Uso mensal de vitamina D aumenta o risco de fraturas?

Grandes estudos falharam em demonstrar benefício na redução de fraturas após o uso da vitamina D. Esta metanálise de 11 ensaios clínicos traz novos resultados dessa associação.

A vitamina D é um hormônio que é comumente associado a maior risco de diversas patologias. No entanto, a grande maioria dos estudos falharam em comprovar uma associação causal e sobretudo dos benefícios de sua reposição. É evidente o seu papel no metabolismo ósseo (melhora a absorção intestinal e reabsorção renal de cálcio; quando em baixos níveis pode desencadear um hiperparatireoidismo secundário, por exemplo), porém até mesmo a relevância da sua reposição na osteoporose e redução do risco de fraturas ainda é controverso. 

Grandes estudos como o ViDA (Lancet) ou VITAL trial (NEJM) e mesmo uma recente metanálise de 11 estudos publicada no JAMA em 2017 falharam em demonstrar benefício na redução de fraturas após o uso da vitamina D. Nessa metanálise de 11 ensaios clínicos randomizados, com n = 34.243, houve um RR de 1.06 (IC 95%; 0,89-1,08). Vale lembrar que tais estudos tiveram como amostra a população geral (normalmente mais idosos), sem isolar pacientes de alto risco ou especificamente aqueles com baixa massa óssea ou osteoporose diagnosticada. 

Atualmente, recomenda-se que em pacientes com osteopenia ou osteoporose e depletados ou com baixos níveis de vitamina D, os níveis séricos de vitamina D sejam mantidos entre 30 e 60 ng/mL, com objetivo de se evitar um hiperparatireoidismo secundário, otimizar a absorção de cálcio e equilibrar o metabolismo do cálcio, mitigando assim eventuais falhas no tratamento da osteoporose e maior risco de fraturas. 

Há associação entre suplementação oral de vitamina D e peso corporal em pediatria?

Há associação entre suplementação oral de vitamina D e peso corporal em pediatria?

Sobre a vitamina D 

A vitamina D é sintetizada em etapas, onde inicialmente seu precursor na pele, o 7-Dehidrocolesterol, sofre ação dos raios UVB. Em seguida, ela passa pelo primeiro processo de hidroxilação no fígado, se tornando a 25-OH-Vitamina D (forma que é dosada e mais abundante) e uma proporção milesimal sofre a segunda hidroxilação a nível renal, se tornando a 1,25-OH-Vitamina D, o calcitriol, forma ativa. Lembrando que quando falamos em dosagem e reposição da vitamina D, estamos falando da 25-OH-D. 

Leia também: https://pebmed.com.br/os-reais-beneficios-da-vitamina-d/ 

Uso mensal da vitamina D e risco de fraturas 

Além de toda a questão sobre os benefícios de sua reposição, alguns estudos ainda demonstraram um maior risco de fraturas ou de quedas associado ao uso mensal ou anual de altas doses como 200.000 UI, por exemplo.  

Esse contexto motivou a realização de um grande ensaio clínico randomizado (RCT) na Austrália, que buscou esclarecer o impacto da suplementação de uma dose mensal de 60.000 UI de vitamina D em uma população idosa, o D-Health trial, publicado no Lancet Diabetes and Endocrinology no final de março de 2023. 

O D-Health trial foi um estudo baseado na população australiana, duplo cego, randomizado e controlado por placebo. O endpoint primário desenhado originalmente foi a avaliação de mortalidade por todas as causas. Apenas o endpoint terciário foi selecionado para avaliação do risco de fraturas, o que já é uma limitação do estudo. De qualquer forma, o estudo selecionou um número significativo de pacientes (21.315 adultos, entre 60 e 84 anos), o que daria um poder de 80% para predizer uma razão de riscos (HR) de 0,94 – baseado em estudos como o VITAL trial. O objetivo dos autores era não só avaliar benefícios mas também identificar um eventual aumento na incidência de fraturas associado especificamente com o esquema mensal oral de altas doses de vitamina D. Foram excluídos participantes com antecedente de hipercalcemia, hiperparatireoidismo, osteomalácia, sarcoidose ou nefrolitíase. A média de idade foi de 69 anos, com boa proporção entre mulheres (54%) e homens (45%). Dois destaques negativos: o diagnóstico de osteoporose era assumido apenas se os pacientes estavam em uso de alguma medicação anti-fratura e não foi feito uma coleta de vitamina D ao início e ao final; no entanto, os autores fizeram uma coleta randômica de amostras anuais em cerca de 4441 participantes. 

