Saiba como é a formação no curso de Medicina em Cuba

Em meio à polêmica sobre o Mais Médicos, o especialista em Clínica Mèdica Maikel Ramthun conta como foi sua formação em Medicina na ilha cubana. Confira o relato na íntegra.

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Nos últimos dias muito se falou sobre a saída dos médicos Cubanos do Brasil, após o término da parceria entre os governos dos dois países. A saída destes profissionais de Medicina do programa Mais Médicos foi tema de reportagens até na imprensa internacional.

Como há duas décadas tive a oportunidade de morar e estudar medicina em Cuba, foram muitas pessoas que me abordaram não só para saber minha opinião sobre o assunto, mas principalmente para tentar entender como é de fato a medicina na ilha.

No início de 2018 escrevi um livro contando algumas experiências que vivi naquele país. O livro não é de história, nem de política, são apenas relatos que eu, na época um adolescente, pude viver durante os cinco anos em que morei lá.

Sobre a medicina de Cuba atual eu realmente não tenho como falar, mas posso contar como era no final da década de 90 e início dos anos 2000, que foi o período em que pude viver na prática tudo aquilo.

Medicina

Falta de recursos e tecnologia

As instalações da universidade eram de certa forma precárias, móveis velhos, banheiros e alojamentos com muitos problemas, não tínhamos internet, nem computadores, sequer havia uma máquina de xerox na biblioteca. Lembro-me que costumávamos sentar na biblioteca e copiar à mão os capítulos de livros que precisávamos para estudar.

No hospital o problema se repetia. Seringas de vidro com agulhas reutilizáveis, luvas estéreis eram submetidas a várias esterilizações para serem utilizadas mais vezes, número de radiografias limitadas por plantão, antibióticos e medicamentos um pouco mais modernos dificilmente estavam disponíveis.

No entanto, apesar da falta de recursos, aprendíamos a trabalhar da melhor forma possível dentro das possibilidades limitadas que tínhamos.

Preceptores muito bons

A partir do terceiro ano, o esquema de trabalho era muito similar ao internato do Brasil. Pela manhã cada aluno era responsável por um número de pacientes na enfermaria. Cabia a nós passarmos visita, examinar, evoluir e traçar um plano terapêutico na prescrição. O interno do sexto ano revisava nossas histórias e prescrições e as passava ao médico residente, que também revisava o trabalho.

Ainda durante a manhã, o médico preceptor (sempre um especialista) passava visita à beira do leito e discutia um por um dos casos. Era meu momento preferido do dia, pois cada discussão de caso era uma verdadeira aula de medicina. Foi nessa época que decidi que seguiria a área clínica (hoje sou especialista em clínica médica, nefrologia e medicina intensiva), pois ficava admirado com a capacidade que meus professores tinham em fazer diagnóstico.
O médico preceptor trabalhava em regime de dedicação exclusiva, portanto passava a manhã toda com os alunos. Isso foi algo que considerei um grande diferencial.

Exigência e estímulo

Havia um grau de exigência muito grande na faculdade, tínhamos prova ou seminário toda semana. O esquema de notas variava de 2 até 5, e havia um programa por parte da universidade para aqueles que se destacavam, que era chamado de “aluno de excepcional rendimento”. Para fazer parte desse grupo de alunos, você precisava ter uma média global acima de 4,68 pontos e não poderia ter nota abaixo de 4 em nenhuma outra disciplina.

Fiz parte desse programa, e como incentivo nós tínhamos algumas aulas extras com professores conceituados, o que de certa forma nos agregava mais conhecimento.

Experiência de vida

Ter vivido em um país completamente diferente, tendo que me virar sem muita tecnologia, sem carro, sem celular, sem chuveiro aquecido (luxos que nós temos hoje e nem percebemos), com a comida racionada, e com poucos recursos, me fez enxergar muitas coisas e me trouxe um crescimento pessoal de valor inestimável. Se eu pudesse voltar no tempo teria feito igual? Certamente.

Vale a pena estudar em Cuba?

Na época em que eu estive lá, valia. Todos os meus colegas de turma brasileiros foram bem-sucedidos nas carreiras depois de voltar ao Brasil. Vários fizeram residência em serviços de ponta (UNICAMP, UEL, ABP etc.) e estão muito bem colocados no mercado de trabalho. Nunca tive nenhuma dificuldade em me adaptar ao estudo e ao trabalho no Brasil.

Leia mais: Mais médicos: CFM se posiciona sobre saída dos médicos cubanos do Brasil

Hoje vale a pena? É possível que não, mas não tenho como afirmar, já que estudei na ilha há praticamente duas décadas e as informações que temos do modelo de ensino atual são escassas.

Preconceito

Ainda há muita desinformação e preconceito em relação à medicina de Cuba. Não há como saber realmente como foi a qualificação dos médicos que vieram para o Brasil, mas infelizmente em meu ambulatório de nefrologia vi muitos encaminhamentos desnecessários e com uma conduta inadequada, porém, como atendo muitos pacientes, pode ser que tenha visto uma amostra “viciada”, portanto não irei generalizar.

A questão do preconceito eu pude sentir na pele nas provas de residência. Em alguns serviços, mesmo tendo ficado entre os primeiros lugares na prova escrita, tive que ouvir da banca que eu estudei em Cuba pois não tinha capacidade para estudar no Brasil. Não por acaso, coloquei minha classificação na prova do ENADE já nas primeiras páginas do meu currículo. Era uma das formas que eu tinha para tentar quebrar esse preconceito.

Sei que é um assunto bastante extenso para ser discutido em um pequeno artigo, para quem tem mais curiosidade sobre a vida na ilha, recomendo que leia um dos meus livros.

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