10 desafios globais da educação médica

Buscar oportunidades que se somem a educação médica, pode ser uma via prática de garantir bom posicionamento no mercado.

A educação médica formal tem se mostrado insuficiente para as diversas necessidades do mercado de trabalho real. Um fator bastante ilustrativo das consequências dessas lacunas de formação é o grande adoecimento de profissionais da medicina em todo o país e percepção de estresse relacionado ao trabalho atribuída a fatores que fazem parte da realidade do mundo do trabalho, mas nem sempre fazem parte da formação curricular normal (contas médicas, legislações em saúde, finanças pessoais, oportunidades de trabalho, construção de carreira, entre outros). 

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Essa dissociação entre aquilo que é necessário ao trabalho e aquilo que é a proposta de formação médico levanta o questionamento sobre os diversos desafios da educação médica na vida prática de cada profissional. Desde a pandemia do novo coronavírus, o cenário parece ter ficado ainda mais complexo com a necessidade de aplicação de novas habilidades pelos profissionais já formados ao mesmo tempo em que se limitou as possibilidades de desenvolvimento de habilidades pelos profissionais em formação em um currículo altamente complexo. 

Influenciado por esse contexto, em 2021 o pesquisador Stwart Mennin publicou no periódico Medical Science Educator 10 desafios globais para a educação médica. De lá para cá o cenário não apresentou tantas modificações, e a realidade brasileira atualmente parece impor alguns desafios particulares a essa lista de Mennin. Os itens da lista em tradução livre estão comentados a seguir. 

10 desafios globais da educação médica

10 desafios globais da educação médica

1- A pandemia de covid-19 

Mudanças impostas durante os períodos de lockdown e a reorganização dos serviços de saúde modificaram as relações entre os cenários de ensino e aprendizagem em medicina. Uma mudança drástica foi a “hibridização” do ensino entre remoto e presencial em diferentes estruturas complexas de currículo. O desenvolvimento de habilidades leves e altamente complexas como as de comunicação clínica, bem como de outras habilidades cognitivas e motoras como avaliação semiológica e construção de raciocínio clínico foram fortemente impactadas. Em muitos casos, o contato entre pares de maneira presencial se deu dois após ingresso no curso, por exemplo. De mesmo modo, muitos estudantes tiveram seu contato com o encontro clínico adiado em razão da pandemia, impactando no desenvolvimento de habilidade e competências necessárias ao médico. 

2- Qualidade de ensino 

A qualidade de ensino – mesmo em um contexto pré-pandêmico – sempre é um ponto cuja atenção é fortemente necessária. Mudanças tecnológicas e sociais facilmente aceleram a necessidade de revisitar o currículo. Na visão de Mennin, um ponto fortemente impactado pela pandemia é a utilização de atividades pedagógicas de pequenos grupos, em que as discussões no formato online são modificadas. 

3- Resistência à mudança 

A constante mudança do panorama tecnológico tem provocado profundas alterações em ferramentas de ensino-aprendizagem. O deslocamento do centro de informações técnicas do professor para diversas bases de dados, informatização do ensino e necessidade da adoção de metodologias ativas de ensino é uma realidade no ensino médico. Embora essas transformações sejam reais, Mennin aponta a resistência à mudança por parte de grande parte do copo docente ao redor do mundo, especialmente pela mudança de paradigmas no que é o aprimoramento de habilidade e competências na área da saúde. Para o autor, a expertise é um núcleo central da construção da identidade dos profissionais médicos no meio acadêmico e mudanças, mas dinâmicas que podem colocar isso em xeque implicam em aumento de tensão. 

4- Colaboração 

A integração entre ensino e prática se fragmenta quando o modelo dominante de formação médica é baseado em avaliações individuais de performance. Na visão do autor, os profissionais são formados para atuarem de maneira independente, assim como grande parte dos modelos de remuneração também é baseado em grande parte por avaliações individuais. Dessa forma, os cenários de ensino e prática vão se estruturando em modelos de liderança altamente hierarquizados e os desfechos priorizados são os de desempenho individual.   

Paradoxalmente os sistemas de saúde em todo mundo tem se organizado para modelos de gestão compartilhada e colaborativa, em que os desempenhos são baseados em valores de saúde gerados. Essa é uma tendência também para os modelos de remuneração, cada vez mais focados em saúde baseada em valor como performance. Contudo, o valor em saúde dificilmente é atingido de maneira individualizada e sim com trabalho colaborativo entre times. As práticas pedagógicas de pequenos grupos embora sejam uma ferramenta que possa proporcionar esse tipo de aprendizagem acabam limitadas por práticas avaliativas ainda focadas no indivíduo e não no desempenho do trabalho em grupo. 

