AHA 2022: Revascularização endovascular é superior à cirúrgica na isquemia grave?

Um trabalho apresentado no congresso da AHA examinou se revascularização endovascular é superior à cirúrgica em pacientes isquêmicos.

A isquemia crítica de membros inferiores é a manifestação mais grave da doença arterial periférica e, se não tratada, leva a uma incidência de amputação de 25% em um ano de seguimento. O tratamento é feito com revascularização do membro, cirúrgica ou percutânea. A escolha entre essas técnicas é baseada no padrão de doença do paciente, risco cirúrgico, disponibilidade de veias para enxerto, preferência do paciente, treinamento do médico e viés do serviço de atendimento.  

Foi feito então um trabalho, apresentado no congresso da AHA deste ano, com objetivo de determinar se a revascularização endovascular seria superior à revascularização cirúrgica em pacientes com isquemia crítica de membros causada por doença arterial periférica infra inguinal. 

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Métodos do estudo

Foi estudo internacional com inclusão de 150 centros de diversos países, randomizado, prospectivo, aberto, de superioridade. Foram realizados dois estudos paralelos baseados na avaliação pré procedimento da disponibilidade de veia autógena para enxerto: um único segmento de veia safena magna (coorte 1) ou necessidade de via alternativa (coorte 2).  

A inclusão dos pacientes ocorreu de 2014 a 2019, com seguimento até 2021 e os critérios de inclusão eram idade maior que 18 anos, presença de isquemia crítica de membro, definida como insuficiência arterial de membro inferior com isquemia em repouso, úlcera isquêmica ou gangrena. Pacientes com risco cirúrgico muito alto foram excluídos. 

Os pacientes eram incluídos em uma das duas coortes de acordo com a avaliação pré-procedimento por ultrassonografia e randomizados para tratamento cirúrgico ou endovascular. Os pacientes eram estratificados de acordo com critérios clínicos (dor em repouso ou perda tecidual) e anatômicos (presença ou ausência de doença arterial oclusiva infra-poplítea). 

No grupo tratamento cirúrgico, o cirurgião poderia escolher a técnica a ser utilizada, assim como no grupo de tratamento endovascular. O seguimento era feito 30 dias após o procedimento ou 30 dias após a randomização se o procedimento não fosse realizado. Após, eram avaliados com três e seis meses e a cada seis meses a partir de então, até 84 meses. 

O desfecho primário foi um composto de eventos adversos maiores de membros inferiores (amputação acima do tornozelo ou necessidade de reintervenção) ou mortalidade por qualquer causa. Os desfechos secundários de eficácia e segurança foram a ocorrência de evento adverso maior de membros a qualquer momento ou morte pós operatória em até 30 dias; necessidade de reintervenção menor; evento cardiovascular adverso maior (infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) ou morte por qualquer causa) ou eventos adversos graves.

Resultados 

Em relação a coorte 1, 718 pacientes foram randomizados para tratamento cirúrgico e 716 para tratamento endovascular. Esses pacientes foram seguidos por uma mediana de 2,7 anos. Os pacientes tinham praticamente todas as características de base semelhantes entre os grupos, exceto que no grupo de tratamento percutâneo havia mais negros. O tempo médio para realização do procedimento foi de quatro dias para tratamento cirúrgico e 1 dia para endovascular.  

Os procedimentos realizados foram enxertos fêmoro-poplíteos (307), fêmoro-tibiais ou pediosos (276) e poplíteo-tibiais ou pediosos (115) e 85% deles foram realizados com um único segmento de veia safena magna. Os procedimentos endovasculares foram realizados nas artérias femoral superficial (487), poplítea (382) e tibial ou pediosa (381). Houve falha de tratamento em 108 pacientes do grupo endovascular, que precisaram de intervenção cirúrgica em até 30 dias. 

O desfecho primário ocorreu em 42,6% dos pacientes do grupo tratamento cirúrgico e 57,4% do grupo endovascular (p < 0,001), sendo que as reintervenções maiores foram mais necessárias no grupo de tratamento endovascular (23,5% x 9,2%), assim como as amputações (14,9% x 10,4%). Morte por todas as causas e eventos cardiovasculares maiores foram semelhantes entre os grupos.  

Em relação a coorte 2, composta por pacientes que não tinham safena para ser utilizada, foram randomizados 197 pacientes para tratamento cirúrgico e 199 para tratamento endovascular. O tempo de seguimento teve uma mediana de 1,6 anos. As características de base dos pacientes foram semelhantes exceto por hipertensão, mais comum no grupo de tratamento cirúrgico. 

O tempo médio para a realização da cirurgia foi de quatro dias e para o tratamento endovascular de um dia e dos 37 pacientes com falha de tratamento endovascular, 26 foram tratados de forma cirúrgica.  

No grupo cirúrgico, foram realizados 105 enxertos fêmoro-poplíteos, 86 fêmoro-tibiais ou fêmoro-pediosos, 18 poplíteo-tibiais ou pediosos. Nesse grupo, 48 enxertos foram realizados com veias autógenas alternativas a safena e 119 foram tratados com prótese. Dentre as intervenções endovasculares, 133 foram na artéria femoral superficial, 114 na poplítea e 86 na tibial ou pediosa. 

O desfecho primário ocorreu em 42,8% dos pacientes do grupo tratamento cirúrgico e 47,7% do grupo endovascular, sem diferença estatística. Não houve diferença entre os grupos em relação aos outros desfechos e eventos adversos cardiovasculares maiores.

Comentários e conclusão 

Neste estudo, quando o paciente apresentava uma veia safena magna considerada adequada para utilização, houve benefício do tratamento cirúrgico em relação ao endovascular, com redução de 32% nos eventos maiores relacionados aos membros inferiores. Esse resultado parece ter ocorrido às custas de redução de reintervenções maiores e amputação acima do tornozelo.  

Porém, quando não havia safena disponível para o tratamento os resultados foram semelhantes entre os grupos tratamento cirúrgico e endovascular.  

Algumas limitações são que o estudo foi aberto, o que pode levar a viés, e a técnica de tratamento era escolhida pelo médico responsável, o que leva a grande heterogeneidade do tratamento. Além disso, a maioria dos pacientes tinha doença infrapoplítea significativa e esses resultados talvez não possam ser generalizados. 

Baseado nisso, a decisão pelo tipo de tratamento deve contar com um planejamento adequado, avaliação de risco do complicações no perioperatório e avaliação prévia da viabilidade da safena. Se a safena for considerada adequada, há benefício do tratamento cirúrgico em relação ao endovascular.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • DOI: 10.1056/NEJMoa2207899 

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