Violência Obstétrica e a relação médico-paciente

A violência obstétrica é uma questão social que impõe traumas à mulher. Neste artigo, Dr. João Marcelo Coluna discute o que é preciso fazer.

A relação entre médico e paciente é, de antemão, uma relação de privilégio. Quando tratamos de uma paciente mulher em situação de parto, essa posição privilegiada do profissional médico fica ainda mais evidente. No texto de hoje, vamos olhar para esses dois seres humanos em situações opostas: agressor e vítima. 

Quando olhamos para atos de violência obstétrica, especificamente em situações de parto, momentos que poderiam ser agradáveis para os presentes na sala (familiares, parturientes, equipe médica e de enfermagem) tornam-se cenários de caos, medo e repugnância.

Leia também: Violência obstétrica: precisamos falar sobre isso

mulher que cuida da saúde bucal na gravidez

História de violência

A violência contra a mulher é antiga. Enraizada em diversas culturas, inclusive na brasileira, fica clara em vários contextos ao redor do mundo. Mulheres têm seus clitóris extirpados para não sentirem prazer em algumas tribos da África. Em países europeus, como na Holanda, o turismo sexual é divulgado como meio de sobrevivência de mulheres.

A história povoa fatos diminuindo a grandiosidade do feminino. Desde a história antiga, as mulheres estavam afastadas de grandes e importantes decisões, marginalizadas da sociedade. Esparta, Atenas, Roma – eram todas cidades de poderio masculino. Olhando para a história mais recente, na época do Brasil Colônia, as amas de leite serviam os filhos dos proprietários em sua alimentação inicial.

Há vários exemplos, que não caberiam neste artigo.  

Mas voltemos à relação entre médico e paciente. Um médico, ao aproveitar-se, em qualquer nível, de uma paciente em situação de vulnerabilidade, está infringindo o código de ética da profissão e ferindo todo e qualquer histórico de boas práticas anteriores ao ato criminoso. O médico, ao se formar, jura abreviar o sofrimento humano, jamais promovê-lo.

Relação de confiança

Uma mulher gestante, aguardando para receber seu filho, vai até a maternidade para o tão esperado parto humanizado. Aqui, podemos parar um momento e questionar, inclusive, a origem da expressão “parto humanizado”: se existe essa discussão sobre a necessidade de se humanizar um parto, algo na formação médica foi negligenciada? Seriam os obstetras os únicos responsáveis pela violência obstétrica?

Acontecimentos recentes podem justificar que não, não são os únicos. A violência obstétrica pode ocorrer nas mãos de outros profissionais envolvidos no parto. Pode ocorrer até antes do início do parto em si: pode ocorrer quando uma paciente não é corretamente recebida no hospital. Pode ocorrer pela falta de estrutura em maternidades mal administradas, ou pela falta de insumos básicos para o atendimento da gestante. Essas situações não cabem apenas na conta da obstetrícia.

Até um bom tempo atrás, o médico, detentor de um conhecimento grandioso e considerado até superior a outros, era pouco questionado. Hoje, com informação mais acessível a todos pelas redes sociais, compartilhamento de textos e outros conteúdos na internet, a gestante e demais mulheres têm mais oportunidades de questionar e exigir seus direitos com muito mais vigor. O respeito ao ser humano, principalmente em situação de vulnerabilidade como durante a gestação, deve ser sempre priorizado e protegido.  

Enquanto não existirem ações que englobam desde a gestante (responsabilidade em fazer o pré-natal, consultas, exames, grupos), médico (preparo, paciência, empatia, técnica) e toda a equipe multidisciplinar envolvida, não vamos sair do lugar. Cada um ainda pensa muito em reivindicar o que necessita e precisa, sem olhar para qual parcela de contribuição pode dar ao processo de parto. Ainda há um longo caminho pela frente. 

Todos queremos a mesma coisa: mãe e bebê saudáveis e felizes! 

Ninguém deve sair machucado de um parto. Vamos trabalhar.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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