Resistência parcial a derivados de artemisina em Plasmodium falciparum em Uganda

Recentemente, mutações associadas à resistência a derivados de artemisina foram detectadas também em regiões de Uganda.

Mesmo nos dias de hoje, a malária é responsável por milhões de mortes anualmente no mundo. Causada principalmente por Plasmodium falciparum, os derivados de artemisina, combinados com outros fármacos, constituem-se a terapia de primeira linha no Brasil e nos países africanos. 

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A resistência parcial a esses medicamentos já foi descrita em países do Sudeste asiático, manifestando-se clinicamente como atraso no clearance de parasitemia depois do tratamento. Quando combinadas com resistência parcial a outras drogas pertencentes ao esquema de terapia combinada, as mutações que conferem resistência parcial aos derivados de artemisina podem resultar em diminuição de eficácia do tratamento. 

Recentemente, mutações associadas à resistência a derivados de artemisina foram detectadas também em regiões de Uganda, historicamente com alta transmissibilidade de malária, o que não é considerado um ambiente esperado para desenvolvimento de resistência. Visando a caracterizar a prevalência e avaliar possíveis motivos que justifiquem a seleção de tais mutações, um estudo conduzido no país e publicado na The New England Journal of Medicine procurou caracterizar os genótipos parasitários. 

artemisina

Materiais e métodos 

No período de 2016 a 2022, o gene pfk13 – cujas mutações estão associadas à resistência parcial aos derivados de artemisina – foram sequenciados de isolados de P. falciparum obtidos de indivíduos sintomáticos com malária não complicada que procuraram tratamento em centros de referência em Uganda. Os dados de sequenciamento foram utilizados para a construção de árvores filogenéticas. 

Todos os pacientes ambulatoriais com suspeita de malária nos centros que participaram do estudo foram submetidos, como parte da rotina de assistência, a testes laboratoriais de diagnósticos, a saber, teste rápido ou microscopia. Para avaliar a incidência de malária, foram considerados os dados mensais de casos confirmados laboratorialmente e de positividade dos testes realizados nos mesmos centros. A mediana de idade das pessoas que apresentaram malária foi utilizada para avaliar a imunidade contra a doença na população. 

Resultados 

Duas mutações apresentaram uma prevalência maior do que 10% em 5 distritos do país, com a prevalência individual de cada uma aumentando ao longo dos anos em 4 deles. Outra mutação foi observada pela primeira vez em 2016, alcançando alta prevalência nos anos subsequentes de 2021 (40%) e 2022 (38%). Outras duas mutações apresentaram comportamento semelhante, com aumento na prevalência durante o período do estudo, atingindo 23% em 2022. 

A análise filogenética sugere que essas mutações tiveram origens diferentes. Quando comparados com os genomas dos parasitas do Sudeste asiático, os isolados de Uganda identificados no estudo eram filogeneticamente distantes, o que é compatível com uma emergência local com posterior disseminação dentro do país africano. Diferente dos isolados asiáticos, as diferentes mutações não se segregaram em clusters. 

Ao analisar fatores associados à dinâmica de transmissão, uma incidência cíclica em casos de malária pode ser reconhecida em vários dos centros de referência, o que pode estar relacionado às épocas de chuva no país, mas padrões relacionados à prática de uso intradomiciliar de inseticidas puderam ser claramente discernidos.

Distritos com uso regular dessa estratégia de controle tiveram uma contagem de casos e positividade dos testes relativamente baixa, por um período prolongado após a pulverização residual intradomiciliar, com aumentos expressivos aproximadamente quatro a oito meses depois. O aumento no número de casos levou a um aumento no número de tratamentos e maior exposição a derivados de artemisina, o que pode ser associado a aumento de pressão seletiva. 

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Idade foi utilizada como um substituto porque, como a imunidade diminui com o controle efetivo, a carga de doença é alterada para indivíduos mais velhos. Os resultados mostraram aumento na mediana da idade dos indivíduos com diagnóstico de malária – indicando diminuição da imunidade – durante os períodos de controle da doença, de forma que, no nordeste de Uganda, as populações tinham imunidade relativamente baixa ao fim do efeito residual da pulverização de inseticidas.

Essa condição, decorrente da interrupção das medidas governamentais para controle da infecção, favoreceria a emergência de mutações de resistência. Importante ressaltar o caráter hipotético dessa conclusão que, como os autores destacam, precisa de mais estudos para ser avaliada. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Conrad MD, Asua V, Garg S, Giesbrecht D, Niaré K, Smith S, Namuganga JF, Katairo T, Legac J, Crudale RM, Tumwebaze PK, Nsobya SL, Cooper RA, Kamya MR, Dorsey G, Bailey JA, Rosenthal PJ. Evolution of Partial Resistance to Artemisinins in Malaria Parasites in Uganda. N Engl J Med. 2023 Aug 24;389(8):722-732. DOI: 10.1056/NEJMoa2211803.