Alemtuzumabe na esclerose múltipla: evidências, indicações e cuidados

Saiba mais sobre os méritos e pontos de atenção da prescrição de alemtuzumabe para pacientes com esclerose múltipla.

Este conteúdo foi produzido pela PEBMED em parceria com Sanofi de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal PEBMED.

A esclerose múltipla é doença crônica e neuroinflamatória do sistema nervoso central com potencial de afetar componentes físicos e cognitivos de um indivíduo, resultando em impacto significativo na sua funcionalidade e na sua qualidade de vida1.

De acordo com a classificação de Lublin em 2013, há quatro fenótipos clínicos na EM: síndrome clínica isolada (CIS), forma recorrente-remitente (RRMS), forma secundariamente progressiva (SPMS) e forma primariamente progressiva (PPMS). Para a forma remitente-recorrente e formas progressivas, há estratificação da classificação para presença ou ausência de atividade de doença. A atividade de doença é definida através de surtos clínicos e/ou achados radiológicos (como a presença de lesões realçadas por contraste ou lesão novas/maiores em sequências ponderadas em T2 na ressonância magnética)2.

Na última década, houve um aumento do número de drogas modificadoras de doença (DMT) aprovadas para terapia de esclerose múltipla. O uso dessas drogas além de reduzir a atividade de doença, possibilita prevenir uma grande preocupação: a conversão da forma remitente-recorrente de EM ─ fenótipo clínico mais prevalente ─ para forma secundariamente progressiva3.

Alemtuzumabe na esclerose múltipla

As decisões terapêuticas na esclerose múltipla são baseadas a partir do grau de atividade de doença, que podem variar em baixo, moderado ou alto. A indicação de alemtuzumabe é aplicada para pacientes com esclerose múltipla na forma remitente-recorrente que apresentem alta atividade de doença3.

A definição de alta atividade de doença ainda é discutida na literatura. Contudo, em último consenso brasileiro publicado nos Arquivos de Neuropsiquiatria em 2018, alta atividade de doença foi considerada quando 1:

▪ Presença de ≥ 2 recidivas incapacitantes em um ano, com uma ou mais lesões contrastadas com gadolínio na ressonância magnética (RNM) cerebral ou um aumento significativo na carga lesional em T2 em comparação com uma RNM prévia em pacientes virgens de tratamento;

ou

▪ Presença de atividade de doença no último ano, apesar de um ciclo completo e adequado com, pelo menos, uma droga modificadora de doença (DMT).

Mecanismo de ação do alemtuzumabe

É um anticorpo monoclonal humanizado anti-CD52². O alemtuzumabe é capaz de ligar-se a esse antígeno da superfície celular altamente presente em linfócitos T e B, promovendo citólise celular e lise mediada por complemento. Há pouca ou nenhuma atuação dessa droga em populações como neutrófilos, células plasmáticas ou células-tronco de medula óssea, já que a glicoproteína de superfície celular CD52 é pouco presente4.

Não há ainda plena elucidação sobre o mecanismo de ação do alemtuzumabe nessa doença, embora postule-se um processo de imunomodulação com depleção e repopulação de linfócitos que gerariam mudanças adaptativas da imunidade de forma prolongada4.

Evidências sobre sua eficácia clínica

O CARE-MS II trial, publicado em 2012, foi ensaio clínico responsável por demonstrar efetividade clínica do alemtuzumabe na esclerose múltipla. Tratou-se de estudo de fase III, randomizado, com cegamento de avaliadores, que recrutou adultos com RRMS, com menos de 10 anos de doença, com EDSS < 5, que preenchessem critérios considerados para alta atividade de doença5-6.

Nesse estudo, o alemtuzumabe apresentou menor taxa recidivas clínicas (35%) ao comparar com o grupo com betainterferona 1a (53%), representando uma diminuição de risco de 49.4% em relação ao tratamento com betainterferona 1a em um período de 2 anos (valor p <0·0001). Além disso, o grupo com alemtuzumabe possuiu acúmulo de incapacidade estimado em 13% ao contrário de 20% do grupo com betainterferona 1a ─ uma redução do risco em 42% (valor p = 0·008) 5-6.

