ACP 2023: Atualizações sobre o controle glicêmico intra-hospitalar

A palestra sobre controle glicêmico intra hospitalar no ACP 2023, trouxe um estudo “revolucionário” por ser randomizado e trazer novos dados.

No primeiro dia do congresso do American College of Physicians (ACP 2023), um dos temas de destaque foi a palestra da Dra. Nicole O. Vietor, endocrinologista, trazendo atualizações sobre o controle glicêmico intra hospitalar em pacientes com ou sem diabetes. Fazendo um comparativo histórico e citando diversos artigos importantes para a construção e evolução dos guidelines, a palestra foi bem prática em termos de recomendações, o que tentaremos reproduzir também neste texto. 

Saiba mais: ACP 2023: O manejo de idosos com fragilidade e multicomorbidades

ACP 2023: Atualizações sobre o controle glicêmico intra-hospitalar

ACP 2023: Atualizações sobre o controle glicêmico intra-hospitalar

 Alvos glicêmicos 

O alvo glicêmico intra-hospitalar foi modificado desde o estudo NICE SUGAR, que comparou o controle intensivo (padrão ouro até a época, glicemias entre 81 e 108 mg/dL) com um controle menos intensivo (até 180 mg/dL). O estudo foi de certa forma “revolucionário” para o tema por se tratar de um dos poucos ensaios clínicos randomizados e que demonstrou maior incidência de hipoglicemias e piora da mortalidade no grupo controle intensivo. Com base nisso e em estudos que demonstram que pacientes em pós operatório de cirurgias cardíacas são aqueles que podem mais se beneficiar de um controle glicêmico intra hospitalar mais estrito, diferentes organizações fazem suas recomendações atuais: 

– Endocrine Society (ES): Fasting < 140; random < 180 e evitar < 100 mg/dL 

– American College of Physicians (ACP): 140-200; evitar < 140 mg/dL 

– American Diabetes Association (ADA): 140 – 180 mg/dL para a maioria dos pacientes* 

*Nas recomendações da ADA, é possível almejar um alvo mais apertado se for possível evitar hipoglicemias, sobretudo em pacientes submetidos recentemente a cirurgia cardíaca. Ainda, em pacientes em fase final de vida, o objetivo é manter o conforto, sendo aceitável manter a glicemia acima de 250 mg/dL desde que isso não traga sintomas como poliúria e desidratação por exemplo. 

Manejo ideal 

Desde o guideline de 2012 da Endocrine Society já é trazido o conceito de se evitar esquemas “sliding scale”. Esse esquema significa deixar uma insulina rápida de correção em um esquema arbitrário e realizado em horários fixos, sem relação com a refeição (ex: “insulina regular de 6/6h se glicemia acima de 250 mg/dL”). Tal recomendação não é segura e parece ser inferior a esquemas com doses diárias pré estabelecidas. Isso foi demonstrado no RABBIT 2 trial, que comparou a insulina de horário vs sliding scale. No entanto, este foi um estudo realizado em pacientes com hiperglicemia moderada (200 – 240 mg/dL), o que gerou o questionamento sobre o que fazer em pacientes com uma hiperglicemia mais leve, já que um esquema completo de insulina poderia gerar overtreatment. Então quais alternativas? 

  • Basal plus 
  • Basal bolus vs basal plus (basal + doses de correção pré refeição): estudos que compararam as estratégias não viram diferença no controle glicêmico nem em hipoglicemias 
  • Voltar ao Sliding scale? 

– Estudo retrospectivo: Se glicemia na admissão hospitalar < 180 ou A1c < 8%, pode haver sucesso no controle glicêmico 

  • Medicações orais? 

– Inibidores de DPP-IV demonstraram ótimo potencial em monoterapia ou em associação com insulina basal para controle de hiperglicemias leves. 

E o que fazer com todas essas informações? 

2022: ES Updated guidelines; 2023: ADA 

A abordagem portanto deve ser individual, de acordo com características de base e fatores de risco adicionais. É fundamental saber se o paciente possui diabetes desde antes da internação, saber o nível de hemoglobina glicada prévio e se utilizava insulina antes da internação ou não. A recomendação abordada na palestra (segundo os guidelines da Endocrine Society): 

  • Pacientes sem DM2 prévio 

– Tratar hiperglicemia apenas se > 140;  

– Possível iniciar apenas com esquema de correção (antes das refeições) 

– Iniciar basal se após 24h glicemia > 180 mg/dL 

  • Paciente com DM2 prévio, mas não utilizava insulina 

– Correção ou insulina basal 

– Iniciar basal se após 24h glicemia > 180 mg/dL 

  • DM2 em uso de insulina 

– Ajustar doses de acordo com gravidade do quadro e alimentação 

Obs: Sobre os antidiabéticos num contexto hospitalar: 

  •  Antidiabéticos orais (ADOs):

– Não temos RCTs avaliando metformina, sulfoniluréias, glitazonas ou inibidores de SGLT-2. Considerando os potenciais riscos e a falta de dados indicando benefícios, não devemos utilizar. 

