Síndrome do cimento ósseo: um risco persistente

A Síndrome da Implantação do Cimento Ósseo é uma realidade frequente na prática anestésica em cirurgias de ortopedia.

Cerca de aproximadamente 20% dos pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas com colocação de cimento ósseo sob pressão, para estabilização de próteses, principalmente em cirurgias de prótese de quadril, irão desenvolver alterações hemodinâmicas com hipotensão severa, podendo evoluir para colapso cardiovascular. Essa complicação, severa e precoce, é denominada como Síndrome da Implantação do Cimento Ósseo (SICO) e deve ser cuidadosamente prevenida, avaliada e tratada para evitar o aumento da morbimortalidade no período pós-operatório desses pacientes. 

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A fisiopatologia da SICO apesar de não ser totalmente conhecida, baseia-se principalmente no princípio do embolismo, uma vez que a pressão exercida sobre o interstício ósseo durante a colocação do cimento, acaba promovendo a entrada de partículas como gordura, osso, agregados plaquetários, fibrina e o próprio cimento dentro da circulação, gerando microêmbolos que levam a uma diminuição da oxigenação arterial, podendo alcançar o sistema cardiorrespiratório. 

Outra teoria estaria relacionada a liberação de substâncias anafilactóides durante a colocação do cimento, porém o uso de anti-histamínicos prévios não demonstrou nenhuma melhora na prevenção do quadro. 

Clinicamente falando, a SICO ocorre de forma precoce minutos após a colocação do cimento, no momento em que este começa a aquecer a estrutura. A grande maioria dos pacientes apresentam sinais e sintomas leves e facilmente reversíveis com vasopressores usuais. Hipotensão arterial, seguida de diminuição do volume sistólico e do débito cardíaco e da fração de ejeção do ventrículo esquerdo com aumento da resistência vascular pulmonar e diminuição da oxigenação capilar, compõem a maior parte dos sintomas. 

Os pacientes com sintomas leves e SICO não fulminante irão apresentar hipotensão e hipoxemia leves, porém os que evoluem para a forma mais grave, apresentam arritmias, colapso cardiopulmonar com embolismo pulmonar, podendo evoluir para parada cardiorrespiratória. 

Um estudo realizado no Hospital da Universidade de Frankfurt, na Alemanha, durante um período de 9,5 anos, avaliou um total de 208 pacientes com fratura proximal de colo de fêmur com indicação de artroplastia parcial de quadril com uso de cimento ósseo. A idade média era de 80 anos.

Todos os procedimentos foram realizados sob anestesia geral, com o uso de uma única marca de cimento e, de uma forma geral, todos os pacientes foram pré-oxigenados, monitorizados com ECG, oximetria de pulso e pressão arterial não invasiva e receberam 500 ml de solução cristaloide entre o período de indução anestésica e a colocação do cimento ósseo. Monitorizações mais complexas como pressão arterial invasiva, pressão venosa central e ecotransesofágico foram realizados em pacientes com comorbidades ou em situação mais crítica. 

Os pacientes foram divididos em dois grupos. Um grupo SICO + (pacientes que apresentaram sintomas de síndrome) e outro SICO – (pacientes que não apresentaram sintomas da síndrome). O grau da SICO foi baseado nos critérios de Donaldson et al.: 

  • Grau 1: queda da saturação de oxigênio < 94% com queda da pressão sistólica > 20%; 
  • Grau 2: queda da saturação de oxigênio < 88% com queda da pressão sistólica > 40%; ou queda do grau de consciência do paciente 
  • Grau 3: Necessidade de ressuscitação cardiopulmonar.

Do total de 208 pacientes, 37% desenvolveram SICO, sendo 25,5% do tipo Grau 1, 8,2% do tipo Grau 2 e 3,4% do tipo Grau 3. Esses pacientes também apresentaram incidência maior de complicações cardiovasculares e de óbito no pós-operatório, comparado com o grupo que não apresentou a síndrome.  

Alguns fatores de risco contribuem para uma maior incidência do desenvolvimento da síndrome como, por exemplo, osteoporose, metástase óssea, idade avançada, ASA acima de 3, uso de diuréticos e varfarina, doença cardiopulmonar prévia e sexo masculino. 

O diagnóstico é baseado principalmente pelo aparecimento dos sinais e sintomas durante a colocação do cimento ósseo, sendo que os pacientes com anestesia espinhal podem apresentar uma hipotensão arterial severa súbita, não relacionada ao boqueio com dispneia e alteração da consciência. Pacientes sob anestesia geral apresentam além da queda significativa da pressão arterial sistólica, queda da saturação de oxigênio e da pressão expirada de CO2. 

Algumas situações podem levar a um diagnóstico diferencial como embolia pulmonar não relacionada ao cimento, embolia gordurosa, bloqueio simpático, bloqueio de neuro eixo com nível alto, choque hipovolêmico por sangramento acentuado e IAM. 

Pacientes que não apresentam comorbidades prévias principalmente relacionadas ao sistema cardiocirculatório, recuperam-se de forma rápida, porém o tratamento deve ser realizado precocemente. Realizando a terapia adequada, no tempo adequado, pacientes mesmo desenvolvendo quadros mais severos com hipertensão pulmonar aguda e falência ventricular conseguem se recuperar de forma adequada. O tratamento consiste na administração de oxigênio a 100%, monitorização hemodinâmica invasiva em casos mais severos, ressuscitação volêmica guiada por PVC e uso de inotrópicos e vasopressores. 

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Caso evolua para parada cardiorrespiratória, a conduta ACLS deve ser realizada. Os pacientes devem ser encaminhados para unidade de terapia intensiva no pós-operatório, as medicações inotrópicas devem ser continuadas no período pós-operatório até estabilização completa do quadro hemodinâmico. 

A Síndrome da Implantação do Cimento Ósseo é uma realidade frequente na prática anestésica em cirurgias de ortopedia como próteses de quadril cimentadas. Conhecer a condição e reconhecer os sinais e sintomas precocemente, assim como iniciar uma terapêutica adequada de forma rápida e efetiva, diminui muito as complicações advindas no pós-operatório assim como a morbimortalidade desses pacientes. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Weingärtner K, et all. Bone cement implantation in cemented hip hemiarthroplasty-a persistent risk. Eur J Trauma Emerg Surg.2022 Apr;48(2):721-729. 

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