A política de saúde mental foi uma grande vitória para todos nós. Modelos retrógrados que não levavam em consideração a dignidade humana foram revistos e um novo modelo foi implantado no Brasil. A proposta é para que os direitos fossem consolidados e os projetos pudessem ser colocados em prática. O Congresso Nacional aprovou uma série de portarias nos últimos anos para garantir acesso a diversos serviços, dentre eles, formas de cuidado e o modelo atual de atenção psicossocial.
Em meio à pandemia da Covid-19 e durante o recesso do Congresso Nacional, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho que busca repensar os serviços e revogar as portarias ligadas à política de saúde mental. Essa proposta colocaria em risco o modelo de atenção psicossocial e ameaça a luta da história da saúde mental no Brasil. Cabe salientar que, direitos à assistência à saúde mental devem ser uma política de Estado, considerando sua importância e não um plano de governo.
No dia 12 de dezembro de 2020, a frente parlamentar mista em defesa da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial e outros representantes, promoveram um debate sobre o retrocesso na política de saúde mental. Essa discussão aconteceu pelo ocorrido no dia 04 de dezembro de 2020, onde durante uma apresentação para o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), representantes do Ministério da Saúde apresentaram proposta da revogação de portarias ligadas à política de saúde mental, editadas de 1991 a 2014. Chegaram à população através dos veículos de imprensa e, rapidamente, muitos profissionais e interessados começaram a discutir a importância dos programas.
Entenda quais seriam as principais mudanças sugeridas:
- Fim do programa de volta pra casa;
- Fim das equipes de consultório na Rua;
- Fim do serviço residencial terapêutico;
- Fim do CAPS assistencial a usuários de álcool e outras drogas (CAPSAD)
- Outros CAPS fariam apenas reabilitação e não o atendimento psiquiátrico.
As portarias ainda não foram revogadas. Entidades de classe de trabalhadores, profissionais, familiares e representantes do Governo na Câmara dos Deputados começaram um movimento de luta para que os direitos não sejam revogados. Até o momento são estudos, mas o Ministério da Saúde informou que não há previsão para a discussão.
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) foi a público manifestar repúdio à qualquer possibilidade de proposta de revogação do serviço de saúde mental. Enfermeiros especialistas, participantes do projeto “Enfermagem solidária” também demonstraram rejeição ao que dizem ser diretrizes para um modelo de atenção integral à saúde mental no Brasil, apresentadas sem respeitar um amplo debate sobre o assunto. Além da ciência não ser ouvida, houve contrariedade à proposta que não respeita os atores sociais envolvidos no processo.
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A possibilidade de retorno do modelo asilar de saúde mental
O maior problema discutido sobre retrocesso nas políticas de saúde mental, sem a discussão ampla e envolvendo os diversos atores, é quanto à modificação do modelo de atenção vigente. O modelo asilar institucionalizado foi duramente combatido na recente história da saúde mental no Brasil. A partir da lei 10.216/2001 – a Lei da reforma psiquiátrica – o modelo de cuidado à pessoa com sofrimento psíquico iniciou um longo processo de modificação, saindo do modelo institucionalizado (asilar) para um modelo desistitucionalizado que refuta o aprisionamento e a existência de locais que, sem qualquer cuidado terapêutico, promoviam a cessação do direito de ir e vir.
O modelo asilar é aquele que gerou um grande holocausto para indivíduos com doenças mentais. As pessoas abandonadas em regime de prisão e sem qualquer cuidado podem ser vistas amplamente na literatura. Há dois documentários para aqueles que não são especialistas ou profissionais da área. Para novos profissionais, que desconhecem o antigo modelo de assistência, vale a reflexão dos documentários:
As produções cinematográficas podem esclarecer quanto ao modelo de atenção à saúde mental no Brasil. E espera-se que as discussões possam seguir de forma democrática em um plano de Estado para o cuidado com a saúde que respeite a Constituição Federal.
A luta por saúde mental é constante e inicia-se na garantia de direitos. Quanto à destituição de direitos já conferidos, devemos promover uma discussão ampla com vários setores da sociedade e escutando, principalmente, os usuários do sérvio, para que possamos sempre buscar as melhores maneiras de promover cuidado.
Referências bibliográficas:
- Cruz, N.F. de O., Gonçalves, R.W. & Delgado, P.G. G. Retrocesso da reforma psiquiátrica: o desmonte da política nacional de saúde mental brasileira de 2016 a 2019. Trabalho, Educação e Saúde, 18(3), e00285117. Epub July 15, 2020.
- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE MENTAL (ABRASME). O cuidado em saúde mental e a contra-reforma psiquiátrica: posicionamento crítico da Abrasme. 18 maio 2019. Posicionamento da ABRASME disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/sistemas-de-saude/abrasco-e-abrasme-marcam-presenca-no-debate-sobre-mudancas-na-politica-de-saude-mental/39484/ Acesso em: 17 jan. 2020. [ Links ]
- Daniel Figueiredo de Almeida Alves, Áquilas Mendes, Leonardo Carnut e Oziris Simões. Reforma Psiquiátrica e a Dependência Brasileira: entre o arcaico e o moderno. R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 165-179, jan./abr. 2020