Agonistas de GLP-1 ou inibidores de SGLT-2: qual a melhor opção para diabéticos?

O estudo sugere que inibidores de SGLT-2 e agonistas de GLP-1 parecem estar no mesmo patamar quanto à proteção cardiovascular.  

O tratamento do diabetes tipo 2 vem evoluindo consideravelmente na última década. A publicação dos Cardiovascular Outcomes Trials (CVOTs) e de outros estudos que avaliam o impacto renal das medicações apontam que a forma de se encarar o tratamento do diabetes evoluiu, deixando de focar apenas no nível do controle glicêmico para ser uma visão mais abrangente a caminho da medicina personalizada no tratamento do diabetes. 

No último congresso da American Diabetes Association (ADA), o Dr. Julio Rosenstock, figura conhecida no meio e autor de diversos trials importantes, mencionou que, com as novas medicações, a questão não é mais se é possível reduzir a hemoglobina glicada em 2,0%, 2,5%, mas sim quantos dos pacientes vão conseguir atingir uma glicada menor que 5,7% e qual será o impacto disso a longo prazo.  

No último guideline da ADA, divulgado este ano, já existe a recomendação de que, em pacientes de alto risco cardiovascular (sobretudo naqueles com doença aterosclerótica já estabelecida ou insuficiência cardíaca), se dê preferência para os agonistas de GLP-1 ou inibidores de SGLT-2, com evidência de redução de desfechos cardiovasculares, os famosos MACEs (major adverse cardiovascular events), antes mesmo da metformina. 

A grande maioria dos estudos estabelece a eficácia e segurança cardiovascular comparando a droga estudada ao placebo. Frente à grande quantidade de trials e informações recentes, uma pergunta sempre aparece: qual droga é superior do ponto de vista de benefício cardiovascular? E ainda: será que, comparados a drogas mais antigas e sem evidência de benefício cardiovascular, como inibidores de DPP-4 ou sulfonilureias, essa superioridade se mantém? 

Para tentar responder essa pergunta, foi elaborado um estudo com dados de mundo real, financiado pelo “Veterans Affairs” dos Estados Unidos, comparando a eficácia de agonistas de GLP-1, inibidores de SGLT-2, inibidores de DPP-4 e sulfonilureias quando ao risco de infarto, AVC ou morte por todas as causas (Major Adverse Cardiovascular Events – MACE). O estudo foi publicado no jornal The Lancet. 

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Métodos 

Trata-se de um método estatístico utilizado para desenhar e simular um ensaio clínico randomizado (RCT), pragmático, a partir de uma base de dados observacionais, conhecido como target trial. Se o desenho for cuidadoso e houver um bom controle de variáveis, o valor das associações passa a ser maior. Como não existem RCTs sobre o tema e nem um previsto para ser realizado ou em andamento sobre o tema, os autores lançaram mão dessa ferramenta, “randomizando” pacientes já em uso das medicações – um estudo de mundo real. 

O target trial desenhado para comparar iSGLT-2 e agonistas de GLP-1 quanto ao risco de MACE possuiu como critérios de inclusão indivíduos em uso de metformina apenas, sem uso de outros antidiabéticos por pelo menos um ano. Foram excluídos aqueles com taxa de filtração glomerular (TFG) menor que 30 ml por minuto.  

Após a seleção dos indivíduos, eles seriam randomizados para uma das quatro classes de drogas pré-especificadas (agonistas de GLP-1, inibidores de SGLT-2, inibidores de DPP-4 ou sulfonilureias) e após a randomização, seria feito o seguimento para avaliação do tempo para o primeiro desfecho.  

Estabelecido o desenho do target trial, os autores então utilizaram a base de dados do Veterans Affairs, de 2016 a 2022 para simular o estudo (utilizando dados observacionais, mas que cumpririam o protocolo de randomização já desenhado). 

Para isolar o efeito das medicações e equilibrar os grupos, tal como uma randomização, foram feitos ajustes para balanceamento dos grupos. As variáveis controladas foram idade, raça, sexo, hemoglobina glicada, taxa de filtração glomerular, albuminúria, pressão arterial, LDL e IMC. Medicações incluíram o uso posterior de insulina, tiazolidinedionas, estatinas, iECA/BRA, diuréticos, betabloqueadores, além de comorbidades cardiovasculares. Dados faltantes foram colocados utilizando imputações multivariadas, usando todas as variáveis. 