Na avaliação radiológica, o grupo com alemtuzumabe também apresentou menor proporção de lesões novas em T2 e de lesões com realce por gadolínio em 24 meses (valor p < 0.0001)5-6.

Cuidados na prescrição e monitoramento

→ Pré-tratamento

Antes da prescrição intravenosa do alemtuzumabe no paciente, há indicação de realização de um pré-tratamento com as seguintes condutas7-8:

▪ Prescrição de corticoterapia (1.000 mg de metilprednisolona ou equivalente) nos três primeiros dias antes de qualquer ciclo de tratamento;

▪ Administrar profilaxia oral para infecção por herpes a todos os pacientes a partir do primeiro dia de cada ciclo de tratamento e continuar por, no mínimo, um mês após o tratamento do alemtuzumabe (200 mg de aciclovir duas vezes por dia ou equivalente);

▪ Considerar prescrição de anti-histamínicos e/ou antipiréticos antes do alemtuzumabe, na proposta de amenizar eventos adversos;

▪ Realizar os seguintes exames: hemograma completo, creatinina sérica, exames de urina com contagem de células, teste de função tireoidiana, sorologia para HIV e hepatites e beta-HCG (para mulheres em idade fértil);

▪ Afastar infecções latentes como tuberculose;

▪ Verificar vacinação, em que é recomendada atualização do calendário vacinal pelo menos seis semanas antes do início da terapia;

▪ Orientar mulheres férteis sobre o planejamento da gestação para pacientes do sexo feminino e acompanhamento anual de HPV com ginecologista.

→ Tratamento

O tratamento recomendado do alemtuzumabe é a administração de 12 mg/dia, por infusão intravenosa através de dois ciclos de terapêuticos7-8:

▪ 1º ciclo de tratamento: 12 mg/dia durante 5 dias consecutivos (dose total de 60 mg);

▪ 2º ciclo de tratamento (12 meses após ciclo inicial): 12 mg/dia durante 3 dias consecutivos (dose total de 36 mg).

Após esses ciclos tradicionais, caso seja necessário, pode ser considerado dois ciclos adicionais de tratamento:

▪ 3º e 4º ciclos (pelo menos 12 meses após ciclo prévio em pacientes com EM ativa): 12 mg/dia durante 3 dias consecutivos (dose total de 36 mg).

→ Eventos adversos

As principais reações do alemtuzumabe (≥ 10%) são: linfopenia, leucopenia, taquicardia, hipertireoidismo, náusea, pirexia, fadiga, calafrios, infecção do trato urinário, infecção do trato respiratório superior, cefaleia, erupção cutânea, urticária, prurido, erupção cutânea generalizada e ruborização 7-8.

A terapia com alemtuzumabe proporciona um aumento no risco de condições mediadas por autoimunidade, que podem ser graves. Entre as condições descritas há os distúrbios da tireoide, púrpura trombocitopênica idiopática e, raramente, nefropatias imunomediadas 7-8.

→ Monitoramento após terapia

Em decorrência do tempo de terapia, os pacientes devem se comprometer a ter, pelo menos, 48 meses de acompanhamento após a última infusão. Os eventos adversos devem ser monitorados, até mesmo naqueles assintomáticos e sob bom controle da esclerose múltipla7-8.

É recomendada, após infusão, coleta mensal dos seguintes exames: hemograma completo, creatinina sérica e exames de urina com contagem de células. Em periodicidade trimestral, é orientado monitoramento de função tireoidiana (TSH). A necessidade de acompanhamento laboratorial deve ocorrer nesses 48 meses após a última infusão da droga7-8.

→ Contraindicações

Pacientes com hipersensibilidade tipo 1 conhecida ou reações anafiláticas à substância ativa ou a qualquer um dos excipientes, assim como portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)7.

Benefícios e riscos do alemtuzumabe

O sucesso no controle da esclerose múltipla é intimamente dependente de uma boa adesão terapêutica, o que pode ser desafiador para o paciente em vigência da posologia das drogas modificadoras disponíveis. Nesse caso, o alemtuzumabe traz uma comodidade posológica interessante em virtude de ser um tratamento baseado inicialmente em dois ciclos de infusão intravenosa espaçados em um intervalo de 12 meses8.