– Já os inibidores de DPP-4 são o grande destaque aqui. 3 RCTs indicaram que seu uso pode impactar em redução da necessidade de insulina, controle isolado com ele em casos mais leves e redução do risco de hipoglicemias. Portanto, é uma opção interessante a ser considerada em pacientes selecionados. Vale lembrar que eles não são indicados para DM1 ou para casos de hiperglicemia grave. 

Podemos considerar sobretudo se: 

  • A1c < 7,5% 
  • Uso de baixas doses de insulina (< 0,6 U/kg) 
  • Uso prévio à admissão 

No entanto, caso as glicemias se mantenham acima de 180 mg/dL, é necessário associar insulina. 

  •  aGLP-1: Em 2 RCTs realizados com medicações da classe, houve pequena redução em hipoglicemias e bom controle glicêmico. No entanto, a incidência de efeitos colaterais limitantes como nauseas e vomitos foi 6 vezes maior e por tal razão, não parece ser uma boa opção no contexto intra hospitalar.

Algoritmo (Annals of internal medicine): 

  • Grupo “leve” 

– A1c < 7,5% (Pacientes com DM prévio leve ou sem DM) 

– Glicemias < 200 mg/dL 

– Pacientes virgens de uso de insulina 

– Baixa ingesta oral 

– Alto risco de hipoglicemias 

Conduta: Considerar início com anti diabético oral (iDPP–4) ou insulina de correção pré prandial 

  • Grupo “intermediário” 

– A1c 7,5 – 9% na admissão 

– Glicemias entre 200 e 300 mg/dL 

– Uso de insulina prévio mas em doses < 0,6U/kg/d 

– >2 antidiabéticos orais prévios 

Conduta: Insulina basal + correção (basal plus) +/- iDPP-4 

  • Grupo “grave” 

– A1c > 9% na admissão 

– Glicemias acima de 300 mg/dL 

– Uso de insulina prévio mas em doses > 0,6U/kg/d 

– Regime de tratamento complexo pré internação 

Conduta: Basal/bolus + insulina de correção 

*Este algoritmo é muito parecido com uma revisão publicada recentemente no Lancet Diabetes e que organiza muito bem nosso raciocínio (referência 1). 

 Observações sobre hiperglicemia induzida por corticoides 

– Glicocorticóides (GC) induzem hiperglicemia em 56/86% dos pacientes recebendo doses suprafisiológicas, sendo diabéticos ou não; 

– Seu uso intra hospitalar se associa a maior risco de mortalidade, risco de eventos cardiovasculares e infecções 

– A dica é que a curva de tempo de ação da insulina NPH casa perfeitamente com a prednisona 1x/d – portanto é uma excelente opção dando no mesmo horário, acrescentando-se ao esquema que o paciente estiver em uso: 

– NPH +/- bolus de correção ou até mesmo basal/bolus + NPH para correção (no caso, se estiver em uso de outra insulina basal 

Contudo, isso não é válido no uso de outros glicocorticóides como dexametasona e nessas condições o manejo pode ser complexo e necessitar do auxílio do especialista. 

  • Perioperatório: dicas rápidas 

– Endocrine Society (2022): Para adultos submetidos a cirurgias eletivas: 

  1. Meta glicêmica: A1c < 8% e/ou glicose < 100-180 mg/dL 

Quando não for possível, tentar alvo pré operatório < 100-180 pelo menos 1-4h antes da cirurgia. 

Uso de tecnologias (intra hospitalar) 

– Ainda não são aprovadas pelo FDA ; 

– Pacientes em uso de monitores contínuos de glicemia intersticial (CGM) tem menores índices de hipoglicemias em estudos; 

– Apesar disso, existem algumas inacurácias em seu uso como em pacientes com hipoperfusão, uso de algumas medicações como vit C > 500 mg/d, paracetamol, manitol, hidroxiureia e tetraciclina (a depender do dispositivo utilizado). 

– Seu benefício sobretudo nos pacientes muito graves ainda não é claro. 

Leia também: ACP 2023: Importância do exame físico racional para o hospitalista

POR FIM: ALTA HOSPITALAR 

  • Como? 
  1. De acordo com a A1c de admissão 

– < 7%: Recomeçar tratamento prévio à internação 

– 7-9%: Basal bolus 50% da dose da internação + ADOs 

– > 9%: Recomeçar ADOs e basal bolus em 80% da dose utilizada na internação 

  • Uso de GLP-1 na alta? 

– Em estudo publicado em 2021 (Liraglutida vs glargina), houve melhora em ambos os grupos na a1c, com maior perda de peso no grupo glp1, menor índice de hipoglicemias, porém com maior incidência de náuseas. 

*Não deixe de conferir nossa revista sobre perioperatório onde abordamos o manejo da hiperglicemia com maiores detalhes e nossa série “Diabetes baseado em evidências”, onde abordaremos assuntos relacionados com maiores detalhes! 

 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Pasquel FJ, Lansang MC, Dhatariya K, Umpierrez GE. Management of diabetes and hyperglycaemia in the hospital. Lancet Diabetes Endocrinol. 2021 Mar;9(3):174-188. doi: 10.1016/S2213-8587(20)30381-8. Epub 2021 Jan 27. PMID: 33515493. 

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