Qual valor de corte de glicemia no diagnóstico de diabetes gestacional beneficia o tratamento?

Diabetes gestacional é uma das patologias na obstetrícia que mais tem-se visto controvérsias sobre ao longo da história.

Mesmo entendendo a fisiopatologia da ocorrência da diabetes gestacional, o diagnóstico definitivo ainda permanece um tema de difícil consenso na literatura.

De um lado, reduzir muito o valor de corte da glicemia para diagnóstico gera muitos diagnósticos e pacientes supertratadas (alta prevalência). Sem afastar as complicações da hipoglicemia pelo overtreatment. Por outro lado, ao elevar o valor de corte, podemos deixar passar pacientes diabéticas que não alcançaram o valor mínimo de corte (baixa prevalência, mas aumento dos falsos negativos).

As curvas glicêmicas são muitas vezes difíceis de serem realizadas por desconforto das pacientes com náuseas, vômitos e mal-estar pela sobrecarga glicêmica.

Além desses problemas, cada sociedade que se relaciona com diabetes tipo 1, 2 ou gestacional advoga para si a melhor performance diagnóstica para ser utilizada no restante do planeta, tentando unificar o, até agora não definitivo, diagnóstico de diabetes gestacional.

Leia também: Caso clínico: Diabetes gestacional e os impactos na saúde da mãe e bebê – parte II

Qual valor de corte de glicemia no diagnóstico de diabetes gestacional beneficia o tratamento

Análise recente sobre o diagnóstico de diabetes gestacional

Para acalorar a discussão, um trabalho publicado no The New England Journal of Medicine de 18 de agosto de 2022 fez uma comparação entre gestantes com gestações únicas de 24 a 32 semanas de gestação com diagnóstico de diabetes gestacional realizado através do teste de tolerância oral glicose com 75 gramas de glicose. Com os resultados eram divididas em dois grupos que foram então randomizados 1:1, a saber:

  1. Grupo menor glicemia: glicemia de jejum de no mínimo 92 mg/dl, glicemia de 1 hora de no mínimo 180 mg/dL e 2 horas de 153 mg/dL.
  2. Grupo de maior glicemia: glicemia de jejum de no mínimo 99 mg/dl e glicemia de 2 horas de no mínimo 162 mg/dL.

Os desfechos avaliados foram peso ao nascimento, considerado grande aquele recém-nascido acima do percentil 90 para idade gestacional de acordo tabela de Fenton da OMS. Além desse, como desfechos secundários observação de recém-nascido pequeno para idade gestacional (abaixo do percentil 10), dados antropométricos na alta (altura, peso e circunferência craneana), macrossomia (> 4 kg), idade gestacional ao nascimento, parto pré-termo (< 37 semanas), Apgar menor que 4 no 5º minuto, hipoglicemia necessitando tratamento, hiperbilirrubinemia precisando de fototerapia, infecção sistêmica nas primeiras 48 horas e uso de serviço de saúde infantil após a alta. Desfechos secundários maternos avaliados foram presença de pré-eclâmpsia, necessidade de indução do parto, vai de parto, hemorragia puerperal (> 500 mL), ganho de peso gestacional, tratamento farmacológico para diabetes gestacional, complicações infecciosas maternas incluindo corioamnionite que tenham necessidade de uso antibiótico no parto ou pós-parto. Além desses, aleitamento materno nos pós-alta e necessidade de suporte dos serviços de saúde para controle glicemia pós-parto ou outras admissões relacionadas ao diabetes gestacional.

Esse estudo randomizando 4.061 gestantes chegou à algumas conclusões intrigantes:

  • Apesar do grupo de rastreio com glicemia menor realizar “mais diagnósticos e tratamentos” não se observou mais benefícios. Essas mulheres utilizaram mais vezes os serviços de saúde para controles glicêmicos, farmacoterapia do diabetes, indução do parto e tratamento da hipoglicemia neonatal do recém-nascido.
  • As incidências de macrossomia, pré-eclâmpsia entre outras patologias estudadas não diferiram entre os grupos.

O valor de corte em nosso país atualmente preconizado pelo Ministério da Saúde está em glicemias de jejum de 92 mg/dL para diagnóstico de diabetes gestacional. Será que precisamos rever nossos conceitos para cima? De acordo com esse trabalho recente e robusto, talvez sim.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Crowther CA, et al. Lower versus Higher Glycemic Criteria for Diagnosis of Gestational Diabetes. N Engl J Med 2022; 387:587-598 DOI: 10.1056/NEJMoa2204091