Uso da ventilação não invasiva no tratamento da bronquiolite: existe melhora do prognóstico?

A bronquiolite é uma das principais doenças na pediatria, acometendo geralmente crianças abaixo de dois anos de idade.

A bronquiolite é uma das principais doenças na pediatria, acometendo geralmente crianças abaixo de dois anos de idade e sendo uma das maiores causas de hospitalização na faixa etária pediátrica. Na maioria dos indivíduos, se caracteriza como uma doença leve e autolimitada, mas em algumas crianças pode evoluir como uma doença grave, que pode levar à insuficiência respiratória ou mesmo ao óbito.

Apesar do potencial de gravidade do quadro, o tratamento da bronquiolite é basicamente de suporte. Hidratação, lavagem das narinas com soro fisiológico e uso de oxigenioterapia para manter a saturação de oxigênio acima de 90% são partes importantes do tratamento. O uso de medicamentos, como corticoides ou broncodilatadores, não são indicados de rotina, uma vez que não apresentam evidências científicas de benefício para esses pacientes. O palivizumabe, um anticorpo monoclonal, está indicado em algumas situações específicas, como prematuridade e doenças cardiopulmonares, para prevenção do quadro.

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Uma das medidas que pode ser necessária em pacientes com bronquiolite é o suporte ventilatório, especialmente nos pacientes que evoluem com insuficiência respiratória. Com relação a esse suporte ventilatório, o uso da ventilação não invasiva (VNI) tem sido cada vez mais indicado nas Unidades de Terapia Intensiva pediátricas. Apesar disso, não existem evidências científicas de qualidade que suportem o uso da VNI em pacientes com bronquiolite grave. Existem dúvidas a respeito da eficácia da VNI para prevenir a evolução para ventilação invasiva, além da preocupação com os custos relacionados a essa medida e das complicações associadas, como broncoaspiração, barotrauma e instabilidade hemodinâmica.

Uso da ventilação não invasiva no tratamento da bronquiolite existe melhora do prognóstico

Novo estudo

Um estudo publicado em dezembro no periódico Critical Care Medicine Journal trouxe mais luzes a essa questão. O estudo, de caráter retrospectivo, analisou dados de internações por bronquiolite de 49 centros pediátricos dos Estados Unidos participantes do banco de dados Pediatric Health Information System (PHIS). Crianças previamente hígidas com menos de 12 meses de idade internadas com diagnóstico de bronquiolite entre janeiro de 2010 e dezembro de 2018 foram incluídas no estudo. Os desfechos primários analisados foram o uso de VNI, de ventilação invasiva e a presença de parada cardiorrespiratória (PCR).

Foram incluídos dados de 147.288 hospitalizações, com média de idade de 4 meses. Desse total, 5,8% receberam tratamento com VNI. Houve um aumento no uso da VNI para o tratamento da bronquiolite de 2,9% para 8,7% ao longo dos anos incluídos no estudo (OR 1,17% por ano; IC 95%: 1,16-1,18, aumento de 306,7%). O uso de ventilação invasiva também aumentou no período: de 2,1% para 4% (OR 1,06; IC 95% 1,05-1,07, aumento de 193,2%), assim como as taxas de parada cardiorrespiratória de 0,18% para 0,35% (OR 1,07; IC 95% 1,03-1,11, aumento de 194,4%).

Os hospitais foram classificados como tendo alta utilização de VNI (utilização em 2,3-14% dos casos) ou baixa utilização de VNI (utilização em 0-0,1% dos casos). Ventilação invasiva após o dia de admissão ocorreu em 5% e 1,8% das crianças em hospitais com alta e baixa utilização de VNI, respectivamente, sem diferença estatisticamente significativa (OR ajustado 1,8, IC 95% 0,7-4,6). PCR após o dia de admissão ocorreu em 0,36% e 0,02% das crianças em hospitais com alta e baixa utilização de VNI, respectivamente, com diferença estatisticamente significativa (OR ajustado 25,4, IC 95% 4,9-131%).

Novas perspectivas para o uso da VNI na bronquiolite

De forma geral, os resultados sugerem o aumento dos índices de utilização de VNI como tratamento para a bronquiolite. Apesar disso, não houve associação do nível de uso hospitalar da VNI com redução de evolução para ventilação mecânica, e houve associação do nível de uso hospitalar da VNI com o aumento dos índices de PCR.

Assim como em outros estudos presentes na literatura, os resultados não sugerem um efeito protetor da VNI no tratamento da bronquiolite com relação a evolução para ventilação invasiva ou para PCR. O uso da VNI em crianças com bronquiolite grave pode atrapalhar a avaliação e a intervenção precoce em pacientes com insuficiência respiratória progressiva, podendo aumentar o risco de PCR. Além disso, a VNI pode ter efeitos negativos na hemodinâmica ou mesmo ser causa de complicações, como pneumotórax, que podem predispor a PCR.

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A natureza administrativa dos dados atrapalha algumas avaliações, como por exemplo, se a diferença estatística encontrada na evolução para ventilação invasiva ou PCR se deve à diferença da gravidade entre os pacientes, o que não pode ser avaliado adequadamente. Sendo assim, o presente estudo não pode ser utilizado para estabelecimento de protocolos específicos para uso da VNI no tratamento da bronquiolite. Também é importante ressaltar que a casualidade não pode ser avaliada nesse estudo, ou seja, não é possível dizer se o uso da VNI foi o causador do aumento na evolução para ventilação invasiva ou progressão para PCR.

Apesar disso, os dados apresentados são interessantes, principalmente no atual momento em que se utiliza a VNI de forma liberal para o tratamento da bronquiolite. Mais dados são necessários para aprofundar a compreensão dos benefícios potenciais desse tipo de modo ventilatório no tratamento dessa doença. Aguardemos!

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