A obesidade é considerada uma doença crônica, visto que possui uma fisiopatologia própria, critérios diagnósticos estabelecidos, risco de complicações e aumento de morbimortalidade. Nos últimos anos, novos tratamentos medicamentosos vêm surgindo, impactando diretamente no sucesso do processo de perda de peso.
Hoje se trabalha com o conceito de que, assim como no diabetes e na hipertensão, devemos buscar o controle do peso, mesmo que isso não necessariamente retire o indivíduo de uma faixa de IMC de risco. De fato, existem diversos estudos que embasam cientificamente o benefício gerado pela perda de um certo percentual de peso, que varia de acordo com o objetivo proposto, e não um alvo fixo de peso ou normalização do IMC.
Considerações iniciais
Assim como em adultos, a obesidade vem crescendo em incidência e prevalência de forma vertiginosa em crianças e adolescentes. Estima-se que em 2030 mais de 250 milhões de crianças e adolescentes terão obesidade no mundo. Para a classificação na faixa etária entre 5 e 19 anos, devemos utilizar o Z score da OMS, onde o diagnóstico de obesidade acontece quando o IMC ultrapassa o Z > +2 e obesidade grave quando o Z score é maior que +3. Uma limitação importante nessa faixa etária é a escassez de opções terapêuticas, visto a necessidade de se comprovar eficácia e segurança das medicações que são utilizadas em adultos. No momento, poucas opções são aprovadas para crianças a partir dos 12 anos, como o orlistate (que gera uma perda de peso muito modesta) e a liraglutida, cujo ensaio clínico randomizado (RCT) que a comparou ao placebo mais mudanças de estilo de vida publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) mostrou uma redução no IMC de -4,6%, levando a uma redução percentual média de -0,2 no Z score (Ex: de +2,5 para +2,3).
Desde o estudo STEP 1, publicado também no NEJM em 2021 (e comentado no portal), a semaglutida vem sendo utilizada em pacientes adultos com obesidade, sendo atualmente dentre as opções disponíveis no Brasil aquela capaz de atingir maior percentual de perda de peso e melhor eficácia. No entanto, ainda carecia de comprovação e demonstração de segurança em crianças e adolescentes. Com esse objetivo, foi realizado mais um estudo da série STEP (que avalia a semaglutida na obesidade), o STEP TEENS, publicado em novembro/22 no NEJM para investigar os efeitos da semaglutida em crianças e adolescentes entre 12 e 18 anos.
Métodos
O estudo foi um RCT, duplo cego, placebo controlado, multicêntrico (37 centros no mundo) realizado entre 2019 e 2022, que incluiu adolescentes entre 12 e 18 anos com obesidade (no caso, considerado percentil 95 da curva do CDC) ou sobrepeso (IMC no percentil 85) e pelo menos uma comorbidade de risco associada. DM2 não era um critério de exclusão, mas era necessário ter uma glicada menor que 10% e tratamento apenas com metformina. Foram excluídos aqueles que haviam feito algum tipo de tratamento para obesidade nos últimos 90 dias, cirurgia bariátrica prévia e transtornos psiquiátricos importantes. Os participantes foram randomizados 2:1 entre semaglutida mais mudanças no estilo de vida versus placebo mais mudanças no estilo de vida, respectivamente.
O estudo iniciou com um período de 12 semanas de orientações sobre mudanças de estilo de vida precedendo o período de randomização e após, 68 semanas em terapia conforme o grupo designado na randomização. Ainda, houve um curto período de follow up após a suspensão da semaglutida (sete semanas). A dose da semaglutida a ser atingida era de 2,4 mg/semana (ou máxima dose tolerada), a mesma utilizada nos demais estudos da série STEP, mas era permitido que isso fosse feito com maior tempo de intervalo para otimizar a tolerância.
O desfecho primário do estudo foi o percentual de mudança no IMC na semana 68 (assim como no estudo da liraglutida em adolescentes). Desfechos secundários incluíram, por exemplo, o percentual da perda de peso e parcela de participantes que atingiram uma perda de pelo menos 5% do peso.
Resultados
Ao todo, 201 participantes foram randomizados (2:1), com uma baixa taxa de abandono (180 completaram o tratamento, 90%). Desses, 62% eram mulheres, com média de 15,4 anos, IMC médio de 37 kg/m². Houve baixa representação de negros – apenas 8% da população.
Após 68 semanas, o grupo semaglutida teve uma redução no IMC de -16,1% enquanto o grupo placebo teve um ganho de +0,6%, resultando numa diferença média entre grupos de -16,7% (-20,3 a -13,2%; IC 95%; p < 0,001). Interessante notar que nas sete semanas de follow up após as 68 semanas de intervenção, houve uma tendência ao reganho de peso no grupo semaglutida (que já havia suspendido o uso da droga), sendo que ao final das 75 semanas a diferença entre grupos caiu para -14,4%, mas ainda muito significativa.
Quanto aos desfechos secundários, na semana 68, 73% dos participantes perderam mais de 5% do peso versus 18% do grupo placebo (OR estimado = 14,0; 6,3 – 31,0; IC 95%, p < 0,001). O percentual de perda de peso foi de -14,7% versus ganho de 2,7% no grupo placebo (-17,4%), resultando numa diferença média entre grupos de -17,7 kg. A redução média do Z score foi de -1,0 (lembrando que no estudo da liraglutida foi de -0,2!).
Também vale a pena destacar que houve melhora de praticamente todos os fatores de risco cardiometabólicos analisados (Ex: circunferência abdominal, hemoglobina glicada, perfil lipídico – exceto HDL) no grupo semaglutida.
Considerações
Outro ponto importante do estudo é com relação à segurança na população estudada (12 a 18 anos). Não houve qualquer impacto em crescimento e/ou desenvolvimento. Os efeitos colaterais mais observados, como esperado, foram gastrointestinais (62% versus 42% do grupo placebo). 11% no grupo semaglutida tiveram eventos graves, enquanto 9% tiveram tais eventos no grupo placebo (não custa lembrar que tais eventos não estão necessariamente atrelados à semaglutida, mas foram eventos observados durante o período do estudo). O mesmo percentual (cerca de 5%) abandonou o tratamento em ambos os grupos, placebo ou semaglutida.
Um dado que chama atenção é a maior incidência de colelitíase (cinco participantes – 4%) no grupo sema comparado a nenhum no grupo placebo. Novamente, importante ter em mente que a perda rápida de peso e em grandes proporções aumentam por si só o risco de colelitíase, o que dificulta a análise.
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Conclusões
A semaglutida já havia consagrado seu papel no tratamento da obesidade em adultos, mas faltavam evidências que demonstrassem sua segurança e eficácia na população adolescente. Este trial é muito importante pois a semaglutida no momento parece ser a droga mais eficaz para o tratamento da obesidade, sem efeitos adversos significativos. Vale lembrar que ainda não há um estudo head-to-head com a liraglutida nessa população, mas de qualquer forma, passamos a dispor de mais uma opção no escasso arsenal terapêutico contra a obesidade infantil.