O poder do estudo foi calculado a partir de mil simulações com a coorte utilizada e foi definido como 99%, 91% e 75% para encontrar um hazard ratio (HR) de 0,9, 0,93 e 0,95 entre iSGLT-2 e aGLP-1 quanto ao desfecho primário. A definição da randomização foi baseada num método chamado “overlap weight”, uma equação que utiliza as variáveis selecionadas para estimar a probabilidade que eles de fato sejam iguais e comparáveis, sendo o método que resulta numa população “target” próxima daquela encontrada em RCTs pragmáticos. 

Os agonistas de GLP-1 incluídos foram liraglutida, dulaglutida, semaglutida, exenatida e albiglutida. Os inibidores de DPP-4 foram a alogliptina, saxagliptina, sitagliptina e linagliptina. As sulfonilureias: glimepirida, gliburida e glipizida (não foi incluído nem gliclazida, tampouco glibenclamida). Já os iSGLT-2 foram a cana, dapa e a empagliflozina. 

Foram realizadas análises intention to treat (definida como tendo um registro de prescrição da droga pelo menos) e per protocol (tratamento mantido durante todo o follow up). Como mencionado, o endpoint primário analisado foi o risco de MACE e os secundários, cada um dos eventos de forma isolada (IAM e AVC não fatal, morte por causas cardiovascular ou morte por todas as causas), além de hospitalização por IC, infecção genital, risco de amputação de membros, cetoacidose e hipoglicemias. 

Resultados 

Após a seleção inicial, dados de 283.998 foram utilizados para a análise. 46516 foram randomizados ao grupo iSGLT-2, 26038 para o grupo agonistas de GLP-1; 55.310 para o grupo iDPP-4 e 156.134 ao grupo sulfonilureias. 

A idade média foi de 64 anos, 75% brancos, 92% homens (dados do Veterans Affairs). A média da TFG foi de 78 ml/min e a média de HbA1c 8,67%, enquanto de LDL 85 mg/dL. O tempo médio de seguimento foi de 3,85 anos.  

Comparados às sulfonilureias, todos tiveram menor risco de eventos (análise intention to treat): 

  • iSGLT-2: HR 0,77 (0,74 a 0,8; IC 95%) 
  • aGLP-1: HR 0,78 (0,74 a 0,81; IC 95%) 
  • iDPP-4: HR 0,90 (0,86 a 0,93; IC 95%) 

Ambos iSGLT-2 e aGLP-1 foram superiores aos iDPP-4 quanto aos MACEs: 

  • iSGLT-2: HR 0,86 (0,82 a 0,89; IC 95%) 
  • aGLP-1: HR 0,86 (0,82 a 0,90; IC 95%) 

E finalmente, a grande pergunta: entre iSGLT-2 e os agonistas de GLP-1? Entre essas classes, houve um empate técnico, com um HR 0,99 (0,94 a 1,04; IC 95%) para iSGLT-2 comparados aos agonistas de GLP-1. 

As associações de cada um dos desfechos secundários que compõem o MACE (IAM e AVC não fatais, morte por causa cardiovascular e morte por todas as causas) foram compatíveis com a análise do desfecho primário. 

Leia também: iSGLT2: Benefícios cardiovasculares além do diabetes [podcast]

Conclusão e mensagem prática 

Apesar das limitações (um estudo observacional que emulou um ensaio clínico randomizado), população majoritariamente branca e mais de 90% homens, este estudo traz pontos muito interessantes. O primeiro é a própria forma escolhida para análise dos dados, que pode ser uma saída para a observação de associações causais mesmo a partir de dados observacionais. A segunda é que inibidores de SGLT-2 e agonistas de GLP-1 parecem estar no mesmo patamar quanto à proteção cardiovascular.  

Vale lembrar que dentre os agonistas de GLP-1 estava presente também a exenatida, que não possui benefício do ponto de vista cardiovascular, o que pode ter “diluído” um pouco o efeito dessa classe. Contudo, este é um estudo de fato head-to-head que compara drogas para uso “add-on” à metformina e que corrobora o raciocínio atual de priorização dessas duas classes como drogas de escolha para indivíduos de alto risco cardiovascular. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Xie Y, Bowe B, Xian H, Loux T, McGill JB, Al-Aly Z. Comparative effectiveness of SGLT2 inhibitors, GLP-1 receptor agonists, DPP-4 inhibitors, and sulfonylureas on risk of major adverse cardiovascular events: emulation of a randomised target trial using electronic health records. Lancet Diabetes Endocrinol. 2023 Sep;11(9):644-656. doi: 10.1016/S2213-8587(23)00171-7. Epub 2023 Jul 24. PMID: 37499675.   
  • Hernán MA, Wang W, Leaf DE. Target Trial Emulation: A Framework for Causal Inference From Observational Data. JAMA. 2022;328(24):2446–2447. doi:10.1001/jama.2022.21383