamento padrão. Todavia, evidências sobre suas dosagens e suas aplicações são escassas12,15. Os anti-VEGFs são usados como monoterapia ou combinados com fotocoagulação a laser ou vitrectomia16.

O aflibercepte foi recentemente aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) como a primeira injeção intravítrea para tratar RN prematuros com ROP17 na dose de 0,4 mg. Ele demonstrou segurança esperada comparável ao laser com potencial para menos complicações a longo prazo18. Seus efeitos adversos incluem irritação ocular, descolamento do vítreo, visão turva temporária, edema palpebral e hemorragia conjuntival. Reações adversas graves relacionadas à administração e ao procedimento de injeção englobam descolamento de retina, catarata traumática, eventos tromboembólicos e aumento da pressão intraocular (PIO). Essas complicações são observadas em menos de 0,1% das injeções intravítreas com o medicamento. As contraindicações compreendem infecções oculares ou perioculares, inflamação ocular ativa e hipersensibilidade conhecida ao fármaco ou a quaisquer excipientes encontrados na formulação. Sintomas comuns de reações de hipersensibilidade são erupção cutânea, urticária, prurido, inflamação intraocular grave ou reações anafiláticas graves. Pacientes com infecção ocular, submetidos recentemente a cirurgia ocular ou com aumento da PIO devem evitar o uso do fármaco19.

O ranibizumabe é um fragmento de anticorpo anti-VEGF humanizado recombinante (Fab), que inibe a angiogênese. Desde 2019, é aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos na dose de 0,20 mg para o tratamento da ROP zona I estágio 1+, 2+, 3+/−, como bem como zona II estágio 3+ e ROP posterior agressiva20,21.

O bevacizumabe (uso off-label) é um anticorpo recombinante humanizado que se liga a todas as isoformas do VEGF-A, podendo suprimir o VEGF circulante por 8-12 semanas. Não há consenso sobre a dose ideal a ser usada em RN para tratamento da ROP12,16. Sua aplicação intravítrea é uma modalidade terapêutica eficaz e relativamente segura para RN, entretanto, estudos prospectivos são necessários para fornecer informações mais detalhadas sobre efeitos colaterais sistêmicos22.

Tratamento cirúrgico

Indicado quando há descolamento da retina. No entanto, independentemente disso, os desfechos são geralmente ruins. As alternativas cirúrgicas incluem flambagem escleral ou vitrectomia com preservação da lente. Os objetivos são liberar os componentes tracionais vitreorretinianos que se estendem entre a crista e o olho anterior, a retina periférica se estendendo até a ora serrata, o disco óptico e a crista criando tração “circunferencial”14.

Prevenção

A ROP pode ser prevenida, porém é crucial que os RN com fatores de risco sejam identificados e que haja um programa de atendimento23. Em 2016, foi instituída a campanha “Abril Marrom”, cujo objetivo é conscientizar a população sobre a cegueira por ROP e sua prevenção, por meio do diagnóstico precoce de suas causas, tratamento e reabilitação. No mês de abril, há o dia nacional do Braille (08/04). A cor marrom foi escolhida por ser a cor de íris mais comum na população brasileira. É válido destacar que, em 2021, foi sancionada a lei que torna obrigatório o rastreamento e o tratamento da ROP nas UTIN da cidade do Rio de Janeiro24.

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