A judicialização da saúde: enfermeiro no acesso e barreira do serviço

A Constituição Federal do Brasil, considera a saúde um direito fundamental e coloca como dever do Estado a efetivação legal desse direito.

A Constituição Federal do Brasil, considera a saúde um direito fundamental, sendo um direito de todos, e coloca como dever do Estado a efetivação legal desse direito. No Brasil, o direito à saúde está intimamente ligada à previdência social, tendo uma relação direta com direitos do trabalhador brasileiro. No decorrer da história, a constituição do direito à saúde se apresenta para todos os brasileiros na Constituição de 1988.

As instituições jurídicas e sanitárias observam uma metamorfose na relação do Direito e Saúde (CNJ, 2015). Existe uma direta associação do direito à saúde com o direito à vida. Os atores sociais foram constituídos no estabelecimento desse direito, enfatizo aqui as instituições que possuem funções essenciais da justiça, como o poder judiciário (ASENSI, 2010).

O poder judiciário possui o papel de assegurar o direito do cidadão. No entanto, o direito do cidadão pode ser efetivado logo na proposição da assistência pública ou privada, ou seja, no próprio serviço. Quando não se consegue a efetivação do direito na proposição do serviço, podemos ter a interferência dos diversos atores sociais na busca da finalística da causa.

Necessariamente não é apenas o judiciário que possui o dever de assegurar o direito do cidadão. Mas quando isso não acontece, temos o processo de judicialização para assegurar o possível direito do usuário perante a causa. Quando a judicialização acontece com condições relativas à saúde, temos a judicialização da saúde. De acordo com Ramos et. al (2016), “a judicialização da saúde se solidifica cada vez mais na condição de se assegurar o direito ao acesso à saúde, se colocando presente nos cenários de assistência à saúde no Brasil”.

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A judicialização tem sua origem nas barreiras encontradas no acesso à saúde e das dificuldades de acesso do usuário ao serviço. Ligamos essas vulnerabilidades a conceitos de qualidade, efetividade, dentre tantos outros que propõe uma saúde que assegure o direito à saúde em sua complexidade. Conquanto haja uma proposição de assegurar o direito à saúde, há também problemas na efetivação desse direito.

O governo brasileiro vem mostrando dificuldades em gerar o efetivo acesso ao serviço de saúde com qualidade a seus cidadãos. E já nos dias de hoje não vem sustentando a crescente demanda que vem lhe sendo imposta. Mesmo considerado escândalos nacionais relativos ao desvio de verba que seriam para a saúde, a realidade nos mostra a insuficiente atenção à saúde prestada pelas instituições governamentais (LIMA, et al. 2015).

De acordo com Nascimento (2016) “os litígios judiciais ou extrajudiciais que envolvem múltiplas partes são complexos e tendencialmente conflituosos, razão pela qual os processos dialógicos consensuais e colaborativos permitem benefícios mútuos, de maneira rápida e econômica e com menor desgaste”. Isso se tratando de uma ação que seja anterior ao fenômeno da judicialização.

Alguns estados e o Ministério Público vem buscando a resolução de conflitos anterior ao processo de judicialização, visando diminuir os conflitos entre o cidadão e o estado propositor da assistência. No Estado do Rio de Janeiro, temos por exemplo, a câmara de resolução de litígios de saúde (CRLS), da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro(PGE-RJ). No entanto, esse artigo busca mostrar pequenas práticas na assistência que possam diminuir esses conflitos judiciais.

Em estudo publicado por Tavares e Polakiewicz (2018) pode-se verificar a existência de setores de serviços com com maior índices de judicialização, nos dando uma visualização possível dos problemas encontrados na produção do acesso ao serviço de saúde, sendo os principais setores: 1) Ações Judiciais Referentes a Judicialização da Saúde Privada; 2) Ações Judiciais Referentes à judicialização política-administrativa relacionados ao SUS; 3) Ações Judiciais Referentes à judicialização da assistência no serviço do SUS; e 4) Ações Judiciais Referentes à judicialização de medicamentos e insumos relacionados ao SUS. Cada setor supra-citado apresenta as seguintes demandas judiciais:

  • Planos de Saúde; Plano de Saúde – Reajuste Por Idade, Serviços Hospitalares;
  • Repasse de verba do SUS, Convênio Médico com o SUS, Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos, Ressarcimento ao SUS, Genética / Células Tronco, Prescrição por Médico não vinculado ao SUS, Financiamento do SUS, Vigilância Sanitária e Epidemiológica;
  • Saúde Mental, Controle Social e Conselhos de Saúde, Hospitais e Outras Unidades de Saúde, Doação e Transplante de Órgãos; Tecidos/ Partes do Corpo Humano, Fornecimento de Medicamentos, Unidade de terapia intensiva (UTI), Realização de Exames / Cirurgia de Eficácia Não Comprovada, Internação em CTI/UTI, Internação Hospitalar, Terapias Alternativas, Cirurgia;
  • Medicamento Não Padronizado Pelo SUS, Medicamentos – Outros, Medicamento Sem Registro Junto à Anvisa, Fornecimento de Leite, Fornecimento de Fraldas, Equipamento Médico-hospitalar, Fornecimento de Insumos – Outros, Medicamentos e Outros Insumos de Saúde – Juizados Fazendários.

