Qual o risco de infecções em implantes cardíacos reutilizados?

O custo de implantes cardíacos pode limitar sua disponibilidade. Contudo, o reuso de dispositivos de pessoas já falecidas é permitido em alguns países.

Dispositivos cardíacos são equipamentos muitas vezes essenciais para o aumento de sobrevida de indivíduos com problemas cardíacos. Entretanto, os altos custos podem representar uma limitação à disponibilização para a população, principalmente em países em desenvolvimento.

Implante cardíaco de paciente já falecido reutilizado em novo paciente após o processo de desinfecção.

Implantes cardíacos reutilizados

Marca-passos e cardiodesfibriladores implantáveis (CDIs) são considerados de uso único pelos fabricantes. Entretanto, a prática de retirada desses dispositivos de indivíduos falecidos e sua utilização — após devido processo de triagem e esterilização — em outros pacientes é permitida em alguns países. Uma grande questão é se tal procedimento estaria associado a maiores taxas de infecção de dispositivos.

Os resultados de um estudo publicado na The New England Journal of Medicine mostram a experiência canadense com a reutilização de dispositivos intracardíacos. Desde 1983, foi estabelecido um programa em um hospital na cidade de Montreal de recuperação post-mortem de marca-passos e CDIs, os quais eram submetidos a processos de descontaminação, desinfecção e resterilização segundo protocolo.

Esses dispositivos eram enviados para países em desenvolvimento, onde eram implantados após obtenção de consentimento livre e esclarecido pelos pacientes receptores. A partir de 2003, passou-se a acompanhar o desfecho dos pacientes que receberam os dispositivos, resultando na publicação citada.

Materiais e métodos

Dados de pacientes que receberam dispositivos intracardíacos reutilizados foram comparados com os de três controles que receberam dispositivos novos em Montreal. Os centros participantes seguiam pré-especificações, incluindo equipe médica com experiência no implante de marca-passo e CDI e presença de centro de esterilização com óxido de etileno. O pareamento foi feito de acordo com idade, sexo, número de derivações e data de implante.

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Informações sobre os desfechos foram coletadas de forma retrospectiva e incluíram mudanças nos dispositivos, data da última visita de seguimento e detalhes em relação a infecções ou morte, relacionados ou não ao dispositivo. O desfecho primário foi infecção ou morte relacionada ao dispositivo nos primeiros dois anos de seguimento.

Infecção foi definida como exposição do dispositivo devido à erosão da pele, infecção do gerador, infecção de derivações e endocardite relacionada ao dispositivo. Já morte relacionada ao dispositivo foi definida como aquela atribuível à infecção relacionada ao dispositivo, ao mau funcionamento do aparelho ou ao fim precoce da bateria.

Resultados

Foram avaliados os dados de 1051 pacientes do México (378 pacientes), República Dominicana (295 pacientes), Guatemala (280 pacientes) e Honduras (98 pacientes). Após pareamento, foram selecionados 3153 controles de pacientes canadenses. A maioria dos participantes recebeu marca-passo (85%). As principais indicações para realização dos procedimentos foram: bloqueio atrioventricular (65,4%), disfunção do nó sinusal (12,7%), insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (9,3%), fibrilação atrial de baixa resposta (6,3%), taquiarritmia ventricular ou parada cardíaca revertida (3,4%) e síncope (2,9%).

Ao longo do período de dois anos de seguimento, os desfechos foram conhecidos em 97,7% dos pacientes com dispositivos reutilizados e 97,9% dos controles com dispositivos novos. Não foram identificadas mortes relacionadas aos dispositivos. Mortalidade por outras causas foi semelhante em ambos os grupos (4% vs. 3,9% no grupo de dispositivos reutilizados e no grupo controle, respectivamente).

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Em relação a infecção, foram observadas 21 infecções no grupo com dispositivos reutilizados (2,0%) e 38 (1,2%) no grupo controle (HR = 1,66; IC 95% = 0,97 – 2,83; p = 0,06). Os agentes etiológicos mais comumente isolados foram Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Cutibacterium acnes e Pseudomonas aeruginosa. O único fator independente associado à presença de infecção foi idade mais jovem (HR = 0,98 por ano; IC 95% = 0,97 – 0,99).

Conclusão

Os resultados mostram taxas de infecção e mortalidade em pacientes que foram submetidos a implantes de dispositivos cardíacos reutilizados semelhantes às encontradas em pacientes com dispositivos novos. Entretanto, há uma tendência a aumento de risco no grupo de intervenção e os autores sugerem que uma amostra maior poderia ter revelado uma diferença significativa.

Deve-se considerar também que, embora pequeno, o potencial de infecção com a reutilização de dispositivos existe, inclusive por agentes resistentes aos processos comuns de desinfecção e esterilização como os príons.

Referências bibliográficas:

  • Khairy TF, et al. Infections Associated with Resterilized Pacemakers and Defibrillators. N Engl J Med. 2020; 382:1823-1831. DOI: 10.1056/NEJMoa1813876

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