Resultados 

Durante o seguimento de cinco anos, o uso de doses mensais de vitamina D (60.000 UI) não reduziu o risco de fraturas (totais), tampouco aumentou. Em 568 participantes no grupo vitamina D (5,6%) e em 603 (5,9%) no grupo placebo houve pelo menos uma fratura (HR 0,94; IC 95%; 0,84 – 1,06; log-rank p = 0,32). Quando os autores permitiram o HR variar com o tempo desde a randomização, houve uma tendência a redução no risco de fraturas no grupo vit D a partir de 3,5 anos da randomização. A diferença no percentual de pacientes que permaneceu livre de fraturas após 5 anos foi de 0,33% (IC 95%; -0,31 a 0,97%), o que, além de sem significância estatística, implicaria na necessidade de tratar 303 pessoas para se evitar uma fratura. Ainda, quando se permitiu avaliar o HR variando de acordo com o tempo de randomização, houve uma tendência a aumento do HR de fraturas no período imediatamente após a randomização dentre os pacientes mais idosos, porém com rápida normalização durante o primeiro ano. Os níveis atingidos em média das amostras coletadas de vitamina D ao longo do estudo foi de 46,07 ng/ml no grupo vit D e 30,8 ng/ml no grupo placebo. Não houve diferença quanto a efeitos colaterais. 

Mesmo quando estratificado por tipos de fraturas, não houve significância ou mesmo tendência a redução de fraturas: 

  • Fraturas não vertebrais: no grupo vitamina D foram 510 (5,0%), contra 533 (5,2%) no grupo placebo; 
  • Fraturas osteoporóticas maiores (fêmur, úmero, vértebra e antebraço): grupo vitamina D teve 291 (2,9%), contra 291 (2,9%) no grupo placebo; 
  • Fraturas de quadril: grupo vitamina D apresentou 117 (1,2%) e o grupo placebo teve 105 (1,0%). 

Pitfalls e conclusões 

Apesar do N considerável e se tratar de um ensaio clínico randomizado, esse estudo não trouxe grandes esclarecimentos quanto ao benefício ou mesmo segurança no uso de altas doses mensais de vitamina D. Em primeiro lugar, os resultados deste estudo representam achados de um desfecho terciário selecionado, apesar da amostra ser significativa. Em segundo, os níveis de vitamina D séricos iniciais não foram estimados e não sabemos quais pacientes estavam depletados, quais estavam com nível adequado e a análise foi feita de forma conjunta, o que pode “diluir” os possíveis benefícios. Ainda, não foram excluídas as fraturas de alto impacto, ou seja, fraturas advindas de traumas maiores que não devem ser prevenidas pelo uso da vitamina D. Também não houve estratificação de acordo com diagnóstico ou não de osteoporose. Por fim, a dose utilizada de 60.000UI é bem menor do que as superdosagens utilizadas em outros estudos, que chegou até 500.000UI anuais.  

Talvez o dado principal seja o tempo de seguimento (cerca de 5 anos) – quando os autores permitiram a variação do HR de acordo com o tempo, houve uma tendência à maior benefício da reposição em homens a partir de 3,5 anos – o que pode sugerir que a vitamina D só traga alguma proteção óssea depois de um certo tempo. Contudo, mesmo assim, o NNT seria de aproximadamente 300 nessa situação, o que torna seu uso nesse contexto questionável. Por hora, mantemos as recomendações atuais de utilizar a vitamina D apenas no contexto em que possíveis benefícios sejam mais claros e sobretudo em menores doses com menores intervalos. 

Este artigo foi produzido em parceria com a Elsevier, utilizando os conteúdos baseados em evidências disponíveis na plataforma ClinicalKey. Clique aqui para saber mais.

 

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