5- Muito a fazer com recursos e tempo limitados 

O percurso de formação médica é extenso. Além de complexo, os recursos que são cenários de prática são cada vez mais limitados, o que impacta a assistência à saúde e o ensino médico. Além disso, outro importante recurso limitado na área da saúde é o tempo. Seja o tempo de atendimento, o tempo de formação, a janela de oportunidade para a intervenção, o tempo de prevenção oportuna, o tempo é escasso. Equilibrar a prática pedagógica necessária no momento necessário é tão complexo quanto ofertar o cuidado de saúde necessário no momento necessário, nem precocemente e nem tardiamente.   

6- Vieses de interseccionalidade 

Muitos são os vieses sociais de interseccionalidade que atravessam a formação médica. Para Mennin isso inclui gênero, idade, etnia, status, experiência, especialidade médica, crença religiosa, localização geográfica, entre outros. No mundo, assim como no Brasil, um exemplo ilustrativo é a desigualdade de gênero. Embora cada vez mais pessoas que se identifiquem como mulheres estejam ingressando no campo de trabalho da medicina, aqueles que se identificam como homens ainda são a maioria. Em alguns cenários de especialidades ocupam maiores números. Além disso, muitos cargos de gestão não apresentam paridade de gênero, o que gera uma assimetria que se caracteriza como importante viés social. 

7- Competição entre funções 

Mennin identifica que profissionais médicos dentro dos serviços de saúde e de ensino em saúde ocupam muitas funções diferentes. Equilibrar as responsabilidades e demandas complexas de todas essas funções acaba sendo um problema, não só pelo desgaste profissional, mas também pela dificuldade de equilibrar essas demandas de trabalho distintas com a vida pessoal e tempo com a família. Frequente, em muitos serviços de ensino, médicos ocupam papéis de pesquisadores, gestores, preceptores, docentes e assistentes. Todas essas funções executadas pelo mesmo profissional geram um desvio do foco para o ensino, por exemplo, e aumentam em muito a percepção de estresse. 

8- Integração

No Brasil, como em outros países, as mudanças de paradigmas da educação têm apresentado um caminho difícil para a construção dos currículos: com cada vez mais conhecimentos e competências necessárias para a realidade de trabalho que se somam ao todo já construído, é desafiador equilibrar novas disciplinas, integração entre áreas de saber e a carga horária que se mantém a. Logo, tanto estudantes como professores, segundo Mennim, se veem em uma posição de sobrecarga. Superar essa necessidade de ampliação de saberes e integração de disciplinas em um modelo de ensino muito influenciado por perspectivas pedagógicas tradicionais em que o ensino é centrado no professor como fonte de conhecimento vai se tornando uma atividade cada vez mais impossível para as escolas médicas. 

9- Conflitos entre individualidade e coletividade 

Para Mennin, uma dinâmica comum em serviços de saúde é o conflito entre indivíduos e grupos, sejam eles de trabalho, especialidades, categorias profissionais. No ensino da saúde essa é uma barreira grande para construção de um sistema de ensino que reflita modelos assistenciais com trabalho coletivo. A demanda do mercado de saúde exige cada vez mais dos profissionais que se posicionem bem em performances de grupo de trabalho, com modelos de remuneração que se baseiem em resultados coletivos.  

10- Desenvolvimento de habilidades de ensino e avaliação em educadores médicos  

Finalmente, embora não menos desafiador, o desenvolvimento docente é um grande desafio. Com docentes e preceptores formados em uma metodologia tradicional, a mudança de paradigma com uma formação docente voltada para competências pedagógicas é um caminho árido a ser percorrido. No modelo tradicional em que o professor atua como detentor de informações, quanto maior o conhecimento técnico de um assunto maior a presunção de habilidade docente. Movimentar essa visão para outros modelos de ensino-aprendizagem tem sido uma grande dificuldade de escolas médicas em todo o mundo.   

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Mensagem final 

Os 10 desafios globais do ensino médico são uma realidade que transpassa a atuação de todos os profissionais médicos no Brasil, em maior ou menor grau. O grande impacto do modelo de ensino médico na prática de quem atua profissionalmente é. Que os modelos assistenciais e de ensino são paralelos. Assim, a maneira como aprendo a ser médico é diretamente influenciadora da assistência em saúde que prático.  

Dessa forma, com as novas necessidades de mercado, buscar oportunidades que se somem ao percurso educacional de profissionais já formados (congressos, sites de notícias, podcasts, cursos livres, pós-graduações) podem ser uma via prática para profissionais com tempo de carreira aprimorarem essas habilidades e garantirem bom posicionamento no mercado de saúde. 

 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Mennin, S. Ten Global Challenges in Medical Education: Wicked Issues and Options for Action. Med.Sci.Educ. 31 (Suppl 1), 17–20 (2021). https://doi.org/10.1007/s40670-021-01404-w 

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