Como podemos perceber muitas são as demandas de saúde. Mas o quê fazer na assistência de enfermagem no contato direto com o usuário para diminuir essa fragilidade na efetivação do Direito? Podemos pensar em algumas medidas para a que possamos diminuir, principalmente a produção desnecessária de litigios, podemos pensar os seguintes cuidados:

  • Sempre avaliar a solicitação do usuário e indicar corretamente o local de atenção da assistência à saúde;
  • Encaminha o usuário para o local correto de atendimento de acordo com o nível de complexidade;
  • Educar a população com atividades descentralizadas e territoriais sobre quais são os locais de atendimento e o nível de complexidade de atenção;
  • Realizar o acolhimento efetivo ao usuário do serviço;
  • Realizar cuidado humanizado e respeitando a atenção universal, integral, com equidade, qualidade e efetividade;
  • Realizar coordenação estratégica com a equipe, visando qualidade diante do fluxo de atendimento;
  • Promover capacitação adequada a equipe de saúde para resolucionar os conflitos apresentados;
    identificar os principais conflitos e elaborar estratégias para solucioná-los;
  • Notificar a gestão municipal os principais conflitos para a construção do mapeamento de conflitos em saúde;
  • Discutir com a participação popular as principais questões da comunidade para construir coletivamente ações que diminuam as vulnerabilidades.

Existem uma grande importância na resolução de conflitos em saúde. Para Polakiewicz e Tavares (2018, p. 104), “É importante que sejam identificados as barreiras e as dificuldades de acesso ao serviço de saúde, para que medidas possam ser tomadas”. As medidas a serem tomadas podem ser as práticas assistenciais e podem ser pluralizada para todos os atores sociais. Não pode o poder judiciário conceber a transformação emancipadora social.

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Podemos entender o poder judiciário como um canal que pode assegurar o direito à saúde, mas precisamos de nos responsabilizar com práticas diárias na proposição do direito ao cidadão. Essas atividades formam o Estado democrático de direito e diminuem problemas diretos ao usuário, tornando o serviço de saúde com menos barreiras e mais acesso à saúde.

O enfermeiro é potente na produção de ações que diminuam os conflitos da prática assistencial, uma vez que lidera equipes e compõe o serviço de saúde. Seja na baixa, na média e alta complexidade temos o enfermeiro como figura primária na atenção à saúde da população.

É importante que o enfermeiro entenda quais são as demandas que levam a judicialização da saúde, pois aponta uma fragilidade na produção do serviço, orientando as possíveis barreiras existentes. A observação dos elevados índices de judicialização, nos apresenta possibilidade a resposta de mecanismos sociais para a diminuição de tais conflitos.

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Referências bibliográficas:

  • ASENSI, Felipe Dutra. Judicialização ou juridicização? As instituições jurídicas e suas estratégias na saúde. Physis. v. 20, n. 1, 2010
  • ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni. Judicialização da Saúde e Diálogo Institucional: a Experiência de Lages (SC). R. Dir. sanit. Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, jul./out. 2016. Disponível em: . Acesso em 07 jun. 2017.
  • LIMA, ronivon henrique de; Ytalo bruno; BASÍLIO silva Sales; AMORIM bruno esmeraldo Alves; PARENTEl Evy fernandes,CHAGAS milton jarbas rodrigues. O impacto orçamentário pela judicialização da saúde no município de crato – ce em 2013 e 2014. i encontro nacional de ensino pesquisa do campo público, 2015.
  • NASCIMENTO, Dulce. Mediação de Conflitos na Área da Saúde: experiência portuguesa e brasileira Cad. Ibero-Amer. Dir. Sanit., Brasília, v. 3, n. 5, jul./set, 2016.
  • RAMOS, Raquel de Souza; GOMES, Antonio Marcos Tosoli; OLIVEIRA, Denize Cristina de; MARQUES, Sergio Corrêa; SPINDOLA, Thelma; NOGUEIRA, Virginia Paiva Figueiredo. O acesso às ações e serviços do Sistema Único de Saúde na perspectiva da judicialização. Ver, Latino-Am. Enfermagem. Rio de Janeiro, v. 24, 2016.
  • Polakiewicz RR, Tavares CM de M. Vulnerabilidades e potencialidades da judicialização da saúde: uma revisão integrativa. Revista Enfermagem Atual [Internet]. 8abr.2019 [citado 19nov.2019];84(22). Available from: http://revistaenfermagematual.com.br/index.php/revista/article/view/273

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