32 anos da Lei Orgânica do SUS: o desafio de retenção de profissionais da medicina

Compreender a dinâmica do Sistema Único de Saúde (SUS) é um fator importante que determina a qualidade da prática médica brasileira.

Há mais de três décadas o Brasil possui um sistema de saúde que é universal. Com um desenho voltado à acessibilidade, participação popular, distribuição equânime de recursos e políticas públicas, o Sistema Único de Saúde (SUS) mudou e continua mudando a cara da saúde brasileira.

Leia também: SUS: Pacientes imunocomprometidos e com infecções fúngicas terão três novas opções de tratamento gratuitas

especialidades medicas

PNS

Em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou que 71,5% dos brasileiros utilizam exclusivamente o SUS como prestador de serviços de saúde. Por outro lado, 71,7% dos médicos brasileiros atuam no SUS, sendo que apenas 21,5% de modo exclusivo.

O estudo de demografia médica realizado por Scheffer e colaboradores em 2020 e publicado pela Universidade de São Paulo evidenciou que perfil do médico que atua exclusivamente no SUS é jovem e feminino. Paralelamente a essa realidade, o mesmo estudo demonstrou que é justamente esse perfil atuante exclusivamente no SUS o que possui a menor remuneração e faixa salarial entre todos os médicos participantes do estudo.

O que já foi o maior empregador de profissionais da medicina no Brasil hoje enfrenta a dificuldade de retenção desses profissionais. O estudo demografia médica evidenciou que ao longo da carreira 30% desses profissionais migraram seu foco de atuação, deixando o serviço público para atuarem exclusivamente na saúde suplementar — área que embora atenda à menor parte da população, concentra a maior parte de profissionais médicos atuantes de modo exclusivo no setor.

Além disso, é importante lembrar que o crescimento de médicos jovens e com menor tempo de formação implica em um aumento da força de trabalho com menor especialização. Dessa forma, o perfil do profissional atuante no SUS tende a ser de médicos generalistas sem titulação ou residência médica.

Em um dos levantamentos realizados por nossa própria equipe, médicos atuantes exclusivamente no serviço público apresentam maiores níveis de estresse. Ao mesmo tempo, atribuem essa maior percepção de estresse à excesso de atividades burocráticas e insatisfação com o sistema e condições de trabalho.

A distribuição de profissionais pelo território brasileiro também não é regular, como também demonstrado por Scheffer. A maior parte dos profissionais está concentrada nas regiões sul e sudeste, o que do ponto de vista prático forma bolsões de vazios assistenciais ao longo do território brasileiro.

Lado financeiro

Um dos grandes desafios orçamentários nesse quesito diz respeito ao financiamento hipossuficiente. Exemplo disso é a defasagem em relação à tabela SUS, que regulamenta os valores destinados ao custeio de procedimentos e insumos. Há quase 20 anos, das três décadas de existência do SUS, não há reajustes nos valores cobertos pelo SUS. Isso dificulta a qualidade assistencial e a distribuição de recursos, especialmente hospitalares.

Esse é, sem dúvidas, um dos desafios que justifica a dificuldade de retenção de profissionais médicos no âmbito do SUS.

Saiba mais: Conferência com profissionais de saúde aponta desafios necessários ao SUS

Embora o dia seja de grandes comemorações, compreender a dinâmica do setor de saúde no Brasil é um grande fator que determina a qualidade da prática médica brasileira. Tanto para os profissionais já estabelecidos no mercado, mas especialmente para os recém-formados, identificar os fatores que modificam as condições de atuação dos profissionais da medicina no Brasil sinaliza as condições de empregabilidade no futuro, fixação profissional e modificação da qualidade assistencial prestada à população.

São 32 anos de consolidação de uma das maiores políticas públicas nacionais já criadas, e assim como para os Millennials — maior força de trabalho no SUS hoje — rever as relações de trabalho é uma prioridade, os desafios futuros envolvem rever os paradigmas da relação entre essa importante política pública e os níveis de gestão no Sistema Único de Saúde (SUS).

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Scheffer M, et al. Demografia médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM, p. 125, 2020. Disponível em:  https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2020_9DEZ.pdf
  • Stopa SR, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2020;29.
  • Brancalion FNM, Lima AFC. Gestão baseada em processos visando à melhoria dos resultados assistenciais e financeiros em Saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP. 2022;56.

Especialidades