Em estudo observacional com a amostra de participantes do CARE-MS I com follow-up de 9 anos, houve uma manutenção da eficácia do alemtuzumabe, reduzindo resultados de recidivas, de incapacidade assim como menor carga lesional em exames com ressonância magnética do encéfalo. Após os 9 anos de follow-up, 62% não apresentavam evidências de atividade de doença e 69% não apresentavam sinais radiológicos de atividade6.

Um dos principais riscos do uso da medicação está relacionado ao desenvolvimento de condições autoimunes graves e com potencial risco de vida. Por esse motivo, é imprescindível o alerta aos pacientes sobre o potencial desenvolvimento desses distúrbios autoimunes, mesmo após o período de monitoramento recomendado de 48 meses7.

Alemtuzumabe no Brasil

Alemtuzumabe é um medicamento aprovado pela ANVISA para tratamento de pacientes com forma remitente-recorrente de esclerose múltipla 9.

Grande parte das terapias modificadoras de doença da esclerose múltipla constituem em medicamentos de alto-custo. Sendo assim, no Brasil, grande parte dos pacientes com essa condição dependem da dispensação dessas terapias através do SUS. Em portaria publicada em abril de 2021 pelo Ministério da Saúde, o alemtuzumabe foi tecnologia incorporada para tratamento de pacientes com esclerose múltipla remitente-recorrente com alta atividade da doença em falha terapêutica ao natalizumabe, sendo estabelecido no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) dessa condição9.

Conclusão

Décadas de experiência estabeleceram os méritos e preocupações do alemtuzumabe como tratamento da esclerose múltipla. A seu favor, a comodidade posológica e uma eficácia prolongada não é superada por nenhum outro tratamento licenciado, além disso existem dados de ensaios clínicos para apoiar seu uso como uma escolha de tratamento para a RRMS ativa (embora o uso como primeira linha não seja aprovado). Por outro lado, seu perfil de segurança é complexo e requer restrito monitoramento após cada infusão. O paciente ideal para o alemtuzumabe é aquele com doença ativa, que entende o valor de “alto risco/alto ganho” da medicação e que cumprirá o programa de monitoramento de segurança a longo prazo.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • 1. Marques, Vanessa Daccach, et al. Brazilian consensus for the treatment of multiple sclerosis: Brazilian Academy of Neurology and Brazilian Committee on Treatment and Research in Multiple Sclerosis. Arquivos de Neuro-psiquiatria 76 (2018): 539-554.
  • 2. Lublin, Fred D., et al. Defining the clinical course of multiple sclerosis: the 2013 revisions. Neurology 83.3 (2014): 278-286.
  • 3. Cross, Anne, and Claire Riley. Treatment of multiple sclerosis. CONTINUUM: Lifelong Learning in Neurology 28.4 (2022): 1025-1051.
  • 4. Ruck, Tobias, et al. Alemtuzumab in multiple sclerosis: Mechanism of action and beyond. International journal of molecular sciences, vol. 16, no. 7, p. 16414–16439, 2015. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26204829/>.
  • 5. LaGanke, C., et al. Durable suppression of disease activity by alemtuzumab in the absence of continuous treatment over 6 years in patients with active relapsing-remitting multiple sclerosis and an inadequate response to prior therapy (CARE-MS II). Multiple Sclerosis Journal 22 (2016): 327-328.
  • 6. Montalban, X., et al. Alemtuzumab maintains efficacy on clinical and MRI disease activity outcomes, including slowing of brain volume loss, over 9 years in RRMS patients: CARE-MS I follow-up (TOPAZ study). Multiple Sclerosis Journal 25 (2019): 511-512.
  • 7. S. Food and Drug Administration. FDA Drug Safety Communication FDA warns about rare but serious risks of stroke and blood vessel wall tears with multiple sclerosis drug Lemtrada (alemtuzumab). Fda.gov. Disponível em: https://www.fda.gov/media/119052/download?attachment
  • 8. Katsavos, Serafeim et al. Alemtuzumab as treatment for multiple sclerosis. Cold Spring Harbor perspectives in medicine, vol. 8, no. 10, p. a032029, 2018. Disponível em: http://perspectivesinmedicine.cshlp.org/content/early/2018/03/02/cshperspect.a032029.abstract
  • 9. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 15, de 28 de abril de 2021. MAT-BR-2304282 Agosto/2023