O terceiro dia da Semana Brasileira do Aparelho Digestivo foi marcado por discussões relacionadas a intolerâncias alimentares. O primeiro tema discutido foi a dieta FODMAP, em palestra ministrada pelo Dr. Hoiti Okamoto. O nome FODMAP advém de um acrônimo em inglês que significa Fermentable Oligosaccharides Disaccharides Monosaccharides and Polyols. Foi descrita por Barrett e Gibson, com o racional de que carboidratos de cadeia curta atuam como moléculas osmoticamente ativas, de pobre absorção pelo intestino delgado e rapidamente fermentadas pelas bactérias, as quais produzem gases e ácidos graxos de cadeia curta. Okamoto destacou o papel das frutoses no conteúdo de água do intestino delgado e dos frutanos na quantidade de gases no intestino grosso. Os FODMAPs têm papel importante no fornecimento de nutrientes para microbiota colônica, sendo degradados a ácidos graxos de cadeia curta. Estudos prévios demonstraram que a restrição de FODMAPS:
- Reduz o número total de bactérias;
- Reduz o cluster Clostridia IVa, produtores de butiratos;
- Reduz Akkermansia muciniphilia;
- Reduz Bifidobacterias;
- Aumenta Ruminococcus;
- Altera o equilíbrio de Firmicutes e Bacteroidetes.
Segundo Okamoto, a dieta tem várias limitações, como o custo clínico e econômico, aderência do paciente, limitação nutricional, qualidade de vida e impacto psicológico. Se instituída, deve ser orientada por nutricionista especializado e dividida em três fases:
- Fase 1: eliminação ou restrição, cujo objetivo é controlar os sintomas.
- Fase 2: reintrodução, cujo objetivo é avaliar a sensibilidade individual a cada FODMAP.
- Fase 3: personalização, cujo objetivo é individualizar a dieta a longo prazo.
Uma sugestão inicial a médicos não especializados na dieta FODMAP seria começar com um teste de exclusão simples, retirando apenas alguns itens, como trigo, leite, cafeína excessiva e/ou alimentos específicos que o paciente identificou. Okamoto destacou que o Brasil é o segundo maior consumidor per capita de lactose do mundo segundo a USDA, sendo que a maior parte da população é intolerante a lactose. Chamou-se ainda a atenção para o consumo de frutanos, especialmente através do consumo de trigo nos pães, os quais quando ingeridos em grande quantidade podem causar sintomas abdominais.
A segunda palestra foi ministrada pelo Prof. Laercio Ribeiro e abordou o tema dieta e microbiota intestinal. Ribeiro iniciou sua apresentação destacando que uma parte expressiva da influência ambiental na saúde humana e no risco de doença é mediada ou modificada pelas microbiota. A disbiose intestinal já foi associada a vários distúrbios digestivos, neurológicos, respiratórios, metabólicos, hepáticos e cardiovasculares. Vários fatores contribuem para uma microbiota saudável, como: genética, via de parto, status socioeconômico, dieta, uso de medicamentos, etc. Alterações no micobioma, viroma e Archaeoma são ainda pouco conhecidos. Diversas pesquisas buscam formas de reestabelecer o equilíbrio da flora intestinal, seja através do uso de prebióticos, probióticos, simbióticos, transplante de microbiota intestinal e antibióticos. Segundo Ribeiro, a dieta é um fator chave para determinação da composição da microbiota intestinal, provavelmente o principal. Sabe-se que microorganismos do intestino grosso se nutrem, principalmente, da fermentação de componentes dietéticos não digeríveis. Foram apresentados estudos demonstrando uma grande diferença de composição da microbiota intestinal de pacientes em dieta ocidental, rica em alimentos processados e produtos animais, quando comparada à de indivíduos em dieta rica em alimentos vegetais. Pacientes em dieta ocidental apresentaram aumento de Bacteroides, Clostridium e Escherichia, bactérias associadas a distúrbios metabólicos e inflamação. Por outro lado, Ribeiro trouxe estudos que sugerem uma rápida modificação da microbiota após aumento do consumo de vegetais, impactando na concentração de ácidos graxos de cadeia curta. Por outro lado, estudos de microbiota após tratamentos antibióticos para H. pylori demonstraram que o microbioma pode permanecer alterado por mais de 4 anos, com altos níveis de resistência a macrolídeos. Por fim, o Ribeiro reforçou a necessidade que hábitos alimentares saudáveis sejam ensinados na infância e que se evite sempre o uso de grandes quantidades de sal, açúcar e gorduras.
A terceira palestra, ministrada pela Profa. Adélia Carmen, abordou especificamente as intolerâncias alimentares. Sabemos que os dissacarídeos necessitam ser quebrados enzimaticamente para serem absorvidos. As intolerâncias mais comuns são a lactose, frutose, frutano e rafinose. A tolerância alimentar depende de alguns fatores:
- quantidade ingerida;
- trânsito intestinal;
- microbiota;
- atividade enzimática residual.
À exceção da rafinose, as demais intolerâncias podem ser diagnosticadas por testes respiratórios de hidrogênio expirado. A intolerância a lactose pode ser tratada por exclusão da lactose da dieta e pela suplementação de lactase, com ou sem adição de probióticos, como Bifidobacterium e Lactobacillus GG. Adélia destacou que pacientes com má absorção de frutose podem ter baixos níveis de triptofano, o que se associada a sintomas depressivos. Já os frutanos, e não o glúten, foram associados a sintomas em pacientes com auto-relato de sensibilidade não celíaca ao glúten. O consumo de Psyllium parece reduzir a produção colônica de hidrogênio após ingestão de inulina, um tipo de frutano. Já a intolerância a rafinose, pode ser abordada pela suplementação enzimática de alfa-galactosidase, enzima capaz de ajudar a digestão de amidos/rafinose e reduzir a fermentação bacteriana, distensão abdominal e flatulência. Por fim, Adélia mencionou a ineficácia dos testes de investigação de sensibilidade a alimentos mediados por IgG, já condenados por várias sociedades médicas, uma vez que esses somente identificam a exposição prévia ao alimento e não intolerâncias.
Ao final dessa mesa, o Dr. Eduardo Usuy tratou do tema hipersensibilidade não celíaca ao glúten. Essa síndrome foi definida pela resposta sintomática à ingestão de glúten em pacientes sem evidência sorológica ou histológica de doença celíaca. Estima-se que atinja 10% da população, enquanto somente 0,7% são verdadeiros celíacos. A causa ainda é pouco conhecida e acredita-se que possa se associar a inibidores da amilase tripsina. Manifesta-se com diarreia, dor abdominal, constipação, distensão abdominal, emagrecimento, fadiga e cefaléia. Usuy concluiu que não existe tratamento específico, mas que, geralmente, orienta-se dieta com baixo teor de FODMAPs ou isenta de glúten.
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