Qual eficácia e segurança da cetamina como sedativo adjuvante de menores na UTI?

Um estudo avaliou a eficácia e a segurança da cetamina como adjuvante para analgesia e sedação em infusão contínua em UTIP.

Nos últimos anos, a cetamina, um antagonista do receptor N-metil-d-aspartato (NMDA), tem sido amplamente utilizada como agente anestésico e analgésico para procedimentos e em salas de cirurgia. No entanto, seu uso em infusão contínua em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) como adjuvante para analgosedação tem sido pouco explorado, com estudos publicados sendo principalmente retrospectivos e incluindo amostras pequenas. Diretrizes atuais para analgosedação em crianças criticamente enfermas apoiam o uso de cetamina como terapia adjuvante, porém com baixa força de evidência devido à escassez de dados sobre o assunto. 

Um estudo realizado na Itália objetivou avaliar a eficácia e a segurança da cetamina em garantir conforto e poupar medicamentos convencionais quando utilizada como adjuvante para analgesia e sedação em infusão contínua em UTIP. Os resultados foram publicados no artigo Is ketamine infusion effective and safe as an adjuvant of sedation in the PICU? Results from the Ketamine Infusion Sedation Study (KISS), publicado no periódico Pharmacotherapy. Esse é primeiro estudo prospectivo sobre o uso da infusão de cetamina como fármaco auxiliar na analgosedação em cuidados intensivos pediátricos.  

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Metodologia

O Ketamine Infusion Sedation Study (KISS) é o primeiro estudo prospectivo sobre o uso da infusão de cetamina como fármaco auxiliar na analgosedação em cuidados intensivos pediátricos. De forma observacional, os dados foram coletados em uma UTIP de centro terciário (Hospital Universitário de Pádua) no período entre janeiro de 2019 e julho de 2021.  

Foram incluídos todos os pacientes pediátricos com menos de 18 anos que receberam cetamina em infusão contínua por 12 horas ou mais no período do estudo. Em um paciente que recebeu mais de uma infusão com cetamina, somente os dados da primeira infusão foram incluídos na análise estatística do desfecho primário para evitar a inclusão de múltiplas medidas colineares repetidas. 

Foram excluídos do estudo: recém-nascidos (RN) com idade gestacional inferior a 32 semanas, pacientes sem consentimento dos pais e aqueles com hipersensibilidade conhecida à cetamina.  

Plano de analgosedação

A UTIP estudada segue um protocolo interno orientado pelo médico com base no direcionamento do estado de sedação para a meta de conforto individual, minimizando a dor e a ansiedade. Esse protocolo é demonstrado no Quadro 1:

Quadro 1 – Protocolo interno de analgosedação da UTIP do Hospital Universitário de Pádua, Itália 
  • Estratégia de sedação de primeira linha: infusão de opioides ou benzodiazepínicos ou uma combinação deles. 

 Escolha era baseada nas características clínicas dos pacientes e no curso esperado da doença.  

  • Monitoração do nível de analgesia e sedação – escala COMFORT-Behavior (CBS) 
  • Se o regime de primeira linha não conseguisse garantir o conforto, um agente de segunda linha era indicado: cetamina, dexmedetomidina ou propofol. 
  • Em pacientes não paralisados: um agente de segunda linha era iniciado como adjuvante quando o escore CBS era ≥22 e se uma das seguintes estratégias terapêuticas falhasse:  
  • Fentanil ≥ 2 mcg/kg/h ou morfina ≥50 mcg/kg /h e/ou midazolam ≥0,2 mg/kg/h.  
  • Em pacientes paralisados, a CBS não pode ser usada como medida de conforto, portanto, o estado de analgosedação era monitorado principalmente com base nos sinais vitais. A cetamina era iniciada de forma semelhante seguindo os critérios acima.  
  • A cetamina também era iniciada em ambas as categorias de pacientes quando a terapia de segunda linha falhava. A única contraindicação para o uso da cetamina era uma conhecida hipersensibilidade à droga.  
  • Em pacientes com broncoespasmo, a cetamina era geralmente preferida ao propofol ou dexmedetomidina por seu efeito broncodilatador intrínseco.  
  • Na fase de desmame: 

– Analgosedação ≥ cinco ou mais dias, recomendava-se uma redução máxima de 20% da taxa de infusão a cada 24 horas com monitoramento dos sintomas de abstinência  por meio da ferramenta Withdrawal-Assessment-Tool-1 (WAT-1).

