Zolpidem: o que está por trás do remédio da moda

O zolpidem tem sido o indutor de sono mais utilizado no tratamento de insônia nas últimas décadas. Saiba mais.

Não faltam memes nas redes sociais sobre o uso do zolpidem: de alucinoses a parassonia, os relatos de situações hilárias, bizarras e diversas vezes extremamente arriscadas povoam a internet. Muitos desses relatos estão associados a “comportamentos complexos do sono”, que desde 2019, por determinação da Federal Drug Administration (FDA) consta na bula do zolpidem e de outras drogas Z (como eszopiclone e zaleplon) com o alerta que podem resultar em “ferimentos graves e mortes”.  

O zolpidem é o remédio do momento e por muito tempo sua prescrição foi associada a errônea percepção de que os temidos efeitos de tolerância e dependência dos benzodiazepínicos não ocorreriam.  

Seu efeito como rápido indutor do sono parece extremamente bem-vindo em uma sociedade que tem dificuldade em tolerar desconfortos intrínsecos a existência humana, por mais simples que eles sejam, como esperar para que, paulatinamente, seu corpo se desconecte do ambiente e enfim alcancemos uma boa noite de sono.

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caixa de remedio aberta

Aí que começam os problemas 

A insônia, caracterizada pela dificuldade de iniciar ou manter o sono, pelo despertar precoce ou por um sono não reparador com comprometimento diurno, é um fenômeno extremamente comum na população. Pode ter diversas causas, passando tanto por má higiene do sono, resposta normal a uma situação estressante ou difícil, problemas médicos gerais, como dor crônica, questões psiquiátricas, abstinência de medicações e menos comumente, um problema primário do sono.  

O zolpidem tem sido o indutor de sono mais utilizado no tratamento de insônia nas últimas décadas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) calcula que, entre 2011 e 2018, a venda do fármaco cresceu 560% no Brasil. Somente em 2020, foram comercializadas 8,73 milhões de caixas de zolpidem nas farmácias do Brasil.  

Desde seu lançamento nos Estados Unidos em 1992 até muito recentemente ele foi largamente propagado como um não benzodiazepínico e por conseguinte, como isento dos problemas próprios a esta classe de medicamentos. 

Efeitos farmacológicos 

Sua ação farmacológica se dá a partir da sua ação como modulador alostérico positivo dos receptores de GABAA, ligando-se seletivamente a subunidade α1 do receptor GABA – distinguindo-se dos benzodiazepínicos que possuem igual afinidade farmacológica para as subunidades α1, α2, α3, α5. Em doses maiores o zolpidem consegue ligar-se a receptores GABA com subunidades α2 e α3.  Os receptores GABA α1 são os principais responsáveis pelos efeitos sedativos e ansiolíticos dos benzodiazepínicos. A partir dessa observação da seletividade pela subunidade α1 surgiu a especulação que o zolpidem possuiria propriedades neuroquímicas únicas que lhe conferiria uma menor probabilidade de causar prejuízo motor, alterações de memória, tolerância e dependência. 

Ação similar a benzodiazepínicos 

Os estudos clínicos, no entanto, não corroboram essa ideia e na prática, sua ação é similar a dos benzodiazepínicos – o zolpidem também não difere de outras medicações hipnóticas que interagem o sistema gabaérgico.   

O zolpidem conta com as formulações de liberação imediata de 5 e 10 mg, por via oral e sublingual – com a versão sublingual tendo eficácia ligeiramente maior ou similar a via oral para redução de latência do sono e de liberação estendida de 6,25 e 12,5 mg (desenvolvida para melhor a sua eficácia na manutenção do sono), que possui liberação bifásica, 60% do seu conteúdo sendo liberado logo após sua tomada e 40% de modo retardado.  

O zolpidem somente deve ser usado para tratamento de curta duração (quatro semanas) de insônia e somente se o paciente terá de sete a oito horas de sono antes de iniciar suas atividades.  

A grande diferença entre o zolpidem e os benzodiazepínicos é a extensão temporal das alterações motoras e de memória, que ocorrem por um curtíssimo período com o uso do primeiro, visto que sua meia vida varia de duas a três horas e meia nas formulações de liberação imediata.   

Manutenção do sono 

A eficácia do zolpidem não é superior ao placebo em termos de manutenção do sono, tempo ao despertar após o sono e despertares noturnos (considerando as formulações de liberação imediata). Insônia rebote ocorre em doses superiores a 10 mg/d.  

O zolpidem possui metabolização hepática pelo citocromo P450, com poucas interações medicamentosas – excetuando-se fluvoxamina que pode até dobrar sua dose e rifampicina, carbamazepina e tabagismo que diminuem seu nível plasmático.  

O sexo influencia significativamente na farmacocinética do zolpidem: qualquer que seja a dose as mulheres terão concentrações plasmáticas maiores que os homens. Por esta razão, em algumas localidades, há a recomendação de se iniciar a menor dose possível para as mulheres, 5 mg – o mesmo vale para idosos, que tem sua capacidade de metabolização diminuída ao longo do tempo.

Leia também: Uso de psicofármacos na gestação

Zolpidem na gravidez  

O uso contínuo de zolpidem durante a gravidez está associado com parto prematuro, baixo peso ao nascer, alterações congênitas e maior ocorrência de cesarianas. Além disso, zolpidem está associado a aumento do risco de quedas em pacientes hospitalizados quando prescrito para insônia e aumento do risco de fraturas.  

Nós, prescritores, precisamos considerar cuidadosamente os riscos e benefícios potenciais acima explanados ao escolher prescrever o zolpidem, avaliando as causas primárias para o quadro, as intervenções não medicamentosas que podem ser adequadas (higiene do sono, terapia cognitivo comportamental do sono) e as demais alternativas medicamentosas para a situação.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Biernath, André. Zolpidem: os preocupantes efeitos colaterais do remédio que virou moda entre os jovens. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63233824 
  • Edinoff AN, Wu N, Ghaffar YT, Prejean R, Gremillion R, Cogburn M, Chami AA, Kaye AM, Kaye AD. Zolpidem: Efficacy and Side Effects for Insomnia. Health Psychol Res. 2021 Jun 18;9(1):24927. doi: 10.52965/001c.24927. PMID: 34746488; PMCID: PMC8567759. 
  • PQU Podcast. Episódio
  • 87 – Zolpidem. 
  • Stephen M. Stahl. Stahl’s Essential Psychopharmacology: Neuroscientific Basis and Practical Applications. Fifth edition. Cambridge: Cambridge University Press, 2021. 
  • Victorri-Vigneau C, Gérardin M, Rousselet M, Guerlais M, Grall-Bronnec M, Jolliet P. An update on zolpidem abuse and dependence. J Addict Dis. 2014;33(1):15-23. doi: 10.1080/10550887.2014.882725. PMID: 24467433. 

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