– O possível aparecimento de delirium era constantemente monitorado. Casos suspeitos foram rastreados com a ferramenta Cornell Assessment of Pediatric Delirium (CAPD). O manejo incluiu o controle da dor e dos gatilhos ambientais, uso de infusão de dexmedetomidina e, em casos graves, a olanzapina (antipsicótico de segunda geração). 

Resultados 

Foram incluídos 77 pacientes, com idade média de 16 meses. Destes, 26% (n=20) estavam paralisados, enquanto 74% (n=57) não estavam.  

A pontuação mediana do PIM3 (Pediatric Index of Mortality-3) foi de 0,03. O motivo de internação mais comum foi quadro respiratório (36%), seguido de acompanhamento pós-cirúrgico (30%) e doença cardíaca (10%). Todos, exceto um paciente, receberam ventilação mecânica durante a internação na UTIP. Além disso, 53% necessitaram de suporte inotrópico ou vasoativo. O tempo médio de permanência na UTIP foi de 15 dias e a taxa de mortalidade no momento da alta da UTIP foi de 6%. 

A duração mediana da infusão foi de 90 horas, com doses entre 15 e 30 mcg/kg/min.  Às 24h de infusão de cetamina, os valores da CBS foram significativamente menores em comparação com os valores pré-cetamina (p<0,001). Simultaneamente, as doses/kg/h de opioides e benzodiazepínicos diminuíram significativamente em 24h (p<0,001 e p=0,002, respectivamente), enquanto as doses/kg/h de propofol (p=0,500) e dexmedetomidina (p=0,072) não tiveram redução significativa.  

Houve diminuição de dois pontos ou mais na CBS em 74% dos pacientes não paralisados (42/57) sem aumento de analgésicos concomitantes. Entre 20 os pacientes paralisados, 13 (65%) não tiveram aumento da analgosedação concomitante dentro de 24 horas após o início da cetamina.  

No geral, 55/77 (71%) dos pacientes responderam à cetamina. As dosagens média e máxima de infusão foram significativamente maiores nas crianças não respondedoras (p=0,021 e 0,028, respectivamente). Onze pacientes tiveram eventos adversos potencialmente relacionados à cetamina (salivação excessiva, hipertensão sistêmica, distonia/discinesia, taquicardia, agitação) e seis pacientes necessitaram de intervenção (redução da dose, suspensão ou terapia farmacológica). Nenhum dos pacientes desenvolveu delirium durante a infusão de cetamina.  

Conclusão 

A cetamina mostrou ser capaz de melhorar o conforto sem a necessidade de aumentar a dose de qualquer outro medicamento analgésico ou sedativo concomitante. Além disso, as taxas medianas de infusão de opioides e benzodiazepínicos diminuíram significativamente em um período de 24h, sugerindo um possível efeito poupador significativo. Com relação aos eventos adversos, os possivelmente relacionados à cetamina foram menores e facilmente reversíveis. Dessa forma, esse estudo propõe que o uso de cetamina em infusão contínua pode ser considerado uma estratégia válida para otimizar a analgosedação em crianças em UTIP difíceis de sedar. Todavia, estudos futuros serão necessários para investigar os desfechos em longo prazo.

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Comentários 

Apesar de um número pequeno de amostra, esse estudo é pioneiro na avaliação observacional e prospectiva da administração de cetamina como adjuvante na analgesia e sedação contínua de crianças em UTIP e enfatiza a promissora aplicabilidade da cetamina como poupadora de fármacos com mais efeitos colaterais e mais comumente associados ao delirium.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • TESSARI, A. et al. Is ketamine infusion effective and safe as an adjuvant of sedation in the PICU? Results from the Ketamine Infusion Sedation Study (KISS) [published online ahead of print, 2022 Dec 25]. Pharmacotherapy, 10.1002/phar.2754, 2022